Programado para estrear no Brasil em 25 de dezembro, o argentino O Crítico foi exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo 2013 e, de cara, me conquistou. Drama que brinca com o gênero comédia romântica, o roteiro explora as desventuras de um crítico de cinema que odeia o gênero, mas ao se apaixonar por uma mulher misteriosa acaba vivendo coisas que ele odiava neste tipo de filme. Na época, conversei com o roteirista e diretor Hernán Guerschuny, cineasta estreante em um longa, e voltei a falar com ele no Festival de Gramado 2014, onde, finalmente, foi premiado com Melhor Filme, segundo o Júri da Crítica. Falamos do trabalho dele e também dos sucessos do astro Ricardo Darín. Veja como foi o nosso papo!
Seu filme participou de três competições no Brasil (teve também o Festival de Cinema Latino-Americano), já concorreu em mais de 20 festivais mundo afora e nada de premiações…
As comédias não ganham prêmios.
Você acha que existe mesmo um preconceito?
Sim. Pensava que não ia acontecer, mas aconteceu com a gente. Conhecemos o meio, o curadores de festivais escalam o filme, mas na hora de premiar, se você não apresenta um título com temas importantes, sem mostrar a pobreza da América Latina, então tem menos chances.
Parece uma relação meio de amor e ódio então…
A comédia romântica é um gênero considerado menor, mas por alguma razão nos dá muito prazer. É um prazer culpável. Hitchcock dizia que é melhor partir do clichê e depois fazer algo complexo. Se vai filmar em Paris, mostra a Torre Eiffel e a partir daí vá fazer um drama completo. A comédia romântica tem isso, parte de todos os clichês, de lugares comuns, e por isso mesmo é um gênero mais interessante para ir adicionando camadas. Pode ser um drama humano, existencial, se parte da ideia básica, um homem vai conhecer uma mulher e a partir daí tem muito para adicionar.
Engraçado é que não vejo seu filme como uma comédia romântica e sim dramática. Estou errado?
Não. Coincide totalmente com o que penso. Em termos de gênero, é uma tragédia, uma aventura negativa. Pode ser visto como uma tragicomédia, pois tem um personagem que irá passar por coisas extraordinárias e que aprende algo com elas. Ele sofre. Diferente de uma comédia que se define por outras questões, se aprende mas pelo lado da graça.
O Crítico impactou positivamente a crítica. Você teve medo por falar deles, daqueles que, muita vezes, enxergam coisas onde não existem?
Sim. O verdadeiro desafio era que, mesmo falando deles, que podiam se ofender, o filme propõe as contradições do ofício. Essa ideia maravilhosa de ter a vida “embebida” em filmes e se relacionar com eles. É um luxo, é maravilhoso porque as pessoas comuns, em geral, estão mais preocupadas com os impostos etc. O filme faz uso de muita metalinguagem, é bem cínico, critica a si mesmo. Não é que não possam criticar ele, mas me parece que precisavam pensar bem, ir mais devagar.
E como foi a reação da crítica argentina?
Foi incrível. Respeito eles e esperava ver coisas do tipo “esse filme não me toca“, mas muitos críticos que respeito muito iniciaram seus textos refletindo sobre sua profissão. Isso me deu muita satisfação. Porque meu filme tem a intenção de parecer pequena, mas se você pensar, fala de muitos temas, da relação que temos com a arte, das relações afetivas dos intelectuais. Então li muita coisa que se completavam com ao longa.
As referências cinematográficas são muitas e tem uma hora que rola um clipe de comédias românticas. Quais as preferidas?
Sou fanático por Feitiço do Tempo (1993), que gosto muito, e também Green Card: Passaporte para o Amor (1990), com Gerard Depardieu. Eu só queria colocar comédias românticas boas, como Um Lugar Chamado Notting Hill (1999), que é muito boa.
Tem razão. Eu gosto muito desse filme, já vi várias vezes, continuo rindo e me emocionando…
O nosso cartaz é uma homenagem ao filme. Em Notting Hill você tem Hugh Grant caminhando pela rua e olhando o cartaz com o personagem de Julia Roberts. Nosso cartaz é muito parecido.
Mas então essas são suas preferidas?
Em primeiro, Feitiço do Tempo, depois Um Lugar Chamado Notting Hill e também Harry & Sally: Feitos um Para o Outro (1989). Mas há outras comédias românticas muito boas em Woody Allen. Manhattan (1979) e Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977) são ótimas.
Você diria que ele é sua maior influência, por ter esse coisa dos diálogos, o humor presente?
Eu diria que é uma mistura de Allen, Truffaut e um pouco de Charlie Kaufman, o roteirista de filmes de Spike Jonze e do Michel Gondry. Essa coisa de entender que a realidade é uma ficção.
Essas influências já estavam na sua cabeça na época de fazer O Crítico?
Não. Eu vi muitos filmes. Quando comecei a escrever, partiu de algo muito íntimo. Meu personagem não nasceu de nenhum cálculo e o filme parte de emoções que realmente afetem você, de personagens que entusiasmem. Depois, mais tarde, você pode fazer mais um trabalho de relojoaria, pensando em como um outro faria nessa parte do roteiro. Aí sim, se faz uso das influências, mas não se parte daí.
Achei curiosa a cena que reúne o momento de um outro filme e que tem o mesmo ator, que é o Rafael Spregelburd em O Homem do Lado (2009)…
Isso foi uma grande coincidência. Meu roteiro foi feito muito antes do filme (de Mariano Cohn e Gastón Duprat). Eu escrevi, inclusive, sem a menor ideia de que Rafael seria meu protagonista. Eu pensava até em outro ator.
Outros comentaram sobre isso com você?
Muitos. E dando isso como óbvio. O que acontece com o cinema, com a arte, é que são discursos sobre discursos, falamos de coisas que vimos. Essa ruptura da parede (na cena), o apartamento é como um personagem da história, ele está se acabando, você escuta a obra, tem uma mancha de umidade que vai aparecendo e crescendo…
Sim. Era um lugar muito escuro e o envolvimento com a namorada, vivida por Dolores Fonzi, vai fazendo a vida dele ganhar mais cor, mais luz…
Isso mesmo. Foi uma grande ideia da diretora de arte e de fotografia. Nós pensamos e trabalhamos muito para fazer que isso existisse, sem que se tornasse evidente e funcionasse de maneira subliminar.
Alguma cena em especial está entre as suas preferidas?
Gosto muito da maneira como os personagens se conhecem e, como roteirista, gosto muito da fala final, porque define de alguma maneira toda a trajetória do personagem. Esse momento funciona, porque tem ali o espectador capturado.
Ele é muito especial. Seu final é surpreendente e não vi ninguém comentando sobre isso…
É aquela coisa do gênero que já falamos, não é uma comédia romântica, é uma tragicomédia. É um caminho no qual o personagem aprende algo nesta história, perdendo o mais importante. É o custo de se perder o que perseguia. É uma aprendizagem para uma futura história.
Em nosso último papo, falamos de Recreo. Como está este seu novo filme?
Muito bem. Vamos filmar agora no verão. Estou muito entusiasmado, será bem diferente, divertido, vai envolver muito trabalho com os atores, que ficarão numa casa, com filhos…
Será um drama…
Mas com muito humor.
E não terá Ricardo Darín novamente? (risos)
Não, não (risos). Será com atores numa geração abaixo, mas muito conhecidos na Argentina, não sei aqui. Daniel Hendler, Juan Minujin (2 mais 2, 2012), Esteban Lamothe (O Estudante, 2011), Julieta Zylberberg (Relatos Selvagens, 2014), Jazmín Stuart (Fase 7, 2011). São atores muito conhecidos, com indicações, prêmios e trabalhos bem interessantes.
Eu brinquei com o nome dele porque já tínhamos falado sobre isso antes. Você confirma essa “dificuldade” de se fazer algo sem ele, de ter essa chancela dos filmes com Darín?
Sim. E diria mais, são os filme com ele e ainda Adrián Suar (Um Namorado para Minha Esposa, 2008) e Guillermo Francella (O Mistério da Felicidade, 2014). São três atores que ajudam nas “entradas” e tem também aqueles filmes claramente feitos para o mercado “festivaleiro” (para festivais). É difícil para aqueles que estão no meio, com um projeto original, sem que tenha que recorrer para esses “mercados”.
Mas você chegou a conversar com ele?
Sim. Eu conheço ele.
O personagem cairia bem…
Concordo, mas no meu primeiro filme não queria filmar com ele. Quer dizer (risos), ele menos ainda. E seria um filme do Darín. Sem ele, eu poderia controlar mais. Muitas críticas disseram que depois de O Crítico, Rafael poderia ocupar um lugar que só poderia Darín. Sempre estão procurando por outros atores.
Um substituto…
Não. Alguém mais. E o mais curioso é que uma novela (Guapas, 2014) muito importante da Argentina, atualmente, traz Rafael, fazendo um crítico culinário. Quer dizer, pegaram carona no meu filme sem pagar nada.
(Entrevista feita ao vivo em Gramado em agosto de 2014)