O gaúcho Ricardo Ghiorzi é o organizador do projeto Histórias Estranhas (2019), antologia composta de oito curtas-metragens de horror dirigido por cineastas diferentes – um deles o próprio Ricardo –, que, depois de ser exibida num formato diferente em festivais do gênero, chega ao circuito comercial brasileiro por meio do Projeta às 7, iniciativa da Elo Company que visa conferir visibilidade a filmes brasileiros. Ricardo, além de diretor, é um exímio especialista em maquiagem, com um impressionante trabalho em diversas produções que contaram com as suas falsas lacerações, monstruosidades, ferimentos e toda sorte de efeitos criados de forma artesanal e minuciosa. Conversamos com Ricardo por telefone para saber um pouco mais acerca da gênese e do desenvolvimento de Histórias Estranhas. Esse bate-papo descontraído você confere agora com exclusividade no Papo de Cinema.
O filme é uma coletânea de curtas. Qual o critério para reuni-los num longa?
Na verdade, essa ideia de fazer uma antologia é antiga. Queria produzir uma coletânea de filmes de lobisomem. Mas, como também faço efeito especial de maquiagem, pensei que iria sobrar tudo para mim (risos). Mudei rapidamente de ideia. Depois de ver O ABC da Morte (2012), em que as mortes tinham a ver as letras do alfabeto, pensei numa versão com numerais ao invés de letras. Parti obviamente do 13, por ser cabalístico. O resultado, 13 Histórias Estranhas (2015), é independente e fez um circuito de festivais bacana, mas tivemos muitos problemas de direitos autorais, aliás não resolvidos até agora. No momento ele está em stand-by, de molho. Como o resultado foi bom e os diretores também gostaram bastante, até pela oportunidade de figurar num longa, decidimos partir ao dois.
E esse é o Histórias Estranhas?
Juntei os 13 diretores, mas não conseguimos fechar todas as histórias. No Fantaspoa (festival de cinema fantástico de Porto Alegre) foi exibido o conjunto faltando um episódio. Adiante, tivemos problemas técnicos em alguns curtas, coisas que afetavam bastante o longa. Levamos a especialistas para verificar se isso pesaria, inclusive, à comercialização do filme. Fomos obrigados, com dor no coração, a cortar algumas tramas e aí sobraram oito. Aquilo de ter 13 curtas, cada um simbolizando um numeral, foi abandonado por conta disso. Apesar dos contratemos, o resultado ficou bacana, harmônico e dinâmico. E já estou articulando, possivelmente para 2020, o Histórias Estranhas 2, em torno das temáticas “demônios” e “possessões”. Estou dizendo isso em primeira mão para vocês.
A Taísa é a única representante feminina entre os diretores. No entanto, atualmente, temos em cartaz dois filmes de horror dirigidos por mulheres (A Sombra do Pai, da Gabriela Amaral Almeida, e Mormaço, da Marina Meliande). O que te parece esse movimento crescente das mulheres no horror?
Uma das histórias descartadas, infelizmente, foi a de uma diretora. Por questões burocráticas, esse fragmento acabou não podendo ser mantido. No nosso caso, especificamente, sei que deveria ter mais diretoras atreladas ao projeto. Acho esse movimento de mulheres no horror mais do que bem-vindo, aliás, demorou a “cair a ficha”. Tenho projetos com a Gabriela, também com o Marco Dutra. Ambos vêm fazendo filmes espetaculares com qualidade de cinema invejável. Voltando às cineastas, é a vez delas darem as cartas. A Gabriela é uma espetacular diretora e uma roteirista de primeira mão. Só vai vir coisa boa dessas meninas, inclusive de algumas que a gente nem conhece ainda. Certamente vão surgiu outras com força total. Sou adepto dessa onda. Quero mais.
Vamos falar do seu segmento, o Sete Minutos para a Meia-Noite. Como surgiu essa trama com direito a “participação” do filho do demônio e muito sangue?
Sou fã do Roman Polanski. Para mim, ele é um dos mais importante diretores vivos. Meu segmento era para ser uma grande homenagem a O Bebê de Rosemary (1968). Vejo e revejo esse filme, sempre descobrindo coisas novas. Bolei a minha história num ambiente sinistro, sufocante, escuro, abafado e sujo. A mulher iria entoar uma canção de ninar, outra homenagem ao Polanski, mas com as diárias apertadas tive de abrir mão disso. Mas o essencial está todo ali. O casal protagoniza uma “DR” sobre esse contrato com o demônio (risos). Ele pensa em desistir e ela já está defendendo a cria do capeta.
Os filmes foram rodados por profissionais predominantemente do sul do país. A que atribui essa profusão de criadores interessados em horror nessa região do país?
Já me fizeram essa pergunta e é complicado responder. Parece algo meio louco, mas não consigo pensar em outra coisa. Acredito que tem a ver com o clima. Estamos no Brasil, um país tropical, mas aqui no sul é frio. Talvez isso influencie tais ideias, pelo fato de ser menos ensolarado do que em boa parte do país. Não sei se tem uma lógica psicológica atrelada a isso. Porto Alegre, por exemplo, está se tornando um núcleo de cinema fantástico e tento colaborar da melhor forma possível, até porque é o meu “quintal”. Há, também, vários críticos entendidos em horror por aqui. E isso tudo vai fomentando esse cenário.
O XV Fantaspoa está acontecendo em Porto Alegre. Nesse tipo de evento a gente percebe o amor que os fãs tem pelo horror. Por que o gênero ainda é tão marginalizado?
Cara, boa pergunta. Ele é marginalizado no sentido da verba. Por experiência própria, a fim de conseguir financiamento, quando vou vender a ideia a um empresário, evito as palavras “terror” e “horror”. Dou uma curva, chamo até de ficção científica, pois há preconceito, muitos não querem linkar produtos e marcas a filmes de horror. Isso dificulta. A primeira barreira, então, é essa. Quem iria dar dinheiro para a viabilização já fica com um pé atrás e a produção acaba tropeçando. Quanto ao público, infelizmente, ele ainda está com o olhar voltado demasiadamente às produções de Hollywood. Quando o assunto é horror brasileiro, acham que é mal feito, que a produção é capenga, mambembe, que tudo é filme trash. É preconceito puro. O horror é um gênero como outro qualquer.
O que te parece essa designação relativamente atual de pós-horror?
Isso tem a ver com a pergunta anterior. É quase aquela estratégia que uso para vender um filme, a necessidade de esconder as palavras “horror” e “terror”. Estão tentando mudar algo imutável. O pós-horror é um rótulo de algo já existente. Com certeza há um viés econômico nisso, o estratagema comercial de camuflar o que está no mercado. Acredito que isso de pós-horror é uma bobagem. Pelo jeito, ainda bem, esse termo até já ficou em banho-maria. É simplesmente uma tentativa do pessoal que lida com isso de rebatizar um gênero que não precisa ser rebatizado.
(Entrevista concedida por telefone, numa ponte Porto Alegre/Rio de Janeiro, em maio de 2019)
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