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Guilherme Azevedo e as Histórias de Arcanjo

Publicado por
Rodrigo de Oliveira

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Estreando na direção de documentários com Tim Lopes: Histórias de Arcanjo (2013), Guilherme Azevedo não é estranho a este gênero. Foi diretor de fotografia em produções nacionais como o média-metragem Tiago de Mello: 70 Anos de Amazônia (2013) e a série de documentários para cinema e tevê O Brasil é o Bicho (2008). Na TV Globo, participou de grandes reportagens – com destaque para a extensa (e intensa) viagem de Zeca Camargo, que percorreu 17 países em quatro meses, transformando a experiência em A Fantástica Volta ao Mundo, trabalho veiculado no programa dominical Fantástico. Sua estreia como diretor não poderia ser mais pessoal. Tendo trabalhado com Tim Lopes em matérias de repercussão nacional, nasceu a vontade em Guilherme Azevedo de contar a história do seu colega. Aliando-se ao filho de Lopes, Bruno Quintella, o diretor chega ao seu intento no longa-metragem Histórias de Arcanjo. Em entrevista realizada por telefone, Azevedo conta o início deste trabalho e outros pontos interessantes sobre o documentário – que tem tudo para ser utilizado em faculdades de Jornalismo no Brasil todo.

 

Tim Lopes: Histórias de Arcanjo é visivelmente um documentário bastante pessoal já que Bruno Quintella, filho de Tim Lopes, escreve o roteiro. Você também tem uma história com o Tim, já que trabalhou com o jornalista. Como foi a gênese deste trabalho?
Trabalhei com o Tim durante um bom período na TV Globo. Fazia muita parceria com ele nas matérias de denúncia e com as microcâmeras. E depois da morte dele, fiquei com essa questão: como contar a história de um jornalista que buscava sempre olhar para os mais pobres, os mais oprimidos, as pessoas mais carentes. Em 2004, encontrei o Bruno, que entrava nos corredores da Globo para começar a trabalhar lá. Não nos conhecíamos, começamos uma amizade e propus a ele fazermos esse documentário. Só em 2009 resolvemos amadurecer a história, até por uma questão de luto, por ele estar trabalhando isso na cabeça. Perder o pai com 22 anos foi algo muito complicado para o Bruno. O que decidimos é que tínhamos que fazer um filme contando a história do jornalista Tim Lopes, do pai Arcanjo e do amigo de várias pessoas. E decidimos que a melhor forma de contar o filme era o Bruno sendo o condutor, resgatando estas histórias.

 

Isso é verdade. O Bruno entrando como o cicerone da trama, como o entrevistador, coloca um lado muito pessoal para o documentário que de outra forma não seria alcançada.
Justamente. A gente buscou isso porque todo mundo conhecia o jornalista Tim Lopes, que foi morto na Vila Cruzeiro, no Complexo do Alemão, queimado pelos traficantes. E a gente não queria fazer um filme falando sobre só isso. Queríamos contar a história de quem foi Tim Lopes, quem foi o Arcanjo. Fomos em busca disso.

É interessante ver como vocês contam a história de forma não-linear. O filme começa com a morte do Tim Lopes e, depois, vocês vão desconstruindo a história e construindo a vida do jornalista. Como foi esta tarefa?
Nós tínhamos algumas opções. Quando começamos a filmar, fomos resgatando os amigos, os colegas de trabalho, os familiares, as matérias, fazendo um grande trabalho de pesquisa. E achamos por bem que não deveríamos fazer um filme pesado, falando só da morte de Tim Lopes. E qual era a melhor forma de falar sobre o fato? No início do filme, resgatando o factual, para depois falar da vida do desconhecido Tim Lopes. E quando seguimos esta linha, com o Bruno encontrando os amigos do pai, aí o filme começou a andar. E n[os contamos exatamente isso. Hoje vemos o filme como se déssemos vida ao Tim Lopes.

 

Bacana destacar isso. Porque além de acompanharmos a história do jornalista Tim Lopes e a importância dele como repórter, também foi possível ver o lado menos conhecido, com a viagem do Bruno a Itaqui, cidade gaúcha onde moram os seus parentes. Isso dá uma dimensão bastante familiar ao retratado, certo?
Isso é legal. Legal de saber que o resgate do Sul foi importante. A gente tinha muito material e histórias muito ricas contadas pelo Miro, que é o irmão do Tim. Levamos ele a Itaqui para resgatar isso. E no decorrer das pesquisas, Miro contava muitas histórias da infância na fazenda em Itaqui. O pai deles trabalhou nessa fazenda. E tínhamos que ir a esse lugar e resgatar a infância do Tim. Foi o que valorizou e enriqueceu o documentário.

 

A pesquisa de imagens também é bastante interessante. Tanto o resgate das matérias do Tim Lopes e das câmeras escondidas, como das matérias escritas por ele em vários jornais, dando a dimensão da importância dele como jornalista.
O Tim Lopes tinha uma peculiaridade que era o seguinte: quando ele trabalhou no impresso, sempre fazia as matérias em primeira pessoa. Então ele vivia a matéria. Eu costumo dizer que o Tim era um camaleão, um artista e um jornalista. Ele mesclava estes três pontos para fazer uma boa reportagem. A preocupação dele era viver a notícia, viver o fato, saber o porquê daquela pessoa que ele encontrava estava onde estava. Ele se transformava para poder resgatar o fato e a informação para levar a boa notícia para os espectadores.

As histórias dele se vestindo de mendigo, se fingindo de alcoólatra são ótimas. Dependendo da matéria ele se adaptava. As reportagens que o documentário traz são boas por mostrar como ele se metamorfoseava em algo diferente para buscar a notícia, não?
Você tocou nessa reportagem da clínica clandestina. Eu participei da matéria e ficamos quinze dias fazendo uma série para o Jornal Nacional. Ele recebeu uma denúncia sobre uma clínica. Eu internava o Tim, ele passava um ou dois dias por lá enquanto eu monitorava. Eu dizia que era o sobrinho dele, preocupado com o tio e queria interná-lo para ver se ele se cuidava. Ele fingia ser viciado em álcool ou drogas. E depois ele saía e contava o que aconteceu na clínica. Ele viveu horrores lá. Presenciou fatos e histórias. Dormiu ao lado de bandidos e traficantes que ficavam escondidos nestas clínicas. Melhores esconderijos para eles eram exatamente as clínicas clandestinas.

 

E você que conheceu Tim Lopes, o que você imagina que ele diria para você depois de ter visto o documentário. Ele ficaria satisfeito com esse retrato ou não iria gostar de aparecer muito. Dá para imaginar isso?
O Bruno costuma dizer que o Tim falaria: “Meu irmão, não é isso tudo não. Menos, muito menos!” Ele não gostava. Ele era o jornalista que queria ficar atrás das câmeras, não queria aparecer. Ele diria: “Não é isso tudo não, irmãozinho”. É o que o Bruno fala e a gente ri muito quando conversa sobre isso.

(Entrevista feita por telefone direto do Rio de Janeiro no dia 03 de junho de 2014)

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.

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