Esbanjando simpatia e empolgação pela proximidade do lançamento comercial de Henfil (2018), seu mais recente longa-metragem, a cineasta Angela Zoé nos atendeu para este breve Papo de Cinema por telefone. Profissional experiente, sócia da Documenta Filmes e diretora do premiado Meu Nome é Jacque (2016), ela chega agora ao circuito das salas de cinema – e em 2019 à TV fechada – com esse documentário sobre uma figura essencial para entendermos a efervescência cultural durante o obscurantismo e a truculência da ditadura civil-militar brasileira. Todavia, Angela avisa que seu viés não é ideológico, que não foi necessariamente instigada pelo posicionamento político do cartunista, mas por sua forma de se comunicar com o mundo. Aliás, ela própria diz que fez o filme para conhecer o cinebiografado. Confira, então, a nossa entrevista exclusiva com Angela Zoé, a diretora de Henfil.
O que lhe impeliu a fazer um documentário sobre Henfil?
Fui produtora executiva do Betinho: A Esperança Equilibrista (2016), documentário sobre o irmão do Henfil. Portanto, estava bem envolvida com a família. Aí, surgiu a ideia de fazer um documentário do Henfil. Fomos atrás de efemérides, mas decidi que com ou sem elas produziríamos. Eu não tinha qualquer relação prévia com o personagem. Chego a falar que é esse é um longa quase autobiográfico (risos). Obviamente conhecia o Henfil, e, como disse, depois de aprofundada a relação com a sua família, isso se intensificou. Quando comecei as pesquisas, me dei conta de que a garotada não sabia quem era ele. Fiquei angustiada com isso. Aí que veio a ideia do filme ser construído em torno de um encontro de gerações.
Então, daí que veio a ideia do dispositivo da releitura dos jovens da obra do Henfil?
Com certeza. Inclusive, temos um conteúdo exclusivo de realidade virtual por conta disso. Em certas sessões, as pessoas chegam antes e propiciamos uma imersão no filme. Colocamos o espectador “dentro” dos quadrinhos. Percebemos nas pré-estreias – elas estão ótimas, aliás – que os pais vão ver o documentário e acabam descobrindo a tecnologia, enquanto os jovens se interessam pela tecnologia e acabam fisgados pelo personagem. É o nosso gol de placa. É um filme meio Henfil, mesmo. Foi o meu desejo de descobrir o Henfil que gerou o dispositivo. A ideia era também fazer uma coisa um tanto Pasquim, com aquelas luminárias e os amigos à mesa. Se não fosse assim, perdemos o fio da história. Senão, ele entraria aos anais apenas como um cara de esquerda. Era genial, lutou contra tudo e todos. Encarou a hemofilia e o fato de não falar inglês, indo aos EUA para destruir o sistema por dentro (risos).
Nossa seara documental tem lançado luz sobre figuras, de um passado não tão remoto, que resistiram ao autoritarismo. Acha que isso é uma tendência natural à atualidade?
No meu caso não foi esse o motivo. Sou cinebiógrafa. Minha carreira prévia atesta isso. Estou para lançar um curta sobre o Ary Barroso e já trabalho num longa a respeito da Alcione. Então, no meu caso não ideológico. Poderia fazer um discurso, mas não vou, pois não seria verdade. Não fui motivada por um viés político-ideológico, parti necessariamente da sensibilidade e da empatia. No caso do Henfil, foi simplesmente por conta da família. Por isso o filme deu tão certo. Tinha a curiosidade de saber quem ele era, de fato. Aquilo com os jovens era quase um reality show, eles realmente não previam o que iria acontecer. Apenas tinham ciência de que o documentário aconteceria durante um workshop. Acredito que meu maior mérito foi não influenciar demasiadamente. Não teve qualquer direção. As câmeras, mesmo, eram dos alunos. Tanto que a fotografia do filme não tem algo de especial, deixa até a desejar. O som e a animação foram igualmente feitos pelos alunos. Só montei uma boa equipe.
Como você recebeu o reconhecimento no Cine PE 2018, evento do qual o filme saiu como o grande vencedor?
Sai carregada (risos). Tem uma foto minha impagável com os troféus “escorrendo” pelos braços. Só não ganhei melhor claquete. (risos). Já recebi muitos prêmios, mas nunca tantos no mesmo evento. O filme foi super bem recebido. Senti em torno dele um movimento bem bom. Não acreditava. Achei que teria chances de ganhar, quando muito, o júri popular. Sequer sabia quem integrava o júri oficial. De toda minha carreira, talvez tenha sido o momento mais emocionante. Eu subia e descia do palco (risos). Depois, fiquei sabendo que quase ganhei o prêmio da crítica, mas acho que me falaram isso de sacanagem (risos). Aliás, julgar ficções e documentário juntos não deveria acontecer. O dinheiro não é igual, os propósitos são bem diferentes. Não tenho vontade de fazer ficção, acho improvável que isso aconteça. Quero ser reconhecida como cinebiógrafa.
Depois de pesquisar tanto sobre o Henfil, que tipo de coisas você acredita que ele estaria fazendo atualmente, sobretudo levando em consideração as discussões e políticas de agora?
Acredito que ele estaria viralizando por aí. Era um gênio inquieto, estaria no Facebook, usando 3G, escrevendo num blog, em todas as mídias digitais. Possivelmente realizaria o sonho de levar os Fradinhos ao cinema. Jamais perderia o propósito, a sutileza, o humor que não era de meme…não sei se ele estaria fazendo meme, porque seu humor está além disso, é tão mais profundo. É o do nosso desafogo. O Henfil foi o alívio de um período tão custoso para nós. Ele dava o recado, era intocável por causa da hemofilia. Foi uma espécie de anjo. Fazendo filme, lendo, conversando com as pessoas, tive essa impressão. Ele estaria com 74 anos. Provavelmente seria engajado, envolvido, crítico, sem sombra de dúvidas, mas nunca perderia a delícia da Graúna. Mas, claro, criaria novos personagens. Henfil foi um dos fundadores do PT. Pessoas próximas me falaram que ele provavelmente estaria muito triste com os rumos da política atual. Mas, perder o humor, jamais. Era muito positivo, urgente. Henfil não fazia rascunho.
(Entrevista concedida por telefone, no Rio de Janeiro, em dezembro de 2018)