Depois da ótima recepção no Festival de Berlim, o drama brasileiro Greta (2019) integrou a mostra competitiva do Cine Ceará, onde foi consagrado o grande vencedor da 29ª edição. No projeto dirigido por Armando Praça, Marco Nanini interpreta o enfermeiro e um hospital público, precisando urgentemente liberar um leito para a vizinha e melhor amiga (Denise Weinberg).
Assim, decide soltar em segredo um homem acusado de assassinato (Démick Lopes), e acolhendo-o em sua casa. Aos poucos, os dois homens desenvolvem uma relação de amor, amizade e dependência. Durante o Cine Ceará, nosso editor Marcelo Müller teve a oportunidade de conversar em exclusividade com Marco Nanini sobre o filme, atualmente em cartaz nos cinemas:
Algo que chama a atenção na sua composição de personagem é a força do detalhe: o olhar, o que não é dito. Como foi este trabalho com o Armando?
São cenas longas, grandes, mas a gente discutia os sentimentos do personagem, não tanto a questão da duração. Eu conversava muito com ele sobre como era este homem. Depois, o próprio exercício da filmagem, quando entrou a câmera, começou a definir as coisas pelo enquadramento e pela luz. Neste momento os personagens são mais lapidados. Não foi difícil porque tivemos a sorte de nos entender muito bem, sem vaidades. Todo mundo queria fazer o filme, queria que ele fosse bem realizado, sem pensar em como as pessoas reagiriam. A gente acreditava na história.
A construção do Pedro veio muito do roteiro, ou você trouxe elementos teus, de fora?
Eu sempre sigo o que está no roteiro, mas tenho o meu colorido, é claro. O roteiro me leva a uma primeira criação em função da cena, da marcação de câmera. Se a sua composição for condizente com o roteiro, melhor – aí você não precisa convencer ninguém, você convence fazendo. O roteiro era muito bom, e me senti à vontade para criar a partir dele. A câmera ajuda muito, quando a gente sabe onde a imagem vai estar.
O filme está em cartaz nos cinemas, e se fala muito sobre o tabu da nudez masculina, sobre “a coragem do Nanini em fazer um personagem diferente”… Como percebe isso?
Ele é um personagem de 70 anos, então eu não poderia ter pudor nenhum de interpretá-lo, até por acreditar no roteiro, no diretor e na equipe. Então para mim foi tranquilo. Essa fase foi producente porque eu sempre busco personagens distintos, e este era um lado que eu ainda não tinha exercitado. Talvez possa parecer difícil, mas me pareceu muito natural.
Pedro não é uma vítima: é um personagem multifacetado, com atitudes reprováveis também. Como é a experiência para o ator de interpretar uma figura tão ambígua?
O personagem nunca pode bajular o espectador, tentar seduzi-lo. Se fosse o caso, eu teria me afastado dele imediatamente. Mas eu preciso mergulhar no personagem, para ver se o espectador mergulha na história. A nossa responsabilidade é contar uma história. Ficando atentos a detalhes, nós deixamos possibilidades de o espectador se identificar com a trama. Isso aconteceu durante a exibição no Cine Ceará, quando o público se emocionou muito. Foi lindo.
Como percebe o cenário cultural de hoje, especialmente no contexto do cinema?
Hoje a arte é vista como inimiga pelo governo, enquanto os revólveres se tornaram amigos. Eu considero isso uma contradição horrorosa. Então, estamos sem sorte. Em Fortaleza, é espetacular ver a cidade trabalhada, cuidada, enquanto no Rio de Janeiro, as construções dos Jogos Olímpicos foram deixadas de lado, apodrecendo. Essa é uma ignorância, uma inconsistência. Ver uma cidade como o Rio de Janeiro numa guerra é absurdo, eu nunca vi isso antes. Quem escolheu isso fomos todos nós! Talvez a gente mereça esse castigo, só pode ser!
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