Jay Brannan é, ao vivo, extremamente parecido com os personagens que costuma interpretar no cinema. Sensível, educado, quase delicado demais… porém absolutamente certo do que quer e do que é. Ele assumiu sua homossexualidade ainda na adolescência, mas hoje, aos 26 anos, este é um assunto tão natural no seu dia-a-dia quanto o tamanho do cabelo (que agora está curtíssimo) ou o fato de já ter conhecido meio mundo devido o sucesso cult do seu trabalho de estréia, o longa Shortbus (2006). O filme, dirigido por John Cameron Mitchell, fala de diversas pessoas que se encontram numa mesma casa noturna novaiorquina, a tal Shortbus do título. E Jay interpreta um dos habituées do clube, que acaba se envolvendo com um casal gay, promovendo um dos threesomes mais excitantes do cinema moderno.
Também cantor e compositor, teve uma de suas canções incluídas na trilha sonora do filme, a deliciosamente melódica Soda Shop. Seu primeiro cd, Unmastered, foi gravado logo em seguida e teve um lançamento discreto (é, no entanto, facilmente encontrável para download na internet). Jay esteve no Brasil (“minha primeira vez na América do Sul”), em Porto Alegre, entre os dias 15 e 21 de abril de 2008, para promover a primeira exibição de Shortbus no país (dentro da mostra BIG – A Metrópole do Século XXI, que aconteceu na Usina do Gasômetro), e aproveitou também para mostrar sua música num pocket show. O Papo de Cinema resgata uma entrevista feita na ocasião da visita do ator ao Brasil para o lançamento deste elogiado filme e apresenta agora, na íntegra, com exclusividade, como foi esse bate-papo! Confira!
Assisti Shortbus há mais de um ano, em Paris. Por que você acha que demorou tanto para o filme chegar no Brasil?
Tudo em Shortbus foi um processo longo, demorado. Não sei se o Brasil é um país muito conservador, não sei o que as pessoas irão pensar. Mas é um filme pequeno, de orçamento muito baixo, e que demorou muito para ser feito. Esta demora se repetiu para lançá-lo ao redor do mundo. E é preciso encontrar as pessoas certas, o círculos que irão se interessar por ele. Penso que Shortbus atinge as pessoas de uma maneira muito íntima, e é preciso saber quem quer ao menos assisti-lo em primeiro lugar, porque ele expõe seus temas de um modo muito explícito.
Apesar de ser um filme pequeno, seu lançamento foi no Festival de Cannes, ou seja, com grande visibilidade…
É, em termos de como a mídia estava tratando o filme e como o Festival o recebeu, Shortbus realmente conseguiu uma boa visibilidade, mas em termos de indústria… Acho que o orçamento total foi de 2 milhões de dólares, o que é realmente muito baixo para os padrões norte-americanos. E mesmo assim foram anos para levantar essa quantia de dinheiro! Os próprios atores foram escolhidos antes mesmo do roteiro estar pronto! Tudo foi desenvolvido com calma e sem pressa. Este foi um projeto muito experimental desde o início.
Shortbus acompanha diversas pessoas, casais ou não, e seus comportamentos sexuais, desde os mais estranhos até outros comuns em nossa sociedade. Como é o seu personagem?
Meu personagem é uma figura típica de Nova York, algo bem estereotipado, quase um clichê. É o personagem mais novo da história, e eu era o ator mais novo do elenco! Todos os personagens são mais ou menos baseados nos atores que os interpretam, assim como possuem muito do diretor combinado a um lado ficcional que desenvolvemos em conjunto. Estão entre a ficção e a realidade. Mas basicamente há um casal gay, que compõe uma das principais tramas do filme, e eles decidem abrir o relacionamento. Eles conhecem o meu personagem numa festa, na boate Shortbus que dá título ao filme, e o convidam para ser a terceira pessoa deste relacionamento…
Você já foi a terceira pessoa em um relacionamento?
(risos) Não a terceira! (mais risos)
Em algum momento você ficou com receio?
Você diz em relação ao sexo?
Sim, em relação ao sexo, que é bastante explícito… mas também sobre o próprio filme…
Pois é, as pessoas sempre me perguntam sobre o sexo em Shortbus, porque é bastante explícito, mas para mim foi muito mais difícil a atuação em si, porque nunca tinha atuado antes! Não tinha participado de um filme e nem tinha estado em frente a uma câmera, num grande set… Estava fazendo um filme de verdade, entende? Desde então já fiz outros trabalhos, filmes de estúdio, mas ali foi a minha primeira vez. Por isso me preocupei mais em saber atuar do que com o sexo em si. Foi difícil, claro, mas o John, o diretor, foi muito atencioso e soube criar um ambiente aconchegante, confortável para todos. Todo mundo na equipe se conhecia! Assim foi mais fácil entrar neste “swing” (risos).
Shortbus trata o sexo de um modo muito franco, com cenas bem explícitas. Mas não é o único filme a tratar deste assunto tão abertamente. Há outros títulos recentes, como 9 Canções (2004), do Michael Winterbottom, ou Deite Comigo (2005), de Clément Virgo, que também seguem este caminho. Isso poderia refletir uma tendência atual?
Não vi nenhum destes filmes, mas não são produções americanas, certo?
9 Canções é inglês, e o Deite Comigo é canadense…
Pois então… parte de um filme como Shortbus não ter sido feito antes, em termos de Estados Unidos, é que ele é muito extremo para os padrões americanos. Claro que outros filmes já incluíram o sexo em suas histórias, mas a maioria deles é estrangeira, de fora dos Estados Unidos. Eu não vi estes filmes citados, e por isso não posso comparar, mas nos Estados Unidos isso não é comum.
Como tem sido a recepção que Shortbus tem recebido ao redor do mundo?
A resposta mais comum que temos obtido, sempre que o filme é exibido, é que “não era o que estava esperando!”. Não sei como é a visão sobre o sexo no Brasil, e como este assunto é tratado por aqui, mas de onde venho sempre que se associa as palavras “sexo” e “cinema” o resultado é “pornografia”, e isso é tudo o que Shortbus não é. As pessoas chegam, pensam que irão assistir sexo gratuito, e depois vão embora refletindo sobre algo muito diferente. A maioria fica surpresa.
Depois do Shortbus, você fez o drama Holding Trevor (2007), em que também interpreta um personagem gay. Tem receio de ser enquadrado apenas como “ator gay”, de ficar estereotipado pela indústria? Deseja fazer algo diferente?
Eu me sinto um pouco estranho em relação a isso. Em termos de indústria e sobre interpretação, isso realmente não me incomoda. Não sei se irei fazer outros filmes, mas não me incomodo em só interpretar personagens gays. É difícil ouvir um ator dizer “não quero interpretar apenas personagens heterossexuais!”. Ninguém pensa dessa forma, então por que eu deveria pensar diferente? Por que deveria ficar preocupado? E por outro lado os papéis gays estão ficando cada vez mais realistas, estão sendo tratados como pessoas de verdade, e não apenas como um alívio cômico, ou a drag queen… A pessoa gay, em relação à indústria de entretenimento, está cada vez mais sendo vista como alguém complexo, real, numa dimensão realista. Então por que me importar? Mas ao mesmo tempo não quero ser definido pela minha sexualidade, enquanto artista. Quero ser visto como um ator, ou um músico, e não necessariamente como um “gay”. É estranho como o gay acaba ocupando um espaço único na indústria, ou na mídia, como se todos fossem iguais. Torço pelo dia em que o gay possa ocupar tranquilamente qualquer espaço no mundo e que seja avaliado pelo o que faz, e não pela pessoa com quem dorme.
Como descobriu seu interesse pela música?
Estive ao redor da música por toda a minha vida. Cresci cantando em igrejas, em corais na escola, então cantei a minha vida inteira. Mas foi somente há quatro anos que peguei uma guitarra e decidi realmente tocar, e comecei a compor canções… Era algo que sempre quis, mas nunca pensei que pudesse! Só o fato de estar aqui no Brasil, me apresentando, cantando e tocando músicas que escrevi, é incrível! É estranho, mas ao mesmo tempo muito excitante!
Uma das suas canções, aliás, está na trilha sonora de Shortbus. Isso ajudou bastante a mostrar seu talento como músico, não?
Com certeza. Tive muita sorte do diretor John Cameron Mitchell ter escolhido uma música minha para a trilha do filme, além de ter optado por esta canção para tocar no menu principal do dvd do filme nos Estados Unidos. Isso me ajudou muito a apresentar o meu trabalho a uma audiência muito maior, que de outra forma nunca conseguiria. Isso foi mais gratificante do que ter atuado no filme! E o legal é que a música realmente faz parte da trama, acompanha a ação. Muita gente fica surpreendida quando descobre que fui eu quem compôs a canção. Já recebi e-mails de pessoas que acham que estou dublando a música, que aquela voz não é minha (n.e.: o personagem de Jay Brannan aparece em cena cantando a música “Soda Shop”, composta e interpretada por ele). Tive muita sorte do John ter me deixado participar de tudo isso!
Você deveria interpretar, portanto, um músico…
Todo mundo vive me pedindo isso (risos)! Talvez eu pare de interpretar só personagens gays, e daqui pra frente só interprete músicos! Ou talvez músicos gays!
(Entrevista feita em Porto Alegre no dia 20 de abril de 2008)
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