Talento em ascensão em Hollywood, Monica Raymund não é nenhuma novata. Muito pelo contrário, tem longa carreira na televisão norte-americana, além de já ter se aventurado por trás das câmeras, como diretora e produtora. E se no cinema sua presença tem sido mais discreta – talvez seu filme de maior destaque até o momento seja A Negociação (2012), com Richard Gere – na telinha pode ser vista com mais frequência, tendo participado de programas como Engana-me se Puder (2009-2011), The Good Wife (2011-2012) e, principalmente, Chicago Fire: Heróis Contra o Fogo (2012-2019). Por este último, viu sua personagem, a paramédica Gabriela Dawson, se tornar uma das favoritas dos fãs do show, até sair no final da sexta temporada. Os órfãos da atriz, no entanto, não devem se preocupar. Afinal, ela está de volta como a protagonista de Hightown, uma produção de Jerry Bruckheimer (saga Piratas do Caribe) na qual aparece como Jackie Quiñones, uma oficial da guarda-costeira que, assim como a própria intérprete, é assumidamente bissexual. Para saber um pouco mais sobre esse novo trabalho, o Papo de Cinema foi convidado a participar de uma ‘mesa redonda virtual’ com a artista, ao lado de jornalistas de outros países, como Inglaterra, Itália, Espanha e Alemanha. Confira como foi nosso bate-papo:
Logo no primeiro episódio, Jackie encontra um corpo na praia. Isso me lembrou de Twin Peaks (1990-2017), uma série que se tornou um fenômeno cult. Hightown busca esse mesmo tipo de público, ou vocês estão atrás de um outro tipo de audiência?
Hum, interessante essa pergunta. Sim, faz sentido a relação com Twin Peaks, que foi um verdadeiro fenômeno e tem seus fãs até hoje. Eu mesma adorava o programa. Mas acho que Hightown busca outro caminho. Claro, tendo como base apenas o primeiro episódio, fica um pouco complicado ter a noção do todo. Mas estamos abertos a todo tipo de audiência. Afinal, temos uma história que é muito forte, ela fala por si. Temos um ótimo roteiro, e essa sempre foi a nossa preocupação número um. Esse é o tipo de programa que eu gosto de assistir quando estou em casa. Amei ter feito parte de algo tão provocador.
Esse crime mostrado no episódio de estreia será o grande caso dessa primeira temporada?
Essa cena em questão que você menciona, do corpo que é encontrado na praia, nos permitiu ter um começo poderoso, que desperta as atenções e provoca dúvidas nos espectadores, que ficam se perguntando o que teria acontecido. Ou seja, é, também, uma trama de mistério, é preciso encontrar o culpado. Mas a série fala mais do que apenas disso. É como um trem que está saindo dos trilhos, algo que se percebe desde o começo. Você precisa estar muito atento, ligado nos acontecimentos, se manter ereto e achar um destino a ser perseguido, ou então o melhor é desistir e cair fora. Quando temos uma protagonista passando por esse tipo de questionamento, acredito que seja algo que possui um apelo muito grande. E tenho certeza de que não há muitos como Hightown por aí. Estou muito empolgada com tudo que esse trabalho me proporcionou.
Ao me informar na internet para saber mais a respeito de Hightown, percebi uma forte expectativa do público em relação ao seu retorno à telinha. Sua personagem anterior, Gabriela Dawson, foi muito popular. Você costuma acompanhar esse retorno nas redes sociais?
Não muito, preciso ser sincera. Mas é claro que estou a par disso, sei dos fãs e de suas demandas, suas expectativas. É tudo muito legal, a possibilidade de ter essa identificação com uma audiência que é ativa, participa e questiona. Mas confesso, não me envolvo muito. Pessoalmente, só uso o instagram, para você ter ideia. Não me envolvo nas outras plataformas. Só observo, mas não incentivo, não costumo me promover. É algo pessoal, talvez até devesse ser mais participativa, mas acabo ficando na minha, observando de longe. Agora, na vida real, adoro ter esse retorno. Quando alguém chega até mim com um sorriso, um elogio, uma palavra de carinho, é muito importante. A Gaby Dawson foi uma personagem muito legal, que me deu muito prazer ter feito. No entanto, ter a oportunidade de me envolver com algo tão diferente como Hightown foi incrível, um privilégio que nunca esquecerei.
Sexo, drogas e assassinatos. O primeiro episódio de Hightown aposta nas transgressões. Mas Jackie é também uma oficial da lei, e seu comportamento é, no mínimo, controverso. Como você encarou essa dualidade da personagem?
Hightown teve um forte apelo comigo, desde a primeira leitura do roteiro, justamente por toda essa combinação. Foi pelo tema que decidi fazer parte, mais do que qualquer outra coisa. O show lida com assuntos complexos. Queria participar de algo pesado, denso de verdade. A Jackie tem muitas camadas, ela traz consigo uma dor real, mas também tem muita vontade de viver. Esse é o tipo de personagem que me atrai. Pois ele reflete como as pessoas são de verdade. A Jackie é uma pessoa do mundo, está solta, vivendo ao máximo tudo que está ao seu alcance. Você pode vê-la lutando contra seus vícios, drogas, festas, álcool… é um estilo de vida viciante. Mas, ao mesmo tempo, é muito atraente. Esse embate foi determinante na minha construção da personagem.
A protagonista de Hightown é uma mulher livre, independente e LGBT. O quão importante foi a questão da orientação sexual na construção dessa personagem?
Foi com muito orgulho que aceitei esse convite. Afinal, por ser também uma mulher queer, e poder interpretar uma mulher queer na ficção, não é uma oportunidade que aparece a todo momento. É um avanço para minha geração, e também para toda a comunidade queer. Poder se ver em uma obra mais inclusiva, e ser um desses atores dispostos a representar todas essas facetas, nossa, isso me deixou muito motivada a participar desse desafio.
Ao mesmo tempo que se trata de uma série policial, o drama vivido pela protagonista parece ser crucial para o desenrolar da história. Esses dois âmbitos narrativos seguirão por toda essa primeira temporada?
A Jackie precisa tomar uma decisão. O trabalho tenta colocá-la nos trilhos, mas ela o usa a seu favor. Quando encontra esse corpo, também lhe abre a possibilidade de encontrar um sentido nisso tudo, e como as coisas estão funcionando para ela. Esses lugares e esse estilo de vida que tem levado e as consequências desse estilo de vida. Não é uma linha reta. É uma jornada de altos e baixos, e nós sabemos disso, pois temos consciência de como é a recuperação de uma pessoa com vícios. Estamos somente no começo, no início da primeira temporada. Há muitas camadas a serem abordadas ainda. No final, ainda estaremos no começo dessa história, por isso torço por uma segunda temporada. Jackie pode achar que está no seu pior estado, mas também se vê em busca de um sentido em sua vida.
Uma série policial, com uma mulher como protagonista, também não é tão comum. Esse foi um fato extra no seu envolvimento?
Acho que as pessoas estão prestando mais atenção a essas protagonistas problemáticas, porque até então esse tipo de personagem só era interpretado por homens. E não precisa ser assim, há um espaço a ser preenchido. As pessoas estão interessadas em descobrir que tipo de mulheres habitam esses espaços. Isso é muito excitante. Fico fascinada com as possibilidades que se abrem. Acho que o mesmo deve se passar com os espectadores, que também querem descobrir essas novas perspectivas.
Como foi o processo de construção da Jackie? Você chegou a fazer algum tipo de pesquisa?
Sim, fiz muita pesquisa. Infelizmente, muitos de nós já tivemos contato com pessoas que enfrentam problema de abuso de drogas e álcool. Então, foi importante ouvir, conversar com familiares e amigos, e saber o que tinham a me dizer. Foi uma jornada muito pessoal. Por outro lado, sou uma mulher queer, e latina. Ou seja, represento duas minorias de imediato. No mundo da Jackie, é importante termos uma protagonista como eu, com a minha identidade. A orientação sexual dela é uma questão forte. Mas a história não é sobre isso. É sobre essa personagem assumir suas falhas, superar esses obstáculos e buscar redenção. É uma visão poderosa, ainda mais para uma mulher que tem a mesma aparência que eu, mas não está discutindo sua cor da pele, e nem com quem ela vai para a cama. Isso não existia até pouco tempo atrás. Foi muito liberador.
Você já está mais acostumada ao papel de policial agora?
Como trabalhar como policial? A Jackie só queria ter um distintivo. Pra poder bancar a poderosa. Era algo muito legal. Sabe, ser a maioral – ainda que, de fato, ela não seja tão dona do pedaço assim. Afinal, ela não tem muita noção das suas responsabilidades. Mas era algo que poderia fazer. Ao mesmo tempo, lhe daria acesso às festas. Esse é o lado legal da coisa toda. Se fosse possível ficar só nele, com certeza ficaria bem confortável. Mas a questão é mais profunda, certo? Então, por mais que eu tenha passado por essa experiência na ficção, sei bem o quão complexo é todo esse debate.
Hightown pode ser um marco para a audiência LGBT+?
Bom, quem vai dizer isso são os espectadores. Não tem como a gente saber agora. Mas posso adiantar que foi muito divertido ter participado desse projeto. Nunca havia estado em Provincetown, onde filmamos, por exemplo. É um lugar muito aberto para a comunidade LGBT. Para mim, enquanto atriz queer, foi incrível ser recebida por lá. E estar nos cenários reais onde a história se passa, ajudou muito a nossa imaginação. Diferente de filmar em Long Island, ou qualquer outro lugar. As pessoas nos receberam de braços abertos. Estar em um show que abraça uma protagonista LGBT me deu muito orgulho, ainda mais em um lugar que tem esse tipo de preocupação. No fim das contas, espero que todos se divirtam, pois é o que importa, não? Mas também quero que se conectem, e possam refletir a respeito sobre esses temas que estamos abordando.
Entrevista feita por telefone em abril de 2020. Hightown estreia no Brasil em 17 de maio na STARZPLAY
Nós já assistimos ao primeiro episódio de Hightown. Confira a nossa crítica aqui!
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