Gaúcho de Porto Alegre, Jorge Furtado nasceu no dia 9 de junho de 1959. De formação parcialmente autodidata, chegou a frequentar os cursos de Medicina, Psicologia, Jornalismo e Artes Plásticas – sem ter completado nenhum, no entanto. Começou a trabalhar cedo, no início dos anos 1980, na TV Educativa RS. Foi quando criou o programa Quizumba, em 1982, que misturava ficção com documentário, numa linguagem bastante ousada para uma emissora de televisão pública da época. Ao lado de José Pedro Goulart e de Ana Luiza Azevedo, fundou em 1984 a Luz Produções, quando realizaram seus primeiros curtas e até peças de teatro, além de se envolverem também com publicidade. Foi em 1987, no entanto, que o grupo deu seu passo mais ousado: a criação da Casa de Cinema de Porto Alegre, empresa da qual é sócio até hoje. Ali já realizou muitos outros curtas, programas de televisão e cinco longas-metragens – o sexto deve sair até o final deste ano. O mais recente destes trabalhos é o documentário O Mercado de Notícias, que chega agora aos cinemas de todo o país. E foi durante o lançamento desta premiada produção que o cineasta conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
Afinal, o que é o mercado de notícias?
O mercado de notícias é… bom, essa não é uma resposta fácil. Primeiro, é importante discutir o mercado em si, e não apenas o filme. Afinal, trata-se de um grande mercado, de uma mercadoria valiosíssima, que é a informação. Desde que ela começou, ou mesmo antes, quando existia na forma de manuscritos, ou quando explodiu a difusão de informações pela imprensa pelo século XVI, ela virou uma mercadoria valiosíssima – é a de maior valor! Nestes 400 anos o mercado de notícias cresceu e se valorizou constantemente! Com a internet veio outra revolução, e foi pensando nessa diferença que me motivou a linkar no filme a peça com as entrevistas. O Mercado de Notícias é uma tentativa de valorizar o jornalismo, a importância desta atividade. Com o advento da internet ficou parecendo tudo muito fácil, teve gente que chegou a dizer que o jornalismo iria acabar, hoje em dia todo mundo tem facebook, twitter, e tudo virou notícia. Os próprios jornais estão cheios de colunistas, é tudo opinião, mas onde se encontra a informação pura e verdadeira? É por isso que penso totalmente o oposto, creio que agora, com esse furacão de informações, mais do que nunca precisamos do profissional experiente, de critérios, numa tentativa quase básica, de volta às origens. O que é um jornalista, o que faz um jornalista? É isso que buscamos com este filme.
Há várias entrevistados em cena. Houve quem não quisesse falar e quem rendeu mais do que o esperado?
Olha, teve. Teria muito mais gente para convidar, é claro, afinal todo veículo tem ótimos jornalistas. Por isso tive que estabelecer um parâmetro: mesmo número de atores e de jornalistas. A peça tem 36 personagens, depois diminui para um elenco de 14 pessoas. Após muita pesquisa descobri que a trupe do Ben Jonson tinha mesmo um número limitado de participantes, então daria para fazer uma peça com esta quantidade. E isso era preciso, até para todos pudessem falar de forma razoável. Tiveram dois casos de convidados que se recusaram. Um foi o Elio Gaspari. Ele não aceitou, mas foi muito gentil conosco. Disse que nunca dá entrevista – e é verdade, não encontrei nada sobre ele do gênero – mas agradeceu o convite e tal. O outro foi o Caco Barcellos, que até aceitou, mas não deu certo nosso encontro. Estávamos no Rio de Janeiro esperando por ele, mas o voo dele atrasou, estava vindo de Pernambuco, onde estava fazendo uma matéria. Acabou que nos desencontramos e não tivemos como agendar uma outra data. Foram os únicos casos, os outros todos aceitaram.
E como foi feita a seleção destes profissionais?
Estabeleci como critério que deveriam ser todos da área de política, hard news mesmo, da correria diária. E tinham que ser conhecidos nacionalmente, com atividade de repercussão nacional. Mas, em última instância, convidei quem eu leio, respeito, e gosto. São pessoas de vários veículos diferentes, e todos eu já conhecia a admirava o trabalho deles. Me surpreendi com o Jânio de Freitas, a conversa com ele foi particularmente muito boa. Na verdade várias delas renderam mais do que o esperado, com o Geneton foi a mesma coisa. Com ele tive cerca de uma hora e meia de entrevista na íntegra! Fiquei muito feliz com o resultado! O único porém foi descobrir que sou um péssimo entrevistador! Eu falo demais, em alguns casos mais até que os entrevistados! Foi um parto editar tudo e tirar as minhas intromissões (risos). Mas foram conversas informais, leves, sempre com bom humor, pois esse é o meu estilo.
O filme se completa também no site oficial. Lá é possível assistir às versões integrais tanto da peça quanto das entrevistas. Essa era uma proposta desde o princípio do projeto?
Desde o início o projeto sempre tivemos isso em mente. Entrevistar estes jornalistas e usar apenas quatro minutos? Seria um desperdício! E teve também toda a pesquisa, estou envolvido com este filme desde 2006, foram oito anos de estudos! Tinha que ter um jeito de disponibilizar todo esse material. Portanto, espero que o filme sirva para isso também, que leve as pessoas para o site e descubram tudo que temos por lá. A pesquisa sobre a peça, por exemplo, está toda está lá! E continuamos atualizando, regularmente. O filme precisava ter uma data de fechamento, mas o site segue vivo, estamos acrescentando coisas novas a todo instante. Ontem mesmo li uma entrevista inédita na FLIP que achei genial e vou colocar no site do filme, porque fala algo que é muito interessante! É um material sobre o jornalismo estar vivendo um momento de ouro, uma visão otimista, bem o que penso também. Agora é a hora do jornalista sério e comprometido, pois assim que passar a poeira dessa bagunça que a internet proporcionou e as coisas ficarem mais sedimentadas, vão sobrar somente aqueles que são bons, que verificam fontes, que assumem quando erram e se corrigem. São coisas que parecem básicas, mas que foram meio que abandonadas em vários momentos. Esquecem do fundamental! E é mais ou menos isso que o filme e a peça discutem!
Como você descobriu a peça The Staple of News, do Ben Jonson?
Fiquei muito impressionado com o texto, encontrá-lo foi decisivo para a realização do filme! A primeira referência que me deparei foi no livro Uma História Social da Mídia, de Asa Briggs e Peter Burke! Estava interessado pelo tema que buscava material que me ajudasse a fazer o filme, então fui ler esse livro que falava sobre o Ben Jonson… mas que peça era essa, e com esse título? E de 1625! O primeiro jornal inglês era de 1622! Era tudo muito intrigante. Não tinha tradução para português, então nos encarregamos também dessa tarefa… foram 3 anos traduzindo! Jonson é mais complicado que Shakespeare! Ele era cronista, um certo jornalista num sentido mais genérico. O teatro tinha uma função de crônica naquela época, as pessoas iam ao teatro para saber o que estava acontecendo! Shakespeare falava de reis da Dinamarca, de apaixonados na Itália, mas Jonson escrevia sobre a Londres daqueles dias! Não à toa foi preso várias vezes! Quando o jornalismo começou, ele quis criticar isso. As notícias chegavam, mas misturadas com ficção, eram inventadas! Alguém tinha que separar o que era verdadeiro e o que era pura fantasia! As pessoas escreviam qualquer coisa, sem saber o que era real ou não. Bem o momento da separação em ficção e não ficção. Mais ou menos como ocorre hoje.
Há algumas passagens no filme com forte conotação política. Elas podem render uma repercussão especial, ainda mais em ano de eleições. Essa intenção é proposital?
Digamos que é médio proposital. Fiz o filme em outubro do ano passado, quando tinha que entregar o projeto, ou seja, um ano antes das eleições. Queria ter lançado antes, até, mas a finalização tomou mais tempo que o esperado, e depois veio a Copa do Mundo, e acabou ficando para agora. Mas acho bom, em eleições precisamos nos ligar mais ainda no que está acontecendo. É importante ficar atento para as notícias. É um momento em que a imprensa se radicaliza, extrapola, ignora preceitos básicos e deixa de fazer jornalismo para fazer política! Espero que dessa vez seja menos radical, porque em anos anteriores virou uma grande bagunça. Imagino que vá melhorar, mas não tenho certeza. Acho importante que as pessoas percebam essa manipulação, pois a notícia é sempre contra alguém, tem que estar atento sobre quem está por trás e porque estão dando essa informação. Se o filme tem uma mensagem, é: se você não está em dúvida, é porque foi mal informado! Tem que questionar a informação. O leitor tem que se perguntar! O que antes as pessoas diziam “vi no jornal, na tv”… imagina na internet, onde qualquer um publica o que quiser! Verificar a origem, a qualidade da informação, é fundamental!
O Mercado das Notícias foi premiado no CinePE e exibido no É Tudo Verdade. Como tem sido a recepção ao filme até o momento?
Até agora tem sido muito boa, algumas exibições foram bem emocionantes. No É Tudo Verdade o público discutiu bastante, percebi uma verdadeira ligação com o filme. E no CinePE foi incrível! Aquele cinema é enorme, tem dois mil lugares, foi ótimo termos ido, e ganhamos os dois prêmios de documentário: Melhor Filme do júri oficial e do júri popular. Mas fizemos também sessões no Rio de Janeiro, em uma sala mínima, só para convidados, estavam o Caetano Veloso, o Jânio de Freitas, o Geneton… Rendeu um debate bacana. Pra quem gosta de jornalismo, política, teatro. Não espero que seja um estouro de bilheteria, nem era essa a intenção, mas torço para que o filme seja útil, durável. Renda. Que gere debates em universidades. É bom para estudantes, jornalistas. Descobri um negócio interessante, o Nassif fala disso na entrevista dele, que são ‘os sem mídia’, aqueles que não encontram espaço na imprensa. E os jornalistas são sem mídia! Não tem onde falar sobre o jornalismo, uma coluna, um veículo, nada! Onde se discute? Um tema tão vital, faz parte da nossa vida, do dia a dia, a democracia depende inteiramente, e o debate é praticamente interditado. Há o ombudsman da Folha de SP, o Observatório da Imprensa… e quem mais? Claro, é complicado, afinal ninguém quer de si próprio, e nem dos outros!
Como tem sido a reação dos próprios entrevistados?
Os entrevistados estão gostando bastante! Fiquei meio assim com alguns, me correspondo com todos eles até hoje, trocamos e-mails. Tive uma sessão na ABRAJ – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, e alguns deles estavam lá, e foi ótimo. Afinal, estavam se vendo numa tela grande pela primeira vez em muitos casos. O entrevistado tem que ter uma confiança em quem faz a entrevista, e consegui estabelecer isso. Como resultado estão todos muito felizes, satisfeitos com o filme!
O que esperar do público agora que o filme está entrando em cartaz?
Eu acho o seguinte: O Mercado de Notícias tem uma qualidade, que é ser totalmente diferente de qualquer coisa que as pessoas já viram. E um documentário muito especial. Espero que as pessoas se surpreendam. Acho que o cinema brasileiro, com honrosas exceções – e sempre há boas exceções – ficou dividido em duas categorias: os filmes que o público esqueceu de ver, e aqueles que espectador esquece que viu! De um lado estão os títulos de festival, voltados para um público fechado, e do outro as megabilheterias, que esquecemos logo porque são muito bobos! Nesse sentido, espero que o nosso filme seja relevante e faça diferença pra quem viu! Se interessem pelo assunto e lembrem dele.
Você já está com um novo filme engatilhado. O que pode adiantar sobre o Beleza?
O Beleza tá praticamente pronto, estamos fechando a trilha sonora, e estou bem feliz também com ele. Deve estar pronto em outubro, mas o lançamento não sei ainda se será nesse ano ou começo de 2015. Foi um filme ótimo de ser feito, um desafio total, afinal estava trabalhando com drama pela primeira vez, nada de comédia, e são pouquíssimos atores. Um trabalho muito bacana, e a Adriana Esteves, o Vladimir Brichta, até o Francisco Cuoco. Uma turma que ficou muito unida, todos empenhados em termos o melhor filme possível. E acho que conseguimos!
Você também é responsável pelo roteiro do Boa Sorte, longa da Carolina Jabor que foi premiado recentemente no Festival de Paulínia…
Esse foi o seguinte, tinha escrito esse conto tempos atrás, já nem me lembrava dele. E a Carol surgiu pedindo para filmar, que tinha amado o texto e tal. Achei que ela faria um filme melhor que eu, e por isso a incentivei. Já tinha escrito, não tava tão empolgado e transformar essa história em cinema, a paixão dela pela história era maior que a minha. Então… Vai em frente, Carol! Chamei o Pedro, meu filho, para me ajudar no roteiro, e ele deu uma visão mais jovem, fez pesquisa, foi nas clínicas, acrescentou essas coisas de vivência real. E a Carol trouxe o lado mais feminino, o ponto de vista da Judite, que se aliou ao garoto do conto. E a Deborah Secco se puxou total, se empenhou muito, estudou, emagreceu… ainda não o vi finalizado, mas o assisti quando estava quase pronto, num dos primeiros cortes, e fiquei muito satisfeito. É um longa triste, mas muito romântico!
(Entrevista feita ao vivo em Porto Alegre no dia 04 de agosto de 2014)