Realizado há 15 anos em São Paulo, o In-Edit Brasil: Festival Internacional do Documentário Musical desembarca pela primeira vez em Porto Alegre. De 18 a 25 de outubro, 15 longas-metragens brasileiros e 10 estrangeiros serão exibidos na capital gaúcha. Entre os selecionados, relatos sobre Elis Regina, Tom Jobim, Miúcha, Fausto Fawcett, Lupicínio Rodrigues, Heitor Villa-Lobos, Tangos e Tragédias, CAN, Syd Barrett e Pink Floyd. Além disso, haverá conversas pós-sessão e bate-papos com convidados especialíssimos. Ou seja, programação para ninguém botar defeito. E, o melhor de tudo, gratuita – ela acontece Cinemateca Paulo Amorim (Rua dos Andradas, 736 – Centro Histórico). Para saber mais sobre esse debute no Rio Grande do Sul, conversamos com Marcelo Aliche, diretor artístico do evento, entusiasta da relação entre cinema e música, que trocou uma ideia conosco sobre as expectativas da primeira vez do In-Edit em solo gaúcho. Confira esse Papo de Cinema exclusivo logo abaixo.
Era um sonho antigo levar o In-Edit a Porto Alegre?
Sempre quisemos estar em Porto Alegre, cidade com fama de ser super musical. Nutrimos durante muito tempo essa vontade. Nem eu e nem o Leo (Leonardo Kehdi, o outro diretor artístico do evento) sequer conhecíamos a cidade. Mas, sempre namoramos a ideia de vir para cá. Fizemos Rio de Janeiro nos três primeiros anos, sendo que no terceiro também fomos a Salvador porque ganhamos um edital local. Tudo confluía para fazermos na Bahia, mas queríamos também estar no Rio Grande do Sul porque sabíamos da cena musical muito forte daqui, especialmente o rock. Aliás, tenho verdadeiro pavor de que o In-Edit seja visto como festival de pop rock. Enquanto eu estiver vivo isso não acontecerá, até porque tenho uma compreensão mais ampla de música. O mundo é bem mais amplo. Neste ano, pintou a oportunidade de vir para cá, até porque o projeto contemplado na Leu Rouanet dizia que faríamos uma cidade a mais. Estávamos entre Recife e Porto Alegre. Pedimos uma readequação de projeto e ela veio apenas quando o evento já estava rolando, o que nos obrigou a fazer uma edição com o pé em cima. Fomos super cautelosos financeiramente e aí acabou sobrando dinheiro, o que nos permitiu não precisar mais escolher. Olha que delícia.
E a versão Porto Alegre começa com Terruá Pará, vencedor do In-Edit, que valoriza a música amazônica. Mesmo que o filme não tivesse ganhado, ele seria a escolha para a estreia?
Ele seria uma aposta bacana, claro, mas de toda forma bati o pé para que a abertura fosse feita com o vencedor. Tivemos várias discussões filosóficas sobre isso, mas chegamos à conclusão de que teria de ser realmente o vencedor. De toda forma, o filme estaria na programação. Acho legal para caramba abrir com um doc que valoriza a música amazônica. Estive na reunião do júri que concedeu o prêmio a ele e assino embaixo das várias ponderações para justificar a escolha. Primeiro, é um filme dirigido por uma mulher e ficamos amarradões com isso, embora não fosse condição para vencer. Segundo, ele vem do Pará que, ao que me parece, será a nova bola da vez do Brasil. Amo o Pará desde que fui lá pela primeira vez. Fiquei louco com o cenário local. Curto música paraense, entendi as aparelhagens, o tecnobrega, o melody, a guitarrada e o carimbó. A música paraense é muito legal, na sua maioria produzida dentro de casa no melhor estilo funk carioca. O dia em que o Brasil descobrir Pio Lobato…esse cara é um mago, incrível. Esse cara é genial. Ele faz uma mistura de música contemporânea e da selva que é espetacular.
Como foi feito esse recorte da versão Porto Alegre do In-Edit?
É uma equação complexa. Os filmes da competição estão todos na edição Porto Alegre. Também há alguns destaques nacionais e filmes internacionais que escolhemos dentro da lógica “consigo trazer vs consigo pagar”. Aqui em Porto Alegre tem uma coisa que quase não aconteceu em São Paulo, o filme do Syd Barrett – Have You Got it Yet? The Story of Syd Barrett and Pink Floyd (2023). Tivemos uma única exibição em São Paulo e encaixamos aqui em Porto Alegre, até pensando nisso da capital gaúcha como cidade roqueira. O diálogo com as distribuidoras, inclusive as internacionais, é facilitado pela história do evento. Todos estão carecas de saber como pagamos, como tratamos o filme, etc. Claro, mesmo assim, havia filmes da seleção de 2023 que foram bloqueados por suas respectivas distribuidoras, como o Angelheaded Hipster: The Songs of Marc Bolan & T. Rex (2023), que tinha sido exibido apenas no Festival de Sundance. Tudo é uma questão de vários equilíbrios na hora de montar a programação.
Já as sessões em torno de Lupicínio Rodrigues e Tangos & Tragédias foi para acertar em cheio o coração da gauchada?
Com certeza, teve esse olhar de se comunicar com os locais. Aprendi a duras penas a necessidade de fazer isso. Quando fomos as primeiras vezes à Bahia, chegávamos com filmes do mundo todo, mas éramos questionados pela imprensa onde estavam os exemplares baianos. Quando fomos ao Pará, a mesma coisa. Em Minas Gerais, de novo. Aí me liguei tardiamente, e morro de vergonha de não ter me dado conta disso antes, de que toda a imprensa sempre coloca o local para amplificar o global. Então, era óbvio e eu não tinha me ligado que o global dá sentido ao local. Demorei anos para entender isso. Que vergonha (risos). Em São Paulo e Rio de Janeiro isso não acontece porque são duas metrópoles que dominam essa questão da visibilidade. O local amplifica o universal. Então havia a questão em vista e o fato de que tivemos muitos filmes gaúchos e pernambucanos no In-Edit deste ano, por pura coincidência.
Qual é a sua expectativa para essa primeira edição gaúcha do In-Edit?
Minha expectativa é de uma primeira edição. Não estou esperando lotar todas as sessões, tampouco que a televisão faça matéria com conexão ao vivo. Sabemos que é um produto cultural e que estamos chegando ao estado. Nossa posição é de cautela, mas com muita esperança que dê certo e já com vontade de voltar. Nem bem chegamos e já estamos querendo voltar. O bairro em que fica a Cinemateca Paulo Amorim é cheio de sebos, livrarias e outras opções culturais, ou seja, é muito propício para isso. Então, nossa expectativa é de muita cautela, mas também de ilusão. Eu adoraria que bombasse (sic) e que alguém bancasse a nossa volta anualmente para Porto Alegre, com um pacote de 20 ou 25 filmes, quem sabe trazendo convidados do Brasil inteiro e internacionais. O que gostaríamos é de atrair essa atenção. Esse é meu desejo, mas não a minha expectativa. A minha expectativa é de primeira edição, de criar um público e que as pessoas entendam a nossa proposta como um evento de documentários musicais.
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