Fernando Teixeira é um homem das artes. Nascido na Paraíba, precisamente na cidade de Conceição de Piancó, ele se mudou no começo dos anos 1960 para São Paulo com o intuito de estudar música. No entanto, já na capital paulista, o teatro lhe seduziu. Fernando frequentemente cita o Teatro Oficina como essencial para alimentar sua paixão que dali para adiante se intensificou. Ainda nos anos 1960, retornou para seu estado natal, onde fundou uma companhia de teatro e deu o impulso necessário para uma carreira de 50 anos dedicada à representação. Em King Kong en Asunción (2020) – premiado na Mostra Competitiva de Longas Brasileiros como Melhor Filme, Ator (Andrade Júnior), Trilha Musical e Júri Popular no 48º Festival de Cinema de Gramado – ele interpreta o Barbeiro, o melhor amigo do protagonista. É com o personagem dele que o matador vivido por Andrade Júnior tem sua última farra. Conversamos remotamente com Fernando Teixeira para saber um pouco mais sobre os bastidores e a experiência de ter participado desse filme de Camilo Cavalcante. O resultado você confere com exclusividade a seguir:
Como foi rodar esse filme e, principalmente, a sua parceria de cena com o Andrade Júnior?
Rapaz, foi uma experiência fantástica, até porque com esse filme eu me internacionalizei (risos). Fizemos ele no Paraguai. Aliás, de antemão quero dizer que fiquei impressionado com o país. O povo é super educado, tem um respeito imenso pelas pessoas. Uma coisa que também achei lindo é que a cidade na qual filmamos não tem semáforos, ou seja, todos respeitam os limites. Agora, falando do filme em si, foi massa. Não conhecia o Andrade Júnior, só tinha ouvido falar dele. Fiz alguns filmes em Brasília e lá falam muito dele. Era uma pessoa maravilhosa. Senti muito por ele não ter visto o maior dos seus trabalhos. Ele era um cara suave, nos demos super bem.
E quem é esse Barbeiro, figura digna de tanta confiança do matador desconfiado, ao ponto dele deixar o amigo colocar uma navalha em seu pescoço? E num road movie?
Existe até uma piada sobre essa situação, de que o Velho poderia estar segurando o revólver por debaixo do pano, como num faroeste (risos). Fico espantado como Andrade Júnior, naquela idade, teve uma disponibilidade tão absurda de ficar o tempo todo andando. Os locais eram muito áridos. E por mais que haja montagem, aquelas caminhadas existiram. Tivemos momentos maravilhosos de trabalho. Além disso, tivemos uma sintonia ótima, algo vital porque houve muito improviso, como naquela cena do carro. Não sabíamos o que ia rolar. Andrade era muito gozado. Ele não decorava texto. Dizia: “o menino me diz o que tem de fazer e eu faço” (risos). Era uma grande figura.
E o trabalho com o Camilo Cavalcante? Ele é o tipo de diretor que dá liberdade ao ator?
Foi ótimo. Não o conhecia pessoalmente. Camilo é muito interessante como diretor, pois ele dá certa segurança e liberdade para você fazer além do que está no texto. É maravilhoso trabalhar com quem é capaz disso. Ele é uma grande cabeça, um cara muito legal de convivência. Ficamos bastante amigos durante as filmagens. Andávamos juntos nas folgas, tomamos umas cervejas (risos). É uma pessoa que tem um ritmo de cinema muito interessante.
E como você tem visto a descentralização do cinema brasileiro, já que antes ele era muito sudestino e agora vivencia um crescente protagonismo nordestino?
Estou começando uma pesquisa em cima de uma ideia minha de que o Brasil não conseguiu sair daquela lógica das capitanias hereditárias. Estamos no mesmo processo. E isso é uma coisa que incomoda profundamente. Os interesses dos coronéis e das pessoas que estão à frente do poder se perpetuam na política. Virou um vício. Aqui na Paraíba, recentemente durante a campanha eleitoral, um dos candidatos a prefeito de uma cidade disse que não entrou na política para ficar pobre. E ele não falou nada de novo. Quando começamos a crescer, sempre vem algo para nos frear. Minha visão política vem desde meus nove anos, quando eu estava indo para o colégio e uma pessoa me disse que não teria aula porque Getúlio Vargas tinha se suicidado. De lá para cá os Getúlios aconteceram muito. Uns não se suicidaram, outros disseram besteira, alguns fizeram loucuras e houve ainda os traídos colocados para fora. Quando vemos o cinema nordestino ganhando uma cara, o Brasil toma esse rumo de retrocesso.
E aí vem o medo de que tudo regrida…
Pois é. Quando começamos a nos mostrar, a sair, a ter um momento, sempre tem esse tipo de coisa acontecendo. Mas, o cinema paraibano tem uma tradição forte, embora fosse uma coisa mais espaçada. Sou do teatro. E desde muito tempo há essa ideia de que o povo da Paraíba é bom no teatro. Para você ter uma ideia, existe uma cidade aqui que se chama Cajazeiras. Nela, tinha um padre que foi o esteio da cultura no estado. O Padre Rolim abriu uma escola e ia na casa dos coronéis pleiteando que as crianças fossem colocadas para estudar. Hoje, no teatro paraibano, num elenco com 10 pessoas, cinco são de Cajazeiras (risos).
Como você tem percebido o cenário da arte nesse contexto de pandemia e crise institucional no Brasil?
Terrível. Crise grande. Aqui o governo do estado criou uma lei, junto com a Aldir Blanc, e isso gerou certo movimento. Temos feitos alguns curtas. Existe um pessoal de Campina Grande e João Pessoal que toca um projeto chamado Cinema no Meio do Mundo. É aquilo de cinema relâmpago, de montar rapidamente uma estrutura e exibir filmes. Já sobre filmagens, fiz com o Valério Fonseca um longa. Ele já tinha material, mas tínhamos de filmar para concluir. O que era para fazer em 15 dias, fizemos em cinco. Rodamos num sítio, numa casinha pobre, uma história maravilhosa. Eu e Zezita Matos. É um filme precário, mas contextualmente muito interessante. Vi já algumas coisas prontas e o resultado é incrível. É uma luta. O sufoco é e está sendo grande. Um estado como a Paraíba não pode manter a cultura de modo independente. Pelo menos o atual governador daqui é sensível. Esperamos para ver o que se modifica no Brasil.
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