20190328 helio goldsztejn papo de cinema2

Helio Goldsztejn vem se especializando em inventariar a vida e a obra de figuras brasileiras proeminentes. Antes de Inezita (2018), longa-metragem que passa a limpo a importância multifacetada de Inezita Barroso, ele dirigiu os documentários Tomie Ohtake (2015), sobre a artista plástica japonesa, durante muitos anos radicada no Brasil, uma das principais representantes do abstracionismo, e Lygia: Uma Escritora Brasileira (2017), acerca da literata Lygia Fagundes Telles. Helio é diretor do programa Metrópolis, da TV Cultura, o que inevitavelmente o colocou em vários momentos próximo à Inezita, artista que apresentou o programa Viola, Minha Viola por décadas na mesma emissora. Conversamos brevemente com o cineasta por telefone para entender um pouco melhor o processo que o levou a desvendar as várias Inezitas. Confira mais este Papo de Cinema exclusivo, agora com Helio Goldsztejn.

 

O quão árduo foi o processo de pesquisa do Inezita?
A TV Cultura é um manancial. O arquivo deles é de uma preciosidade impressionante. Fora isso, a Inezita era absolutamente rigorosa e sistemática. Ela registrava seu cotidiano, suas músicas, situações, gravações, etc. O arquivo pessoal dela é absurdo. Não usei tudo, boa parte ficou de fora. Quem cuidou desse material foi o Aloisio Milani que, inclusive, aparece no documentário. Por conta própria, Inezita resolveu manter esse arquivo que depois a família preservou. Essa junção de riquezas, a da TV Cultura e a pessoal, nos deu essa baita matéria-prima à disposição. Foi um trabalho bem legal. E a Eneida Barbosa, produtora executiva, teve um papel fundamental nesse processo.

20190328 helio goldsztejn papo de cinema

Essa Inezita empoderada, que aparece no filme, você encontrou no contato com tal material?
Foi realmente o material que me deu isso. Em 2017 houve uma exposição no Itaú Cultural sobre a Inezita. Ali já ficava claro que ela não era apenas apresentadora, cantora e pesquisadora. Era bem mais. Antes de existir essa palavra “empoderamento”, ela era empoderada, tinha determinação desde criança. E isso continuou ao longo da vida. Inezita precisou se separar do marido para poder, de fato, exercer sua profissão. Brigou por espaço para tocar viola e cantar, começando nos anos 1950, algo então impensável para uma mulher. “A Marvada Pinga” foi gravada em 1953. E tem aquilo dela viajar sozinha com dois homens num jipe, mas dirigindo. Você pode ser determinado e não ter talento. Ela tinha as duas coisas.

 

Qual a importância da família dela para o resultado do filme?
Vital. Primeiro, ao fornecer a autorização para uso do material, mas, claro, tivemos de conquista-los. Conversamos com a Marta, a filha que aparece no filme, para teus seus apoio e incentivo. Ela foi fundamental, até porque praticamente alinhava uma parte do documentário. Marta conta coisas únicas, por exemplo, aquilo com o Juscelino Kubitschek, com a Inezita batendo o telefone na cara do presidente (risos). Em certos momentos há dramaturgia, como quando a neta a representa. O papel da família foi também de incentivo e, portanto, de participação efetiva.

 

E como foi esse resgate da faceta “atriz de cinema” da Inezita?
Desconhecia completamente essa faceta dela. Tive contato com a apresentadora, que, inclusive trabalhava próximo a mim. Descobri a Inezita pesquisadora, a professora e a atriz de cinema que chegou a ganhar o Prêmio Saci, naquela época extremamente importante. A ideia de mesclar a narração e a dramaturgia, em algumas partes, era para pode mostrar a força dessa mulher, especialmente dentro daquele contexto, permitindo vislumbres de até onde ela foi.

20181016 inezita papo de cinema 800

Há alguma controvérsia que você tenha suprimido intencionalmente?
O que consideramos relevante, inclusive quanto às controvérsias, com aquilo dela não aceitar determinados instrumentos por não considera-los de raiz, tudo entrou. Mesmo a história com a família, de toda a pressão que ela sofreu, foi aproveitada. Gostaria de ter mostrado um pouco mais sobre a famigerada pesquisa perdida. Mas, contam a lenda e a filha, que Inezita queimou tudo. Ela voltou da famosa viagem de jipe com um material vasto que ninguém quis. Inezita ficou tão furiosa, ressentida, que o destruiu. Essa era a Inezita, uma mulher forte. Como diz o Renato Teixeira, às vezes você precisa ter atitudes mais drásticas para chamar atenção ao seu trabalho.

(Entrevista concedida por telefone, em março de 2019)

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *