Rodrigo Pandolfo nasceu na pequena cidade de Três de Maio, no interior do Rio Grande do Sul, e de lá saiu para conquistar o país. É curioso, portanto, que foi em outra pequena cidade longe da capital do seu estado natal que ele teve a oportunidade de apresentar aquele que considera o seu melhor e mais difícil trabalho enquanto ator: João: O Maestro, filme que foi exibido na sessão de abertura do 45o Festival de Cinema de Gramado e no qual ele é um dos protagonistas, vivendo o músico João Carlos Martins da adolescência até a fase adulta. No início de sua carreira, marcou presença na tela grande em comédias como Uma Professora Muito Maluquinha (2011), Eu Não Faço a Menor Ideia do que Eu Tô Fazendo com a Minha Vida (2012) e O Concurso (2013), além de ter conquistado o público de todo o país com Minha Mãe é uma Peça 2 (2016) – a maior bilheteria do cinema nacional de todos os tempos. Mas Pandolfo não quer apenas fazer rir, e depois da cinebiografia Elis (2016), na qual viveu o jornalista Nelson Motta, ele agora está no seu projeto mais transformador. E foi sobre esse trabalho que a gente conversou com exclusividade com o astro durante sua passagem pelo evento na Serra Gaúcha. Confira!
Rodrigo, tudo bem? Tu és um ator conhecido do grande público pelo teu trabalho com a comédia. Como se deu essa virada para o drama com João: O Maestro?
Cara… pra mim, não é novidade. É só mais um trabalho. É só um gênero diferente no audiovisual. Eu, o ator, o Rodrigo, sempre fiz tragédias e dramas no teatro. Foi onde comecei minha carreira, e nos palcos não tenho uma carreira voltada para o humor. Curiosamente, tanto no cinema quanto na televisão foi a comédia que me chamou. E como o Brasil é um grande consumidor deste tipo de cinema, acabei emendando um trabalho atrás do outro. Poucas vezes fiz drama no audiovisual, é verdade. Mas fiz A Menina sem Qualidades (2013), na MTV, o filme Faroeste Caboclo (2013)… Mas é fato, o João vem com uma força imensa dentro da minha trajetória.
Dos quatro atores que interpretam o músico João Carlos Martins, você é o que mais tempo tem em cena. Como foi encarar esse desafio?
Foi uma grande responsabilidade. Primeiro, quando veio o convite, fiquei muito honrado. A vida do João é para se honrar, com certeza. Depois, quando recebi o material dele tocando, fiquei apavorado. Caí pra trás, literalmente. Era tão virtuoso, genial, que me perguntei se teria condições e tempo para chegar pelo menos próximo daquele nível, mesmo sendo de mentira, dublando. Para isso, me dediquei furiosamente para esse papel, sobretudo com a música.
O Mauro Lima, diretor de João: O Maestro, comentou conosco que era importante para ele escolher atores que já tivessem alguma ligação com a música. Como você se preparou neste sentido?
Tive que ser obstinado. A minha primeira relação com a arte, em geral, foi com a música, com o teclado. Então, de alguma forma, não era algo inédito para mim, existia alguma familiaridade. Porém, não tocava há muitos anos – sem falar que nunca havia tocado piano, especificamente. Teclado é muito diferente, bem mais simples. Quando comecei a receber as músicas que teria que interpretar, entendi que teria que mergulhar obstinadamente com essa relação com o piano, porque de outra forma o trabalho ficaria aquém daquilo que eu mesmo gostaria. Então, pra minha satisfação, e também para honrar o que foi a vida desse monstro chamado João Carlos Martins, tive que mergulhar fundo, mesmo. Cada música era um processo intenso de ensaios, eram doze horas de filmagens, mais duas horas, em casa, pelo menos, de treino diário. O piano caminho comigo por todos os lugares onde fui, mesmo saindo do Brasil. Tinha que ter um piano dentro do meu quarto de hotel, sempre.
Como foi a produção? Quanto tempo levaram as filmagens, em quais lugares vocês estiveram?
Ao todo, foi mais ou menos um mês e meio. Filmamos durante um mês no Brasil, uma semana em Montevidéu e outra em Nova Iorque.
Você acredita que essas mudanças de ares e ambientes colaborou na tua criação deste personagem?
A mudança de ambiente não necessariamente. O que fica de ter trabalhado fora do Brasil é a experiência pessoal, de ter vivido uma equipe americana, de ter se relacionado com outro tipo de profissional. Foi meu primeiro trabalho feito em parte fora, e foi ótimo, pois sempre tivemos o auxílio de equipes locais, tanto no Uruguai quanto nos Estados Unidos. A grande riqueza, mais do que para a construção do personagem – até porque essa já existia, uma vez que as viagens foram no fim do processo – foi a oportunidade de ter trabalhado fora do Brasil com técnicos internacionais.
Por mais que se fale do Paulo Gustavo, você também é parte determinante do sucesso de Minha Mãe é uma Peça (2013). Principalmente do Minha Mãe é uma Peça 2 (2016), que se tornou o filme brasileiro de maior bilheteria de todos os tempos. Como é lidar com essa responsabilidade? Há alguma pressão de retorno de público agora com João: O Maestro?
Não ligo uma coisa a outra. Pra mim, são portas diferentes. Acho que existem diferentes públicos para diferentes gêneros. Não to radicalizando, também não quero dizer que quem vê comédia só assiste a este tipo de filme, e o mesmo não ocorre com o drama. Mas acredito que uma coisa é independente da outra. Minha Mãe é uma Peça teve uma carreira, mas foi algo daquele filme. Não tem como carregar essa responsabilidade de público. Se tiver que manter o mesmo nível de bilheteria, estarei ferrado, porque aquele foi um filme que superou todas as expectativas. Não acredito que João: O Maestro vá chegar lá. Como falei antes, a comédia segue resistindo de forma brava no nosso Brasil – o que é maravilhoso, por sinal – mas o João chega com uma potência e com uma importância histórica enorme. Isso é muito contundente. Espero que repercuta, que cause uma comoção. Que atente para a necessidade de se descobrir essa obra e a trajetória desse homem, um brasileiro, que foi um dos maiores pianistas do mundo e que não foi reconhecido por aqui no auge do seu trabalho. Quem é esse homem? A grande maioria não sabe, e aqui está a oportunidade de descobrir.
Você faz um personagem que é dividido com outros atores. Como foi esse trabalho em conjunto? Chegaram a combinar alguma coisa, alinhar características de atuação, ou cada um fez sua parte e só viram o conjunto depois, já na tela?
Essa unidade aconteceu muito entre eu e o Alexandre Nero, que faz o João mais velho, por conta do tempo que tínhamos em cena. Da criança para mim, havia um espaço de tempo muito grande. Da minha parte para a do Nero, a distância já era bem menor. São só dez anos. Por se tratar da fase adulta, portanto, tivemos que encontrar uma unidade. Nós tivemos que esmiuçar essas conexões, entender como fazer essas ligações. Nos encontramos antes das filmagens, listamos o que a gente considerava mais latente na personalidade do João, para que ambos pudessem ir atrás. Agora, como não ensaiamos, não nos vimos fazendo o mesmo personagem, existiu uma grande surpresa no resultado final. E essa simbiose aconteceu por uma ordem invisível. E, de fato, acho que o Mauro é o responsável por isso.
Para terminarmos: a tua relação com a música clássica mudou depois desse filme?
Absolutamente. Primeiro, fiquei com vontade de voltar a tocar música clássica. Tive uma pequena experiência quando era criança, e deixei. O que fiz até agora? Comprei um piano (risos)! Não retomei as aulas, mas o piano já está lá em casa. Mas, o que importa mesmo, é que comecei a gostar de música clássica após o filme. Não era algo que ouvia e sentia tanto prazer ouvindo. Meu grau de prazer aumentou significativamente.
(Entrevista feita ao vivo em Gramado em agosto de 2017)