Categorias: Entrevistas

Fim de Festa :: “Preciso não julgar a personagem para poder vivê-la por completo”, revela Suzy Lopes

Publicado por
Robledo Milani

Suzy Lopes não é nenhuma novata. Por anos trabalhando em curtas-metragens e em produções para o teatro e a televisão, ela parece, no entanto, ter decidido a conquistar o cinema de uns dois anos para cá. Tanto é que, nesse espaço de tempo, já marcou presença em quase uma dezena de projetos diferentes – alguns já exibidos, outros em fase de finalização, e um que está estreando agora na tela grande: Fim de Festa, de Hilton Lacerda. Premiado como Melhor Filme no último Festival do Rio, esse projeto é também um divisor de águas na carreira dela, mais acostumada a participações como coadjuvante – dessa vez, surge como uma das protagonistas! Ou, melhor dizendo, a antagonista, a líder de uma família que, de vítima, passa a ser investigada pelo policial interpretado por Irandhir Santos após um carnaval em Recife, Pernambuco. Pra saber mais sobre esse trabalho, conversamos por telefone com a atriz, que comentou também esse momento pelo qual tem passado profissionalmente. Confira!

 

Fim de Festa, Bacurau (2019), A Febre (2019), Divino Amor (2019)… é Suzy Lopes por todos os lados?
Eu estou achando é pouco, viu? (risos) Com esse governo que temos aí, se esforçando para destruir tudo que temos feito, o que eu quero é mais. Está acontecendo tudo ao mesmo tempo, e estou muito feliz. Todos esses trabalhos são uma colheita do esforço e da dedicação que tenho empregado no meu ofício desde os quinze anos. Estou tendo o privilégio de ver esses projetos sendo vistos e aplaudidos, e é uma sorte muito grande fazer parte de tudo isso. Porém, foi só num outro dia, durante uma entrevista, que me toquei disso. Me pediram pra falar dos últimos filmes que havia feito, comecei a contar… olha, fiquei muito feliz. Afinal, foram projetos que rodaram o mundo, e com os melhores diretores que temos no momento. O estrondo que foi Bacurau, o A Febre é tão representativo, Divino Amor por toda essa evangelização da sociedade… e Fim de Festa, claro, com o Hilton, que é um diretor maravilhoso, e só por estar no set com Irandhir, uau! É só alegria! (que, aliás, é nome de um outro filme que fiz recentemente, o Sol Alegria, 2018, do Tavinho Teixeira).

Fale desta participação em Fim de Festa. Quem é essa mulher?
A Alice é uma fechação. Quando o Hilton me chamou e contou sobre o filme, ele começou a falar sobre os personagens. Enquanto estava narrando, sem dizer para qual deles ele me queria, confesso que me apaixonei pela Alice. Quem era aquela mulher, gente? Pirei nela. Só que ele contou a história inteira, e levou uns quarenta minutos até dizer que pensava em mim para ela. Quando ouvi isso, quase derrubei o café! Eu, como atriz, tenho esse fascínio de interpretar personagens distantes de mim. É um exercício, um desafio. Minha humanidade se expande. Preciso não julgar a personagem para poder vivê-la por completo. Achar esses mecanismos dentro de mim. O processo de criação, que me leva a viver outra pessoa, independente disso aparecer ou não na tela. Fica impresso no subtexto do filme. A Alice é equivocada, divertida, é uma mulher que foi para outro país, mesmo sem falar a língua, pra mudar de vida. É um deboche. A tristeza é que o Brasil tem várias mulheres como ela, existe um monte delas por aí. Quando parei de questionar e comecei a criá-la, me diverti demais. Ela é um pavão, alguém que se sente e se acha muito mais do que é na verdade.

 

Você tem uma personalidade festiva, alegre, contagiante… bem diferente da Alice. Como foi acessar esse lado?
Tem um peso, é claro, e precisamos aprender a deixar a personagem de lado para não afetar quem somos. Não carregar o trabalho para casa, sabe? Vem dessa minha festividade o lugar que achei para trazer a Alice à tona. Para não julgá-la. Minha busca era ir atrás da humanidade dela. Precisava desenvolver, para poder vivê-la. As pessoas podem ser equivocadas, mas não são de todo mal. A maioria, ao menos (risos). É assim que a vejo assim. Não é uma pessoa má, mas representa uma parcela da sociedade que está reproduzindo um discurso muito prejudicial, sem nem mesmo ter noção do que está dizendo e fazendo.

Suzy Lopes em cena de Fim de Festa

A relação familiar dela é muito tensa. Como foi trabalhar esse contexto e sua representatividade no filme?
Tem essa loucura, concordo. Fica muito claro na fala dela, quando diz, ‘eu quero, o melhor para o meu filho’ que é só isso que a preocupa, não tem empatia com mais ninguém. É uma mulher que saiu do Brasil para tentar uma vida na França, casou com um francês, e agora quer se sentir francesa. Faz parte desses brasileiros que saem, vão morar na Europa e se sentem europeus. Só que eles podem ter o green card que for, e nunca vão deixar de ser quem são de verdade. Ela é uma leoa, uma fera, que está sendo atacada por todos os lados. O próprio filho a questiona, ele precisa dela, mas os dois estão sempre brigando. O Breno, o policial vivido por Irandhir Santos, consegue desmontar o Samuel, o filho dela, apenas quando a coloca para fora da sala. E a forma como ela fala da nora, que era uma garota cheia de vontades… é deplorável. Não desejo isso nem para o meu pior inimigo… mas amo (risos)! Fica impressa essa dificuldade dessa mulher, que luta tanto para ser algo que nunca vai ser. Uma coisa que discutimos internamente, que até nem chegou a ser filmado, mas que é importante para compreender melhor esses personagens, é que o Samuel casou para sair de junto da mãe, era uma forma de independência dele. Mas que não deu tão certo assim, né?

 

O elenco de Fim de Festa é um dos destaques do filme, e você aparece ao lado de nomes como Irandhir Santos, Ariclenes Barroso, e até do Jean Thomas Bernardini. Como foi essa troca entre vocês?
Nossa, Jean Thomas participou até dos nossos laboratórios. Ninguém imaginava que ele poderia ser ator, acho que nem ele mesmo (risos). Fiquei impressionada como ele se jogou. Sabe, o cara é diretor da Imovision, uma das maiores distribuidoras de cinema do Brasil, e estava ali, disposto a aprender como todo mundo. A preparação foi feita pela Nash Laila, e ela puxou todo mundo, inclusive ele, que entrou de cabeça. Uma coisa era o Irandhir, o Ariclenes… mas o Jean Thomas? Teve uma filmagem noturna, passamos a noite gravando, e no dia seguinte, quando estávamos indo para o nosso hotel para dormir, ele virou para mim e disse “a partir de agora vou olhar com outros olhos para os atores. É muito difícil esse trabalho de vocês”. E foi assim sempre, todo mundo pegando junto. Com muito diálogo, respeito, uma generosidade muito grande. Sem falar que o Irandhir é uma aula, só de estar ao lado dele e observá-lo a gente já aprende. Ele vive o personagem desde o primeiro momento!

 

Como assim?
Ah, pra tu ter ideia, logo no começo das filmagens, cheguei toda sorridente e fui cumprimentando todo mundo. Sou assim, só sorrisos, tu sabe bem (risos). Só que quando falei com ele, me respondeu de forma taciturna, me deu um “bom dia” bem seco, me olhando por baixo, sabe? Só que não era o Irandhir, já era o Breno! Ele já havia chegado no set como o Breno, o Irandhir nem existia mais. E foi assim o tempo todo! Nossa, foi um choque para mim. Quando você vê algo assim, entra rapidamente no seu personagem, porque não quer ficar para trás! Na hora virei a Alice e não larguei mais!

Irandhir Santos e Suzy Lopes em Fim de Festa

Nestes filmes recentes nos quais você tem se destacado, tem sido com participações fortes, porém pontuais. Fim de Festa representa uma mudança nesse sentido, certo?
Acho que é, sim. Ainda mais por estar em um lugar que a Suzy nunca havia visitado, entende? A Alice beira o vilanismo, é muito tênue o limite pelo qual ela transita. Acho que nunca havia feito uma pessoa tão dissimulada. O cartaz do filme já me assustou, porque basta olhar para ele pra dizer que é ela a assassina! Era uma coisa que me fascinava muito. A possibilidade de mostrar um outro lado que a cinematografia que participei não havia estado ainda. Quem me conhece, vai saber. Ela é um vulcão, o tempo inteiro! No entanto, morro de medo de afirmações como essas, de antes e depois, divisor de águas… vai saber o que o futuro ainda me reserva, né? Mas com certeza é um outro lado da moeda! Como o dracma, que é tanto falado no filme. O Bacurau também teve esse lado, pelo alcance que teve. Antes, quando publicava algo no instagram, colocava sempre a hashtag #atrizdebacurau. Agora mudei, é #atrizdefimdefesta que estou usando (risos). Não sei se é uma divisão de águas, mas é uma boa faceta que estou começando a explorar!

(Entrevista feita em março de 2020)

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.