Clebia Sousa não é uma novata. Nascida na cidade de Limoeiro, no interior de Pernambuco, é filha de uma cabeleireira e de um professor de matemática que trabalhava, também, como policial. O primeiro contato dela com a atuação se deu ainda no colégio, quando, na adolescência, integrou um grupo de teatro. Em 2009, aos 19 anos, se mudou para Recife, e foi estudar Expressão Artística e Artes Performáticas na Universidade Federal (UFPE). Como estudante, acabou participando de dois testes para O Som ao Redor (2012), primeiro longa de ficção de Kleber Mendonça Filho, e foi selecionada para o papel de Luciene. Voltou a trabalhar com o diretor em Bacurau (2019), e nesse meio tempo atuou sob o comando de outros cineastas de prestígio, como Gabriel Mascaro e Madiano Marcheti. Ao longo de uma carreira que está completando uma década em 2022, interpretou sempre coadjuvantes. Mas não mais. Em Fortaleza Hotel (2021) estreia como protagonista, e deixando sua marca: foi premiada como Melhor Atriz no 31º Cine Ceará! Nós conversamos com a artista sobre esse trabalho. Confira!
Olá, Clébia. A Pilar é tua primeira protagonista no cinema. Como foi lidar com essa responsabilidade?
Acho que às vezes tem algo que se impõe com a gente, principalmente com um ator que nunca havia feito um personagem com tanto tempo de câmera quanto a Pilar. Até começar as filmagens, o tamanho do desafio com certeza assusta. Ficamos pensando: “será que vou conseguir?”. Mexe com a gente. Mas estudamos pra isso, né? Estamos o tempo todo nos preparando para enfrentar situações como essa. Cada personagem vai te trazer um obstáculo e te colocar num lugar de perturbação. Mas quando é um tipo com mais tempo em cena, com mais lugares de onde tirar esse material – ou seja, um roteiro que dá mais informações a respeito – acaba sendo menos difícil. Veja só, não digo mais fácil. Porque nunca é. Mas é menos difícil para você ir construindo durante esse processo. Há muito com o que você pode associar e trazer para as suas pesquisas. O diretor está presente, mais a troca com os atores. Tudo colabora para irmos criando camadas e elaborar melhor a história e como a gente se insere nela. Vamos descobrindo esse personagem juntos. O que descobri, como protagonista, é que há mais com o que se trabalhar. Difícil mesmo é quando nossa participação entra e sai do filme sem te dar muita informação. Tem que criar esse antes e o depois sozinho, e de um jeito que faça sentido com a história.
Qual foi o maior desafio dessa personagem?
Inicialmente, o mais complicado foi a dificuldade com a língua estrangeira. Como trazer uma linguagem com a qual tenho pouca naturalidade e torná-la natural, não permitindo que essa estranheza se torne o foco da narrativa. Há muitas emoções envolvidas, e era preciso que a relação entre nós duas ficasse no primeiro plano. Eu não conhecia a atriz coreana, Yeong-ran Lee, e acho que nós duas tivemos um choque forte nesse contato: cultural, de idade. Fomos construindo nossas ligações, sempre respeitando a cultura de uma e de outra. Desde os ensaios até as gravações. E o tempo todo, nossa preocupação maior era oferecer coesão à narrativa. Aí já entra em uma neura de ator, de julgamento, ficar pensando que o diretor tá julgando, “será que estou conseguindo?”, aquelas coisas. É um lugar que a gente acaba se encontrando, quer queria, quer não.
Você é pernambucana, e no Fortaleza Hotel interpreta uma mulher cearense. Se fosse uma gaúcha, ou carioca, talvez não desse certo. Como você lidou com essas diferenças?
Não pensei nisso. É algo que não passou na minha cabeça. Apesar de ter questões em relação aos sotaques, que, de fato, são diferentes, é tudo Nordeste. Somos próximos. Temos muito em comum. E o mais importante é que ela está vivendo algo que poderia ser encontrado em qualquer lugar do Brasil. As pessoas de Porto Alegre, de São Paulo, também vão se identificar. É impossível ir em qualquer lugar desse país, mesmo numa cidadezinha perdida lá no sertão, e não encontrar alguém que veio de outro lugar. Sempre vai ter esse “estrangeiro”, o que é estranho àquele destino. Então, a minha origem nunca foi um problema. Dependendo do personagem, é até uma besteira, ter que ser de lá ou de acolá. Afinal, é só uma figura ficcional, não é o intérprete. O mais importante é acreditar na história e passar isso para quem está assistindo.
Fortaleza Hotel é um filme com muitos interiores, planos fechados, focado num olhar interno dos personagens. Como foi lidar com essas condições?
Não vejo como limitação. O subtexto tem que estar sempre com o ator, ainda mais nas cenas em que não podemos entregar muito através de gestos ou diálogos. Essas camadas precisam estar ali. Mesmo que não fale sobre elas, devem estar no teu pensamento. Essa lógica de criação precisa estar contigo o tempo todo: de onde ela veio, para onde vai. São coisas que podem não estar no roteiro, mas precisamos descobrir juntos. Ou mesmo sozinha. Tem que estar presente, ainda que nas sutilezas. Quero que você, espectador, olhe para essa mulher e se convença de que ela nasceu naquele lugar, que está passando por aquelas situações. Até nessa relação de mãe e filha com uma estrangeira. Pela filha que teve muito jovem, você entende que foi uma mulher que passou por privações. É um lugar que pode prover um subtexto, é sempre mais interessante. Só acredito numa interpretação se vejo isso no ator. Não precisa falar, mas tem que mostrar no olhar. Os momentos de silêncio não podem vir de um olhar de paisagem, precisam estar preenchidos com essas informações.
Entrevista feita ao vivo em Fortaleza em novembro de 2021
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