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Realizar um festival de cinema é uma tarefa árdua, certamente recompensadora, mas árdua. Essas ocasiões fundamentais para expandir a noção de cinema para além do circuito comercial demandam energia, tempo e investimentos de outras ordens. Nesta quarta-feira, 08, tem início a 18ª edição do Festival de Cinema Italiano, evento que acontece até o dia 09 de dezembro de maneira híbrida, ou seja, presencialmente (em 91 salas espalhadas por mais de 60 cidades) e também no âmbito on-line. E o melhor: os 32 filmes da seleção serão exibidos gratuitamente, tanto nas telonas quanto no conforto da casa dos espectadores que optarem pelo on-line. Para entender um pouco mais sobre os bastidores do Festival de Cinema Italiano 2023, conversamos com a diretora cultural e curadora Erica Bernardini. O resultado deste Papo de Cinema você confere com exclusividade logo abaixo.

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O festival chega em 2023 à sua maioridade. Quais os principais desafios para essa 18ª edição?
Estou desde a primeira edição, a Semana do Cinema Italiano. Na ocasião, eram exibidos apenas sete filmes durante uma semana em São Paulo. Atualmente chegamos a 32 filmes, durante um mês, no Brasil todo. É algo muito gratificante. Por sermos apenas um festival de cinema italiano, temos mais dificuldades, diferentemente do que acontece, por exemplo, com uma Mostra de São Paulo, que é internacional. Mas, também é uma grande responsabilidade ser apenas italiano. Os filmes do evento são todos inéditos, excetuando evidentemente os da mostra retrospectiva. Existe um grande relacionamento com produtores, distribuidores e vendedores internacionais, aos quais deixamos claro que nossa missão é promover a cultura italiana por meio do cinema. Alguns desses filmes, infelizmente, talvez nem cheguem comercialmente ao Brasil, então oferecermos ao público oportunidades muito valiosas. Esse é nosso principal objetivo. E não é fácil, pois temos produções que acabaram de ser lançadas na Itália.

Você tem muita experiência em eventos que promovem intercâmbios entre Brasil e Itália. O que mais te fascina nessa possibilidade de trocas culturais entre os países?
São quase duas décadas de festival, mas minha trajetória profissional foi muito dentro da Câmara de Comércio Italiana de São Paulo, embora também tenha trabalhado nas câmeras de comércio de Milão, Firenze e Roma. O que mais atrai nesse intercâmbio é a paixão dos Brasil pela Itália e vice-versa. Somos muito parecidos, mas diferentes. Por exemplo, já fiz coprodução entre os dois países e não é fácil, mesmo vivendo essa ponte (risos). O cinema italiano é uma verdadeira escola. Sabia que a Itália é o país com mais Oscar de Filme Internacional? Poder agradar um público no Brasil de 32 milhões de descendentes, mas também as demais pessoas, é muito especial. Temos filmes históricos, baseados em fatos, inspirados na literatura, grande parte com elementos para reflexões em âmbito global.

Sobre o processo de curadoria, quais os critérios do trabalho de seleção dos filmes?
Há a questão do ineditismo, não apenas nas salas de cinema, mas também nos festivais que acontecem por aqui. Além do ineditismo, temos a regra da diversidade. Trazemos grandes produções, filmes de diretores renomados, mas reservamos espaços para novos nomes e também para obras independentes. O recorte desta edição é um panorama real da cinematografia italiana. Além de assuntos importante e variados, importa a diversidade de produção. Temos dois filmes de intérpretes consagrados que estreiam na direção, outros que nem contam com nomes conhecidos, mas que retratam magistralmente as suas histórias. Temos três selecionados que tocam na questão do empoderamento feminino. A riqueza da cinematografia italiana atual vem da diversidade. Para se ter uma ideia, Ainda Temos o Amanhã (2023), filme que abriu recentemente o Festival de Roma e que já ultrapassou um milhão de espectadores na Itália, a estreia da atriz Paola Cortellesi como diretora, está na nossa seleção para circular pelo Brasil todo.

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Ainda Temos O Amanhã

Como se deu a escolha pelas comédias italianas para a mostra retrospectiva deste ano, uma das grandes vedetes do evento, haja vista a tradição cinematográfica da Itália?
Sempre fazemos homenagem a grandes nomes. Escolhemos a comédia italiana para atender a inúmeros pedidos que recebemos nas edições anteriores. A comédia italiana é muito forte. E optamos por esse recorte também porque saímos recentemente de um período pandêmico complicado, então era preciso recorrer aos grandes mestres que nos fizeram rir enquanto comentavam os assuntos de suas épocas de forma satírica, ácida e às vezes até grotesca. A vida é mesmo grotesca de vez em quando. Questões familiares, políticas e sociais estão nesse recorte da comédia italiana. São grandes roteiros que retratam suas respectivas sociedades da forma como eram, repletas de defeitos e qualidades. Com isso conseguimos trazer pérolas incontornáveis do cinema italiano. Espero que o público goste.

Uma coisa que chama a atenção é a continuidade do modelo on-line. Você acha que é incontornável ter essa convivência entre as exibições presenciais e as remotas? Para vocês, o on-line não compete com as salas de cinema, atendendo assim a uma demanda reprimida?
Ao meu ver, a grande magia acontece na sala de cinema. Felizmente, conseguimos extrair algo de positivo até mesmo de momentos dolorosos. Por conta da pandemia da COVID-19, não pudemos ter contato, mas aprendemos que por meio do streaming chegamos no Brasil todo, resultado muito valioso. E isso é gratificante para o meu trabalho como curadora. É tão importante que esses filmes cheguem onde jamais o cinema italiano teve tanto destaque. Para nós é muito importante que os filmes cheguem às pessoas, até por isso a gratuidade total. Há cidades que não têm cinema, então por que não assistir em casa ou mesmo no celular? A palavra que define a nossa intenção é democratização, chegar a lugares sem salas de cinema e atender àquelas pessoas que não frequentam os cinemas. Muitos festivais abandonaram o streaming. Nós não deixamos por conta dessa vontade de atingir diferentes públicos.

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Mimi: O Metalúrgico

Quais são os seus xodós da edição 2023, aqueles filmes que você indicaria, acima de todos os demais, para quem for conferir a programação do Festival de Cinema Italiano 2023?
Essa pergunta é muito difícil (risos). Sou apaixonada pelo Giancarlo Giannini, tive a oportunidade de fazer uma retrospectiva da carreira dele numa outra edição do festival e contar com esse ícone no Brasil, além de tê-lo num filme meu. Então, dentro dos clássicos, vou puxar a brasa para a sardinha dele e indicar Mimi: O Metalúrgico (1972). Já que estou sofrendo essa pressão (risos), vou escolher o filme da Lina Wertmüller. Sobre os inéditos, também dá uma dor de escolher apenas um, mas vou ir pela máxima “a voz do povo é a voz de Deus” e escolher Ainda Temos o Amanhã. Ele tem um monte de coisa que várias pessoas dizem que podem não funcionar: uma atriz no seu primeiro filme como diretora, uma fotografia em preto e branco e falar de uma questão feminina. Então, escolho esse e aplaudo o filme por resgatar aspectos da escola clássica do cinema italiano, mas tudo por uma perspectiva materna.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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