Entre as melhores atrações do Festival do Rio 2013, uma ótima oportunidade de ampliar experiências com algum filme visto é participar de uma sessão com a presença dos realizadores. As conversas com cineastas e produtores após as exibições não duram mais do que 20 minutos, já que as salas devem ser desocupadas para as sessões subsequentes, mas os rápidos encontros sempre rendem informações valiosas. Foi assim com Claire Denis e seu Bastardos (2013) e com Maximiliano Pelosi em Uma Família Gay (2013). Porém, a sessão comentada de Hawaii (2013), com Marco Berger, foi ainda mais especial.
Nascido em Buenos Aires e graduado na Universidade del Cine, o incensado argentino tem no currículo os filmes Plano B (2009) e Ausente (2011), este último vencedor do Prêmio Teddy no Festival de Berlim. Berger compareceu a exibição de seu mais novo filme, o delicado drama Hawaii, na noite de 1º de outubro. Entre uma pergunta e outra feita pelos curiosos espectadores, o simpático cineasta revelou detalhes sobre as motivações para criar seus filmes, a relação com os atores de Hawaii e até confessou detalhes sobre uma proposta para dirigir um curta-metragem pornô – que possivelmente será realizado. Confira a conversa na íntegra abaixo!
Como se iniciou o projeto de Hawaii?
Eu estava muito interessado em realizar um roteiro chamado Borboleta (Mariposa), porém não consegui filmar e entre julho e agosto de 2012 fiquei muito mal por isso. No mesmo período, criei uma página na plataforma kickstarter, um site de crowfunding onde se investe dinheiro para projetos de diferentes segmentos. Convidei meu sócio Pedro Irusta, que também é o músico de todos os meus filmes, e armamos isso entre agosto e outubro. Conseguimos os US$ 25 mil, filmamos em dezembro e já em março acabamos o filme e apresentamos no BAFICI (Festival Internacional de Cinema Independente de Buenos Aires). É uma obra muito pequena que adoro… Ela deveria continuar a ser filmada, mas muitas vezes é difícil conseguir dinheiro, então certos diretores esperam cinco ou seis anos entre seus filmes. Eu não queria esperar mais! Por isso é um filme muito pequeno: apenas duas pessoas, uma locação e é isso.
E como surgem seus projetos, seus filmes?
Algo particular aconteceu com Ausente e novamente com Hawaii. Meus produtores eram muito novos e pequenos ainda em Plano B, mas o filme cresceu rapidamente e em três meses já estava em Roma e em outros lugares do mundo. Então me falaram que eu deveria escrever um filme muito grande na sequência. Aceitei e escrevi o roteiro de Borboleta. Depois de um ano me disseram que não tinham dinheiro e que não poderíamos rodar o filme. Então falei que tinha outra história, sobre a relação de um professor com um garoto, que era uma ideia antiga minha. Eles gostaram, então escrevi Ausente, enquanto que Borboleta seguia atrasado. Quando falei com Irusta, disse que tinha outra ideia: dois garotos e um único lugar.
A casa onde a ação de Hawaii acontece é na realidade de meu pai, aonde nos verões vou para escrever roteiros. Claro que tenho a fantasia de que algum dia apareça um garoto… Mas ele nunca apareceu (risos)! Pensei muito na relação de dar trabalho para um rapaz e como o retorno é complicado. Então tinha essa história que escrevi durante duas semanas… Ele (Pedro) gostou e produzimos!
Certa vez escutei Michel Gondry falando que acredita mais na quantidade do que na qualidade. Eu gostei disso. Claro que é uma provocação, adoro qualidade, mas não vou dar muita importância se você chegar e dizer algo como “Marco, venha fazer um filme no Rio de Janeiro, tenho muito dinheiro…”. Claro que aceitarei. Pedirei duas semanas e vou escrever uma história. Gosto muito disso, de pensar num momento em determinada história. Adoro! Gosto de imaginar muitas coisas, com Hawaii foi isso, uma imaginação de momento.
E a escolha pela trilha sonora no filme, como se deu?
É uma composição formal, composta para o filme. Por vezes é complicado pensar onde deve ter música, e neste filme falei para o Pedro fazer o que quisesse. Algumas vezes ela funciona como pausa, os personagens estão falando e caminhando, ou nadando no rio, e a trilha é necessária para musicalizar o momento. Tem partes em que a música é maior que o filme, mas isso não é tão importante. Acusaram que a música deste filme é grandiloquente para uma obra tão pequena, mas não existe essa regra. Não me importo.
Além da música, o filme possui muitos silêncios. Como é trabalhar isso com os atores, que dizem muito pelos diálogos, mas principalmente pelos gestos e olhares?
A princípio gosto de trabalhar com o olhar das pessoas, então muitas vezes isso é resultado do que faço na pós-produção, como vou armando a história. Com os atores é complicado, porque muitas vezes eles estão acostumados a fazer tudo muito rápido. Então tenho que dizer algo como “Vamos fazer esta cena agora, mas você tem cinco horas para fazer. Ou três dias. Você toma todo o tempo que quiser”. E eles fazem mais rápido e eu volto: “Não, de novo, fica aí apenas olhando, interagindo, viva o momento”. Quem me conhece, quando filma comigo, tem dúvidas de como isso vai ficar… Mas depois me agradecem quando veem o filme. Este trabalho é sobre a observação, tudo está ali, mas não está acontecendo nada. Se os atores tem mais cinema como antecedente, é mais fácil. Mas geralmente os atores que vem da televisão precisam fazer tudo. E não é bem assim, eles precisam parar, esperar, não fazer nada. Apenas sentir e agir, apenas olhar.
Os atores são profissionais?
Sim, os dois. Manuel (Vignau) é o protagonista de Plano B, ele está com cabelos compridos naquele filme. Já Mateo Chiarino é um ator uruguaio em ascensão, muito bom.
Houve alguma cobrança para que o filme tivesse alguma cena mais explícita?
O que aconteceu foi que depois de Plano B e de Ausente, dissemos algo como “Ah, porque não tem gente pelada nos nossos filmes?” (risos). Então surgiu Hawaii. Não tenho nenhum problema em filmar pessoas nuas, cenas de sexo ou alguma outra coisa, mas tenho que pensar se o filme precisa disso. Com Plano B eu senti que não, o filme falava de outra coisa, mas este aqui sim, pois é um trabalho mais erótico, todo o tempo há a sensualidade. Um personagem dá a roupa para o outro, mas quer ver ele nu, se trocando, então são esses momentos. Sobre as cobranças, há gente que me pede… Até existe um festival em São Paulo que se chama PopPorn e eles pediram para eu fazer um curta pornô. E acho que vou fazer. Como Hawaii, mas com um pouco mais!
E se você quer ver sexo, pessoas nuas transando, é só colocar na internet e tem tudo ali. Eu só vou fazer se tiver uma história que precisa disso. Falei para um amigo que quando eu tiver uns 50 ou 60 anos só farei filmes com garotos pelados, sem história nenhuma, apenas garotos pelados nadando durante 90 minutos (risos). Mas é uma brincadeira, claro!
O mérito do filme é a interioridade da sexualidade masculina, assim como a vaidade masculina. Sobre o que mais você quis falar a partir desse filme?
Em primeiro lugar, o tema do filme para mim é o amor. Esta história, contada com um homem e uma mulher, poderia ser uma narrativa transformada em novela da Globo, para senhoras. Como se constrói o amor entre duas pessoas: sempre adoro isso. Existe um filme de Michael Winterbottom, 9 Canções (2004), que tem sexo explícito, mas o mais importante do filme é o amor. Então penso sempre que depende do que estou contando. Aqui, o que importa são 90 minutos de como nasce uma história de amor, como qualquer outra que pode acontecer. Então o que priorizo mesmo é o amor, acima de tudo. E depois, obviamente, gosto das relações entre homens e o cunho erótico, sempre.
Tenho um problema com novelas, com a ficção na televisão. Sou muito esquisito, se não está muito bem feita, me choca, então prefiro ver Big Brother, que é parcialmente uma ficção. Mas é algo pessoal. Vejo muitos filmes, mas raramente compro a ficção televisiva. No cinema vejo tudo, filmes bons e ruins, pois sempre podemos aprender. Por exemplo, isso ocorreu com Os Amantes Passageiros (2013), que todo mundo falava que era ruim e para eu nem assistir, mas insisti. Falaram tão mal que até gostei, acho que muita gente usa este preconceito contra o Almodóvar, que no filme ele não tem preciosismos, cuidados. Mas acho que ele queria mesmo incomodar. As cenas são fortes, é para incomodar os burgueses, que devem assistir e ter que suportar aquilo. Mas prefiro esses possíveis erros de Almodóvar a algo na televisão, que parece morto.
Onde seus filmes podem ser encontrados?
Tem que perguntar para a produtora… Acho que Plano B e Ausente estão na internet, não sei bem onde… Talvez em versões piratas (risos). Isso é muito difícil para mim… Com Ausente, se você vai para Buenos Aires, não o encontra em nenhum DVD, não existe. Mas em Paris, Madrid, Berlim… Está por todos os lados! Deve-se ver com a distribuição interna do país. Por exemplo, para conseguir filmes brasileiros em Buenos Aires, como os de Karim Aïnouz, é impossível encontrar. Em Madrid, está em todo lugar. A distribuição de filmes na América Latina é muito complicada. Em teoria, meus dois primeiros filmes existem, mas não sei se foram lançados em DVD aqui… Talvez na Amazon ou numa cópia pirata, não tenho nenhum problema com isso! Claro que Hawaii ainda não está na internet porque está em festivais, então temos que ter cuidado (risos)!
(Entrevista feita ao vivo com o diretor na capital carioca durante o Festival do Rio 2013)