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Homens de Barro :: “A escuridão tem um caráter libertário nesse filme”, diz o diretor de fotografia Bruno Polidoro

Publicado por
Marcelo Müller

Homens de Barro (2025) chegou recentemente aos cinemas contando uma história de rivalidade e amor proibido. Ambientada no interior do Rio Grande do Sul, ela fala de famílias antagonistas, mais especificamente de vizinhos que trabalham no mesmo segmento e se odeiam por causa disso. Anos depois, os filhos desses homens difíceis se reencontram com uma bagagem em comum. E, inesperadamente surge um amor entre esses rapazes traumatizados, um sentimento bom que pode interromper um ciclo de brutalidades.

Homens de Barro vem sendo muito elogiado, também, pelas imagens. E o responsável por elas é o caxiense Bruno Polidoro, um dos grandes diretores de fotografia de sua geração. Indicado ao Prêmio Guarani do Cinema Brasileiro de 2022 por A Nuvem Rosa (2021), ele foi nada menos do que 10 vezes premiado no Festival de Cinema de Gramado. Para saber um pouco mais sobre essas imagens significativas do drama LGBT+, tivemos uma conversa com Bruno Polidoro e o resultado você confere agora.

HOMENS DE BARRO: AS LOCAÇÕES

“Filmamos durante a pandemia, com a equipe sendo sempre testada, todo mundo de máscara. Então, foi um momento de reencontro, algo que o filme imprime em sua estética. Rodamos em três semanas, ou seja, poucas diárias para um longo. Para as locações, procuramos um interior de Porto Alegre que não filmamos tanto. Mesmo dormindo em casa, viajávamos de van, o que nos dava essa sensação de estarmos em outro lugar e até outro tempo. Queríamos que isso estivesse na estética, então buscamos a beira d’água, o bucolismo, a reminiscência de uma infância que não há mais nas cidades grandes. Filmamos em locações que permitissem a existência de planos mais contemplativos. Tentamos criar essa identidade de espaço interiorano”. 

HOMENS DE BARRO: LADO A/LADO B

“A parte da infância é mais contemplativa, na qual há a maior presença do barro. Essa primeira parte é mais terrosa, puxando para um verde desbotado, um verde oliva, com uma câmera de planos mais abertos marcados pela opressão do cimento. Onde encontrar as crianças nesses planos? O desafio era colocar as crianças ali para criar essa ideia de uma vida que pulsa desafiando as regras daquele lugar. Queria impregnar os corpos com essa rigidez do cimento das construções como forma de evocar a influência dos pais”. 

“Se a câmera é mais fastada no início, na segunda parte há uma transformação fotográfica, pois a câmera começa a querer revelar esse desejo dos personagens de se aproximarem, de se tocarem, mesmo que com certa dificuldade e medo. As cenas da moto são emblemáticas disso. Tentamos usar a câmera para descobrir os corpos junto com os personagens. E também há uma mudança de cor. O primeiro bloco é mais terroso, mas no segundo, que é jovem, vem uma cor acentuada pela direção de arte da Poliana Becker, um neon, uma luz de festa. Os personagens querem se livrar do barro e tingir seus corpos de outras cores”.   

HOMENS DE BARRO: POUCA LUZ

“Tenho buscado trabalhar com uma espécie de minimalismo da luz. É uma questão até de respeito pela locação. Nesses cenários em que filmamos havia uma vida tão interessante. Às vezes na fotografia a gente pega tantas referências de outras coisas e acaba obrigando um espaço a representar algo que ele não é. E isso acaba engessando a estética. Então, era importante partir do reconhecimento da identidade fotográfica daquele lugar para começar a fazer uma concepção da fotografia”.

“Para esse filme foi incrível podermos trabalhar com pouca luz. Estávamos em tempos de pandemia, ou seja, precisávamos ter equipe reduzida, trabalhar com menos equipamento, mas, acima de tudo, a presença do escuro dessa imagem nos puxa para o sentimento dos personagens. Sempre que leio um roteiro me pergunto como me sinto e como gostaria que meu corpo fosse registrado nessa ocasião. Num primeiro momento desse filme há a sombra dos pais, então às vezes a gente inseria mais tijolo no cenário para isso (risos). E num segundo momento o escuro tem um caráter libertário. Uma rua não tão iluminada permite que dois corpos não aceitos na comunidade possam se encontrar. Então, o escuro é muito mais um convite aos corpos serem o que querem ser”.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.