Joel Kinnaman é o nome artístico de Charles Joel Nordström, ator sueco nascido em Estocolmo no dia 25 de novembro de 1979. Judeu por parte de mãe e com pai norte-americano, possui cinco irmãs – uma delas a também atriz Melinda Kinnaman. Atua profissionalmente desde 2002, e após uma série de produções no seu país de origem – como a trilogia Easy Money, pela qual foi premiado no Festival Guldbagge – conseguiu seus primeiros papéis de destaque em Hollywood. Foi cotado para ser o protagonista de Thor (2011) e de Mad Max 4 (previsto para 2015), mas sua primeira grande oportunidade chega agora aos cinemas: ele é o policial Alex Murphy da nova versão de RoboCop, primeira superprodução do brasileiro José Padilha nos Estados Unidos. Acompanhado do diretor e do também colega de elenco Michael Keaton, Kinnaman veio ao Brasil para acompanhar o lançamento deste filme que é sua maior aposta até o momento junto ao grande público. E aproveitado sua passagem por aqui, o Papo de Cinema teve a oportunidade de encontrar o astro para uma conversa inédita. Confira!
Qual foi o maior desafio de viver o novo RoboCop nas telas? Como mantém o personagem vivo na sua cabeça, no momento em que o diretor diz “ação”?
Bem, é o meu trabalho, mantê-lo vivo. Tivemos algumas dificuldades técnicas com o uniforme do RoboCop, foi preciso separar a linguagem corporal da emocional. Tem expressões faciais, coisas acontecendo com ele que não são expressadas pelo corpo, porque está mecanizado. Mas essas são as dificuldades técnicas do papel, da mesma maneira como deve ser interpretar alguém que é deficiente. Foi um desafio de concentração. Fico feliz por ter feito esse filme agora, não há 10 anos, porque acho que não teria a paciência para manter meu foco. Essa foi a minha maior dificuldade.
Você fez todas as sequências de ação?
Não todas. Mas fiz tudo que podia. Tinha algumas coisas na moto, e havia um piloto ótimo que fez algumas coisas, mas cheguei a dirigir um pouco, mas mais em linha reta. Eu corria de um lado para o outro em uma sala vazia, como um louco, e depois colocaram coisas legais no fundo com o CGI.
Qual foi a motivação para aceitar o papel no filme?
Meus agentes disseram que um remake do RoboCop: O Policial do Futuro (1987) seria feito e disse que talvez visse no cinema em algum momento, mas que não achava que era um bom filme para mim. Foi quando me avisaram que José seria o diretor que mudou tudo. Tinha visto seus filmes antes, tanto o Ônibus 174 (2002) quanto o Tropa de Elite (2007) e também o Tropa de Elite 2 (2010), todos no cinema na Suécia, e achei que ele era um dos diretores mais interessantes do mundo. Foi isso que me fez mudar toda a ideia sobre o que esse filme poderia ser.
Qual sua opinião sobre refilmar antigos sucessos?
Existe um monte de remakes ruins por aí, e um monte deles sendo feitos por razões erradas, para explorar os fãs, fazer mais dinheiro… Mas quando um diretor do calibre do José se envolve, é porque a coisa deve ser diferente. Todo mundo que viu seus filmes sabe que ele sempre tem um forte ponto de vista político e social. Era de se imaginar que com o RoboCop a proposta seria interessante e original. Esta foi a razão pela qual quis fazer o filme. Mas, na verdade, fiquei surpreso por ele saber quem eu era, e que queria me encontrar! Fiquei muito honrado. Nos encontramos para um almoço, ele me narrou toda a história que queria contar, explorando o conceito do RoboCop que queria mostrar, e fiquei muito impressionado.
Você era fã do RoboCop?
Devo ter visto o original umas 20, ou 25 vezes ,quando criança. Minha mãe, que é terapeuta, chegou a temer que eu tivesse algum tipo de psicose com o RoboCop. Então, estava bem preparado para fazer esse filme. Tudo começou com a maneira com que fizemos os padrões de movimento… Acho que em 1987 eles tinham uma ideia futurista bastante diferente de como um robô se moveria do que a nossa visão futurista de hoje, 26 anos depois. Nossos robos possuem um caminhar suave, e precisei desenvolver um movimento meio sobre-humano. Mas peguei um pequeno detalhe da excelente atuação do Peter Weller, que é quando viro minha cabeça e os ombros vem depois. É uma pequena homenagem a ele.
Então, quando você faz um filme desse, é difícil deixar o fã de lado, sem pensar “eu sinto falta disso, porque tinha no outro filme”?
Não, isso nunca me ocorreu. Porque o universo que o Paul Verhoeven criou é completamente diferente do universo que o José desenvolveu, e as regras da nossa versão são completamente diferentes, o humor é outro… E tem também o personagem, que apesar de se chamar Alex Murphy e se tornar o RoboCop, é um cara completamente diferente. E se pensar muito no que outra pessoa fez, você está perdido.
Quais as principais diferenças entre o RoboCop de hoje e o dos anos 1980?
Em relação ao personagem, é um papel muito diferente… Em primeiro lugar, eu venho do teatro, ou seja, interpretar um papel que já foi interpretado por outroas pessoas não é novidade para mim. Mas aqui, apesar dele ter o mesmo nome, sua jornada é completamente diferente. Acho que a principal diferença na nossa versão é que, quando Alex Murphy acorda como RoboCop, ele está vivo, está completamente ciente, tem todas suas habilidades cognitivas e memórias vivas. E ele precisa aprender a lidar com essa nova realidade. Isso o torna um personagem muito diferente daquele que tantos anos atrás. Foi uma das coisas que o José me disse, sobre a história que ele queria contar, que este era um personagem muito complexo, com contrastes fortes e que passava por fases distintas.
O que você busca em cada projeto que assume?
Para mim, quando procuro um papel, a primeira coisa que vejo é se tem algum contraste, se ele se comporta de alguma maneira diferente e se tem um grande desenvolvimento do personagem ao longo do filme. Em RoboCop isso foi muito rico em todos esses aspectos.
É possível dizer que você tem algo contra os filmes pipoca?
Eu não gosto de filmes que não conheça o personagem, que não entendo suas vulnerabilidades, sua tristeza, suas fraquezas. Se for apenas um monte de sequências de ação, para mim, é como se fosse um desenho, e isso não me empolga. Já vi uma cidade ser explodida, aniquilada em CG, umas 20 vezes. A primeira vez, pensei “nossa, que legal, Nova Iorque está explodindo”! Foi legal poder ver isso. Mas, na segunda vez, não foi mais tão legal. E já vimos umas diversas vezes a mesma coisa, então não me interessa mais. Para mim, os filmes de ação que gosto, também focam no personagem, você se envolve com eles e tem sempre algo em risco. Você ganha a ação, de certa forma.
Esses projetos são desenvolvidos para serem mais que filmes, são produtos também. Há toda uma indústria construída em cima deles. O José Padilha disse que pensava no RoboCop como um filme só e que não se interessa em uma franquia. Qual a sua opinião sobre isso? Se o estúdio quiser fazer mais filmes do RoboCop, você tem um contrato?
Sim, tenho um contrato. É a mesma coisa que acontece quando você faz um seriado, o compromisso é prévio. O padrão nos Estados Unidos é que você assine por seis temporadas e, ainda que possa durar apenas dois anos, eles sempre tem a opção. Se é um sucesso, melhor ainda. É uma equação financeira fácil de fazer, se o primeiro filme se sai bem, e querem fazer um segundo, se não há um contrato, o ator fica numa ótima posição de negociação e eles, claro, não querem essa situação. Assumi que faria até três filmes. Se eles sairão, só o tempo dirá.
Então, se isso acontecer, você já pensou para onde Murphy iria do primeiro filme para o próximo?
Não, eu ainda não pensei muito nisso…
Seria um remake de RoboCop 2 (1990)?
Não, isso é algo que posso garantir (risos).
Porque o final do RoboCop atual é misterioso. O espectador fica se perguntando “e agora?”…
É o fim da linha para ele. Ele perdeu tudo que importa.
Como foi sua reação ao se ver como uma cabeça falante, como se todo o seu corpo tivesse sido reduzido a um par de pulmões?
Foi muito estranho. Essa cena foi, possivelmente, a mais difícil de filmar, porque exigia uma ansiedade existencial profunda e um desespero que precisava ser retratado. E isso, por si só, é difícil de mostrar, e havia o fato de eu não poder me mexer, precisava ficar completamente estático. Não sei se você pensa nos seus momentos de maior ansiedade, quando seu corpo está muito envolvido, sua barriga aperta, ou acabamos chorando em posição fetal. Ao tentar recriar esse tipo de emoção e trazê-los para dentro de si, foi preciso buscar nas minhas experiências pessoais e na minha imaginação. Ainda assim, é inevitável, meu corpo está envolvido e queria usá-lo, porque isso ajuda a expressar a emoção necessária. E aqui eu tinha que ficar parado, só usando meus pensamentos.
Foi uma experiência muito difícil? Como foram as filmagens dessa sequência?
Eles tiveram que usar fios de cobre, porque eu mexia minha cabeça inconscientemente, e não podiam usar o material. Então pegaram fios de cobre e apertaram o capacete. Dessa forma, eu realmente não podia me mexer. Foi horrível. E isso se repetiu por um dia inteiro, mais de 14 horas de gravações até o Padilha ficar satisfeito (risos).
Você acha que nesse filme o personagem é mais completo que o anterior, porque precisa lidar com a sua mulher e o filho?
Não compararia dessa maneira. Mas nesse filme a gente passa mais tempo com as consequências emocionais. E a decisão de não matar o Alex Murphy, e deixá-lo vivo, com suas habilidades cognitivas e suas memórias quando se torna o RoboCop, dá muitas possibilidades dramáticas, porque assim ele pode experimentar a perda que essa nova vida traz. Nós vamos mais fundo nas consequências, em como ele se sente, o que acontece com ele.
O quão raro é ter um roteiro com esses questionamentos em um filme de ação?
Quando almocei com o José e ele me contou a história, tudo parecia fantástico, mas as perguntas e medos que tinha eram “como ele vai conseguir um estúdio que dê US$ 100 milhões para fazer o filme?”. Mas o José é impressionante na maneira de lidar com o estúdio. Principalmente sendo um diretor iniciante em Hollywood. Mas há vários cineastas europeus e sul-americanos que vêm para os Estados Unidos, e ainda que amem o filme que você fez, pedem para esquecer tudo e fazer o filme que a eles querem. O José ganhou algumas batalhas grandes no começo e sei num momento houve uma grande discussão sobre o roteiro a ponto dele entrar num táxi e ir para o aeroporto, a caminho do Rio. Foi quando pensaram “nossa, ele está indo embora mesmo”! Acho que ele não estava blefando e respeitaram isso… Ele ganhou quase todas as batalhas! Esse é o primeiro filme americano dele e é 98%, 99% a visão do diretor em um filme de US$ 100 milhões! É muito impressionante.
RoboCop é um dos primeiros grandes passos na sua carreira em Hollywood, assim como é também para o José Padilha. Como foi a conexão que vocês dois estabeleceram no set?
Ficamos muito próximos. Fui a primeira pessoa escalada para o filme, então a gente começou a falar sobre o roteiro cedo. Claro que não tenho muita opinião sobre isso, mas ele me dizia os nomes dos outros atores que estava pensando e eu dizia quem realmente gostava e quem não gostava muito. Acho que a parte mais importante da relação com o diretor é quando você compartilha um gosto parecido, apesar de eu saber que era importante respeitar o gosto dele. Era preciso confiar nele e saber o que queríamos com o filme, com cada cena. Por isso me liberava para experimentar, para ser mau e fazer uma cena na qual eu seja um péssimo ator por 25 segundos, mas com ótimos 4 segundos, e talvez fosse preciso dos 21 segundos ruins para conseguir os 4 segundos bons. Mas se eu não confiar no diretor, nunca vou fazer isso, vou ficar na zona de conforto e fazer o que sei que é bom, mas que pode não ser ótimo. E com o José, acho que ele tem um gosto excepcional e nos divertimos muito no set. Ele é um cara engraçado e traz uma energia ótima.
E as expectativas para o sucesso do filme, como foi lidar com elas?
Claro que tem um pouco de pressão, sempre que tem muito dinheiro envolvido, tem um pouco de ansiedade e pressão. E claro que a gente esperava que o filme se saísse bem, e deu certo. Então agora todos estão felizes. Nos Estados Unidos a estreia foi um pouco complicada, mas no mercado internacional o filme já está dando lucro, e há o Brasil e muitos outros países ainda que ainda não viram o filme. Para mim, o mais importante foi o trabalho, que a gente conseguisse fazer o longa que a gente queria, que se tornasse algo que o José e eu ficássemos felizes de fazer parte. Às vezes os melhores filmes não conseguem a maior audiência, mas as pessoas que assistem realmente gostam. Eu não estou dizendo que a gente fez um 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968), ou algo assim, mas que tentamos fazer algo que não fosse só um filme genérico de ação. Colocamos nossos corações e almas nele.
Como é sua carreira na Suécia? Você ainda faz filmes lá, não?
Não, faz uns dois anos que não faço filmes lá. Decidi dar uma pausa por um tempo. Fiz apenas algumas sequências de filmes, como Easy Money: Hard to Kill (2012), foi uma série de trabalhos pequenos em um curto período de tempo. Era um daqueles compromissos já assumidos, porque se não fosse eles não fariam a continuação e tinha muitos amigos que eram atores nesses filmes. Então, se não estivesse lá, seria visto como se tivesse ficado um esnobe bem sucedido, ao mesmo tempo que dez amigos meus ficariam sem emprego no verão! Então pensei que não podia fazer isso.
E você voltou também para participar do Millennium: Os Homens que não Amavam as Mulheres (2011), não?
Eu tenho um papel enorme nesse filme (risos)! Se você piscar, é capaz de não me ver. Eu filmei por apenas dois dias, e acho que apareço em cena por 1,4 segundos. Na verdade, fui escalado para o segundo e terceiro filmes, mas o David Fincher decidiu que queria apresentar o personagem já no primeiro episódio, e tê-lo no mesmo universo, caso alguém fosse assistir os três filmes de uma vez, faria sentido. Mas não ouvi mais nada sobre isso.
A Rooney Mara disse que as sequências não vão acontecer.
É, se fossem acontecer, acho que já teriam feito.
Foi anunciada uma nova temporada do seriado The Killing. Você está pronto para parar com o The Killing se o estúdio quiser fazer um novo RoboCop?
Na verdade, vou fazer os seis últimos episódios, a gente vai terminar a série.
Vai ser para o Netflix, certo?
Sim, e serão só mais seis episódios e é o fim da série. Então é fácil.
Você prefere trabalhar em filmes ou na televisão, ou não importa?
É o material que importa. Sou inquieto e quero fazer vários personagens, então em séries de televisão é um compromisso longo, você fica nelas por seis meses e, apesar de a história poder ser melhor desenvolvida na televisão, os arcos dos personagens são mais longos e tem um ritmo próprio, pode ser um pouco cansativo… Para mim os filmes são mais do meu temperamento, gosto de fazer tudo e cada cena é uma grande decisão para o personagem. Na televisão é mais lento. E como espectador, se você vê o Walter White (de Breaking Bad), e o que ele fez com esse personagem, a sua transformação é tão crível, é uma pessoa completamente diferente no final do que era no começo. Você não pode fazer isso em um filme, não tem como fazer isso em duas horas. Mas ao mesmo tempo, aprecio mais isso como espectador do que como ator.
Com quais diretores você gostaria de trabalhar?
Gosto de trabalhar com diretores que se interessem por atuação, mas que também tenham um sentido visual forte. Demorou um pouco para eu entender o poder da linguagem visual da câmera, e compreendi que se você filma algo, com dois atores em cena, de uma maneira entediante, com câmera estática, e uma luz ruim e se filma a mesma coisa com uma boa iluminação, a atuação vai parecer melhor. Vai parecer que essas duas pessoas estão mais vivas do que da outra maneira. Então é isso que amo nos filmes, é uma arte coletiva, e todas as peças precisam se unir. Por isso tento encontrar diretores que se interessam na minha parte do trabalho, mas que tenham uma visão do todo.
Qual seu próximo projeto?
É o The Killing, e depois estou tentando decidir.
O José Padilha fala muito sobre o roteiro e você também. Você acredita que o RoboCop é o futuro da segurança?
Acho que vamos ter a tecnologia para fazer isso. Mas não é porque podemos fazer algo que devemos fazê-lo. Tomamos muitas decisões assim, com a tecnologia em uma curva exponencial. Acho que o Verhoeven tinha uma ideia e nós construímos sobre ela, da automação da violência com relação ao fascismo. E quanto mais longe for a decisão sobre o impacto da violência, maiores serão as conseqüências para a sociedade. Quando um policial faz um erro, agora, é difícil condená-lo por isso, é difícil encontrar provas e, principalmente se os problemas são sistêmicos, é mais complicado ainda fazer alguma diferença. Quando você tira o componente humano e tem apenas uma corporação que programa máquinas para tomar essas decisões, não consigo pensar que isso não vá levar a uma sociedade controladora, onde os cidadãos comuns serão vítimas dessa realidade e que as pessoas que ganham dinheiro com ela irão ganhar muito dinheiro controlando os cidadãos. Acho muito perigoso.
(Entrevista feita ao vivo no Rio de Janeiro no dia 18 de fevereiro de 2014)