Hugh Michael Jackman – ou apenas Hugh Jackman, como o mundo aprendeu a conhecê-lo – nasceu no dia 12 de outubro de 1968. Aos 45 anos, o homem que ficou famoso como o selvagem Wolverine na série de filmes inspirada nos heróis da Marvel tem enfrentando atualmente seus maiores desafios nesta profissão com a qual está envolvido há quase duas décadas. Depois de conseguir sua primeira indicação ao Oscar como o protagonista do musical Os Miseráveis (2012), o ator australiano voltou à pele do seu personagem mais popular em Wolverine: Imortal (2013) e agora está mais uma vez em cartaz no thriller Os Suspeitos – título que poderá colocá-lo mais uma vez na disputa pela estatueta dourada mais cobiçada do mundo do cinema.
Exibido pela primeira vez no Festival de Toronto – palco onde geralmente são lançados os filmes que deverão obter os maiores destaques na futura temporada de premiações – o dramático suspense dirigido pelo canadense Denis Villeneuve (ele próprio indicado ao Oscar por Incêndios, 2010) conta ainda com grandes nomes no elenco, como Jake Gyllenhaal, Viola Davis, Melissa Leo e Terrence Howard – todos indicados, ou premiados, em anos anteriores na maior festa do cinema mundial. Foi sobre esse trabalho, em que interpreta um pai tendo que lidar com o sequestro da filha pequena, que o ator falou a respeito nessa entrevista que o Papo de Cinema publica com exclusividade no Brasil. Confira!
Como foi trabalhar com Denis Villeneuve?
Foi ótimo! É preciso admirá-lo, porque o trabalho foi feito em uma circunstância de grande desafio. Ele é franco-canadense e, mesmo assim, se saiu muito bem conduzindo um longa falado em inglês para um grande estúdio de Hollywood, oferecendo sua própria visão, entregando justamente o filme que queria fazer.
Tendo em mente o personagem que você iria interpretar, foi preciso refletir muito a respeito dos desafios que teria que enfrentar?
Claro. Li esse roteiro uns dois anos antes de assinar, e tudo que tinha em mente é que seria preciso escolher o diretor certo para o projeto, pois seria necessário atingir o equilíbrio exato na condução dessa história. Não podemos negar que se trata de um filme de gênero. É um thriller, no estilo gato e rato, que se passa em apenas oito dias e o relógio está correndo. Ao mesmo tempo em que Jake (Gyllenhaal) busca solucionar o caso, o espectador está na ponta da cadeira, ansioso pelo final. Mas é também mais do que apenas isso. Temos em mãos um drama que nos faz pensar seriamente sobre o que acontece na tela. Saímos do cinema refletindo sobre nossos próprios casamentos, nossos pais, irmãos, sobre a polícia e nossa comunidade. Era preciso alguém como o Denis para oferecer essa visão sobre o detalhe, esse cuidado com o personagem, que emprestasse à trama uma ambiguidade moral, pois de outro jeito seria apenas mais um filme genérico, como se estivéssemos quase que glorificando a violência. Esta era a minha maior preocupação.
Então, definitivamente, não estamos falando de um novo Desejo de Matar (1974), certo?
Não, e nem de um Busca Implacável (2008), tampouco. E mesmo que seja frenético e funcione como um bom suspense, ele exige mais da audiência. Denis não teve medo de fazer uso disso, assim como os produtores. Assim que Denis assumiu o projeto, decidi que deveria participar também.
Há uma ambiguidade moral muito forte no filme. Não há preto ou branco, certo ou errado. É isso mesmo?
Absolutamente. Você entende de onde o meu personagem está vindo – qualquer pai consegue se identificar. E mesmo assim, quando Deb, minha esposa, foi assistir ao filme comigo ela ficou o tempo todo segurando minha mão, até o ponto em que não aguentou mais e simplesmente soltou. Pude perceber que ela estava ficando desconfortável com o meu personagem. Ela estava com ele o tempo todo, até o ponto em que era como “não estou mais tão certa disso”. Mas é exatamente no meio dessa zona confusa onde Os Suspeitos se posiciona, que é de onde vem a sua força.
Por que o filme é chamado Os Suspeitos (Prisoners)?
Porque todo personagem do filme se torna prisioneiro da situação na qual se vê envolvido de modo irrevogável.
Você consegue imaginar reagindo no mesmo modo que seu personagem em Os Suspeitos?
É impossível saber. Certamente tentaria seguir pelo caminho mais justo, ainda mais se tivesse 100% de certeza sobre quem teria sequestrado minha filha. Acredito que esse filme faça essa pergunta a qualquer pessoa que o assista e, é claro, você não consegue evitar de pensar como reagiria estando na mesma situação. Em Os Suspeitos você vê quatro pais, cada um com sua própria perspectiva sobre os fatos, e a verdade é que nenhum de nós sabe o que irá acontecer, porque é vital a necessidade de fazer alguma coisa. O tipo de pessoa que Keller Dover é lhe parece mas propício assumir as coisas pelas próprias mãos, mas ele também possui mais informações que qualquer um dos outros envolvidos. Ele tenta convencer os outros a respeito do que ouviu. E se eu tivesse 100% de certeza sobre algo e visse que ninguém faria algo a respeito, isso me deixaria louco. Penso que faria de tudo ao meu alcance para resolver a situação da melhor maneira possível.
Essa experiência mexeu com seus sentimentos enquanto pai?
Com certeza. Como pai, ao ler o roteiro sentia o estômago revirar, mas é algo muito perigoso vislumbrar a possibilidade dos seus próprios filhos desaparecerem. Acho que, enquanto ator, é muito arriscado brincar com esses sentimentos. Isso foi algo que aprendi no teatro. No cinema, é tudo em apenas um dia, em algumas poucas cenas, mas no palco isso se repete oito vezes por semana. Você fica constantemente tendo que lidar com a mesma situação, o que pode enlouquecer qualquer um. É preciso ter muito cuidado, e quando se tem um ótimo roteiro ao seu dispor, não é mais necessário fazer esse tipo de busca para construir o personagem. Já está tudo pronto no texto.
É possível justificar uma atitude como essa, de fazer justiça com as próprias mãos?
Bom, essa é a pergunta de um milhão que o filme faz. Mas ele também não a responde, e talvez porque é possível que não exista uma resposta certa. Meu personagem está 100% certo do que faz. Ele precisa conseguir as informações certas daquele cara, pois acredita que se trata do responsável pelo sequestro de sua filha. Porém, sem revelar muito, suas ações terão consequências devastadoras. Portanto, o que ele faz é heroico, mas também uma atrocidade. E sem essa ambiguidade, ao menos para mim, teríamos apenas a verdadeira natureza da violência. O que esse filme tem a dizer sobre violência, penso eu, é nos lembrar da situação da Síria. A moral é que nunca há respostas fáceis, nunca é tão simples, há efeitos colaterais e vidas que serão mudadas para sempre.
Você consegue se livrar com facilidade do personagem no final do dia?
Agora isso é mais fácil para mim do que costumava ser anos atrás. Eu costumava ir para casa e pensar “deveria ter feito isso ou aquilo…”. Mas agora é muito melhor simplesmente dizer: “ok, acabou”. E no momento que a filmagem acaba, apenas pego minhas coisas e vou embora. O que ainda é difícil para mim lidar é com o que ainda está por vir, quando há esse sentimento de pressão, preocupação e excitação ao mesmo tempo. É isso que ocupa a minha mente.
Como personagens tão pesados quanto esse de Os Suspeitos lhe afetam?
Ultimamente, experiências como essa tem sido estranhamente catárticas. Quero dizer, todos nós choramos, não é mesmo? Algumas vezes, quando você chora uma hora depois, aquilo até lhe faz bem. Você se sente calmo, e é da natureza humana responder desse jeito, liberando emoções que estão presas dentro de você. Chorar pode também lhe dar uma boa dor de cabeça, e isso acontece quando você está mais tenso. Então, para um ator, quanto mais relaxado você estiver, mais aquilo irá fluir dentro de você. Sim, no final do dia você estará exausto, mas também relaxado e tranquilo.
Keller Dover é um personagem bem diferente daqueles que você está acostumado a interpretar. Você está conscientemente procurando explorar esse seu lado mais escuro?
Não necessariamente escuro… mas, sim, verdadeiro, profundo… talvez mais desafiador. Pensei muito sobre o que teria que fazer em Fonte da Vida (2006), por exemplo, pois tinha essa mesma intensidade. Nós já visitamos lugares bem assustadores. O primeiro filme que fiz, ainda na Austrália, Erskineville Kings (1999), foi um personagem bastante intenso também. Fiz peças com Daniel Craig, por exemplo, bem dramáticas. Apenas acho que sou mais conhecido pelos outros gêneros que já me aventurei. Então, para mim não soa como algo do momento, mas certamente o que fiz em Os Suspeitos foi muito diferente e desafiador dentro deste gênero. Depois da página seis do roteiro esse filme lhe leva a lugares muito escuros, e não retorna mais. Há muitas situações que você simplesmente precisa aprender a lidar com o que o personagem está enfrentando. Na maioria dos filmes há uma ou duas cenas mais pesadas, mas em Os Suspeitos temos essa sensação o tempo inteiro.
Onde você encontra a escuridão?
Ela apenas está lá, entende? Infelizmente, está em todos nós. Eu sou, por natureza, um cara muito otimista, você está me vendo quando acabei de chegar de outro país, e estou hospedado num hotel cinco estrelas, e estou falando sobre um filme que amo. Então, do que poderia estar reclamando? Tudo isso é muito bom. Agora, apareça na minha casa às 4h30 da manhã, quando preciso levantar para ir à academia e levantar pesos e você provavelmente não irá se deparar com alguém muito sociável (risos).
O físico do seu personagem em Os Suspeitos é bem diferente daquele que vimos em Wolverine: Imortal (2013), não é mesmo? Essa era uma preocupação sua?
Sim, e a propósito, logo após o término das filmagens de Os Suspeitos fui direto para X-Men: Dias de um Futuro Esquecido (2014), e enquanto treinava Denis se perguntava: “por que Hugh precisa se alimentar a cada duas horas? Ele está interpretando um pai suburbano que é um carpinteiro!” Mas eu já estava me preparando para o próximo papel. Em Os Suspeitos, no entanto, Denis era o adamantium que me protegia, porque ele não queria que a percepção de mais ninguém ficasse no nosso caminho. As pessoas me conhecem tão bem como Wolverine, que é quando estou quase o tempo todo sem camisa. E os filmes da série X-Men lidam com a violência de um certo modo, quase cartunesco. Não é o caso agora. Aqui era preciso ser desconfortável, então o diretor não queria nada que pudesse distrair o espectador. Ninguém poderia se lembrar de que era o mesmo ator do Wolverine, entende? Ele não queria que Keller Dover fosse confundido com nenhum outro herói de ação, não era para a audiência pensar: “Vamos lá, faça como o Charles Bronson, estamos em Busca Implacável 2 ele vai acabar com todo mundo…”. Acho que foi uma sábia decisão, porque não era isso que queríamos dizer com esse filme de forma alguma.
Você se dedica sempre com a mesma intensidade, não importa o tipo de papel…
Espero que sim. Se estou fazendo Wolverine, tento tornar aquilo o mais real possível, ainda que seja somente uma cena de ação com as garras de adamantium saindo das minhas mãos. O mesmo acontece se estou no palco ou em um musical como Os Miseráveis (2012). Musicais precisam contagiar as pessoas. Não se trata apenas de boas canções, que são boas de ouvir, mas que não lhe comovem. O personagem e o roteiro precisam conduzir a história. Portanto, há uma semelhança essencial em todos os personagens que interpreto. Está no tom, mas penso que esse filme é diferente pois exigiu mais, trouxe à tona em mim uma raiva e um desespero que não havia experimentado antes. Felizmente, não precisei cantar (risos)! Não sei que música seria, mas talvez algo do tipo: “Onde está minha filha? Filha da p***, desgraçado!” (risos)!
Você fez algum tipo de pesquisa para esse papel em Os Suspeitos? O quanto ela lhe afetou?
Bom, tudo o que posso dizer é “não faça a pesquisa que fiz, pois foi horrível e essas imagens ficam grudadas em você”. Ler sobre este tipo de crime e o que fazem com essas pessoas, e assistir a vídeos a esse respeito foram as horas mais devastadoras que já passei em minha vida. O que me trouxe de volta para casa foi a responsabilidade de não glorificar esse tipo de situação. Neste exato momento crimes assim estão acontecendo a diversas pessoas, e não é algo que você consegue superar facilmente. Então, não sei se essas pessoas envolvidas irão ver este filme – e acredito que não verão – mas há, de qualquer forma, um compromisso em retratar essa realidade do modo mais acurado possível, e respeitar todos os sentimentos envolvidos. Sim, fizemos um filme eletrizante, com muito suspense, mas também se trata de uma obra que ressoa e que mostra realmente como a violência é de fato.
O quão necessária foi essa pesquisa que você fez?
Foi muito importante. E a fiz de modo tão meticuloso e preciso que foi quase como se fosse eu próprio um investigador, justamente porque queria ser o mais preciso possível no retrato que fôssemos fazer. Quais são os passos necessários? O que acontece no primeiro dia? O que os pais podem fazer? Como lidam com os outros filhos? Ele saem batendo nas portas dos vizinhos por conta própria? A polícia permite esse envolvimento? O que acontece com as relações familiares?
Todo esse processo mudou seu modo de ver as coisas?
Com certeza. Agora procuro ficar mais próximo dos meus filhos? Claro! Eu procuro abraçá-los com mais força quando chego em casa após um dia de trabalho? Sim! Meu personagem diz: “reze pelo melhor, se prepare para o pior”. Antes disso, eu era mais do tipo “reze pelo melhor”, entende, um cara mais otimista. Mas toda essa experiência com Os Suspeitos me fez pensar que talvez essa visão seja um pouco preguiçosa e positiva demais. O mundo não é sempre tão bonito e você precisa estar pronto para lidar com coisas não tão boas. Você precisa preparar seus filhos e se assegurar que eles estão prontos para lidar com certas situações, que saberão o que fazer. Este é o mundo moderno no qual vivemos. Cresci com um pai que não chegava em casa do trabalho antes das sete da noite, e tínhamos que nos virar por conta própria, preparar nosso próprio jantar, ficávamos sozinhos por muito tempo. Mas agora percebemos que a realidade é outra.
Como encontrar a escuridão necessária para interpretar um personagem como esse?
Essa é, de fato, uma boa questão. Creio que é algo que esteja lá no fundo, mas dentro de nós. É uma batalha que, eventualmente, todos nós teremos que enfrentar. Queremos viver a vida ao máximo, mas ao mesmo tempo haverá um medo intrínseco, porque sabemos que um dia iremos morrer. É claro que não podemos passar cada instante pensando nisso. Então apenas deixamos isso de lado e seguimos em frente. Nos ocupamos com nossos trabalhos, com os pequenos problemas no dia a dia, mas a escuridão está lá, junto com esses medos. Tenho tais receios como qualquer outra pessoa. Eu sou um pai, afinal de contas. Me preocupo com meus filhos, com o que irá acontecer com eles no futuro. E esse é o tipo de sentimento que não lhe abandona nunca. Mesmo quando eles crescem e saem de casa, você continua pensando nisso. Talvez você não se pegue mais pensando se escovaram os dentes antes de dormir, mas com certeza se pergunta se estão ok, se a viagem foi tranquila, ou algo do gênero. Sabe, algo do tipo “me liga quando chegar…”. E, num nível mais pessoal, lutamos contra a validade das coisas. O que faço tem sentido? Eu mereço tudo isso? O que está acontecendo? Quem sou eu? Tudo isso está em nós em diferente níveis. Onde se esconde, não sei, mas está lá dentro de cada um de nós.
Você reconhece todas as bênçãos que já recebeu na vida?
Com certeza. Sou muito grato pela vida que tenho. Tantas coisas loucas já me aconteceram que nunca pensei que seria possível… Por exemplo, como viajar! Sempre foi um sonho meu conhecer o mundo, e agora vou a lugares incríveis, e conheço pessoas fantásticas, tudo isso por causa do trabalho que faço. Mas, para ser honesto, são as coisas mais simples que me emocionam. Como o último fim de semana, que foi fantástico. Estava em casa, com meus filhos, e jogamos banco imobiliário, cozinhamos, assistimos a diversos filmes à noite e tudo o que senti foi uma incrível emoção, uma felicidade muito grande justamente pelo básico, por estar com eles e vê-los felizes. Por estarmos juntos.
Como manter seus instintos sempre renovados enquanto ator?
Creio que é algo que precisamos reaprender constantemente. Nascemos com isso naturalmente, e depois esquecemos. Atuar é algo natural, mas à medida que crescemos, deixamos de lado. Nos tornamos tímidos, ficamos preocupados com o que os outros irão pensar de nós. Mas basta olhar para qualquer criança e irá perceber que são atores natos. Eles podem chorar em um estalar de dedos, basta quererem. E, ao mesmo tempo, podem estar rindo satisfeitos um minuto depois. Eles gritam e choram por 20 horas e nunca perdem a voz, mas basta a gente crescer um pouco e ficamos sem fôlego em cinco segundos. Portanto, se trata de buscar em nós mesmos, de relembrar algo que já trazemos naturalmente. Isso é o mais difícil na atuação.
(Entrevista cedida com exclusividade pela Paris Filmes e traduzida e adaptada por Robledo Milani)