La Cama (2018) chega aos cinemas brasileiros chancelado por prêmios em festivais importantes, como os de Melhor Diretora Argentina (Mónica Lairana) e Melhor Atriz Argentina (Sandra Sandrini) no Mar Del Plata International Film Festival de 2018. Distribuído por aqui pela Livres Filmes, o longa-metragem fala de um desmonte físico e emocional. Depois de mais de 30 anos de casamento, um homem e uma mulher empacotam objetos acumulados durante a vida a dois, a fim de desocupar a casa que não mais os abrigará. O amor permanece, mas o relacionamento acabou. A cineasta argentina Mónica Lairana faz com ele a sua estreia na seara dos longas-metragens, mas é uma profissional de cinema tarimbada. Antes, dirigiu alguns curtas e acumulou larga experiência como atriz. Entrevistada interessada, daquelas que estabelecem uma ponte efetiva de diálogo e demonstra vontade de mergulhar nas questões propostas, ela nos recebeu numa tarde ensolarada no Rio de Janeiro, onde estava para participar das sessões de pré-estreia de La Cama. Este Papo de Cinema exclusivo você confere agora.
Qual foi o grande desafio na realização deste filme, visto que é seu primeiro longa-metragem?
O maior desafio foi encontrar um equilíbrio entre escutar a opinião das pessoas que me cercavam e respeitar as minhas decisões. Nos meus curtas-metragens, iniciei um caminho estético, um modo de filmar e narrar as histórias que me interessava continuar. Era um risco, porque os curtas te dão uma liberdade criativa diferente que, às vezes, não cabem nos longas. Então, o maior desafio foi realmente tomar a decisão de seguir por esse lugar, aprofundar questões que a mim interessam por meio de um cinema calmo, de ficção, mas com tipo de sensibilidade parecida, ou pelo menos que acredito parecida, com o documentário de observação. Não queria colocar todo peso narrativo nos diálogos, desejava utilizar os corpos dos personagens nesse sentido. Digo que é como retratar alguém, não exatamente como fazer um retrato. Há diferenças sensíveis.
De onde surgiu a trama? Parece haver uma necessidade de contar essa história…
É muito simples a resposta (risos). Me separei depois de oito anos de relação e experimentei uma dor profunda, como nunca tinha acontecido na minha vida. Tenho pais vivos, então não tinha sentido um baque desse tamanho. A situação me impactou a tal ponto que tive, realmente, a necessidade de fazer esse filme para exteriorizar. Me questiono permanentemente em que lugar colocamos as relações humanas atualmente. O filme surge para falar em voz alta disso. Conferimos pouco espaço à construção sólida de uma relação, a fim de que ela resista às mudanças. Sinto que perdemos a predisposição a compreender essas mudanças. Estamos tão ocupados com coisas muitas vezes supérfluas… O filme não dá respostas, até porque não as tenho (risos), mas tenta estabelecer uma ponte para que nos perguntemos como lidamos com as relações humanas e em que espaço colocamos o sexo. Sinto que nossos vínculos, não só os amorosos, mas também amizades e relações familiares, têm atualmente algo de volátil.
E como foi a construção da intimidade entre os dois atores, algo essencial para que o filme funcionasse?
Eles não se conheciam. Em primeiro lugar, tenho de dizer que são atores preciosos, com uma maturidade de vida imprescindível para que essa relação fosse tão interessante. Não tive de explicar o sentimento que gostaria de transmitir ou o trajeto emocional. Ambos tinham experiências relacionadas a isso, aliás, muito mais intensas do que a minha. Foi fácil conversar com eles sobre o que gostaríamos de contar. Segundo, tínhamos a clareza da necessidade da construção dessa intimidade entre os personagens. Durante uma semana fizemos uma espécie de treinamento físico, que não tinha a ver com as cenas. Emulamos coisas cotidianas, para que seus corpos tomassem confiança mútua quanto ao toque, ao abraço. Foi algo físico e maravilhoso. Ganhamos ali um terreno muito importante no sentido da parceria. Na semana seguinte ensaiamos as cenas, trabalhamos certas coreografias e determinados pontos que gostaríamos que eles alcançassem. Entre esses dois estágios, se construiu uma confiança para que Sandra e Alejo pudessem adentrar nessa intimidade. Para mim foi importante transmitir-lhes minha ideia sobre a reivindicação da beleza dos corpos adultos, da sexualidade nessa etapa da vida. Isso também foi debatido amplamente. Não queríamos conservar o tabu, pois ele era justamente o contrário do que eu desejava. Isso, para mim, era uma questão, inclusive, política. Quando chegamos ao set, depois das preparações, estávamos em sintonia com tal ideia. As cenas de sexo foram filmadas sem que tirássemos todos do set, como é bastante corriqueiro. Naturalizamos os corpos e a nudez. Não foi complicado, tínhamos objetivos em comum e nos comportávamos como uma grande família.
A casa é o terceiro personagem. Desenha-la foi tão trabalhoso quanto parece?
Sim, trabalhamos muito. Me reuni com as diretoras de arte e disse a elas exatamente o que você disse, que a casa é o terceiro personagem. Assim como esse casal, ela tinha de passar por uma transformação emocional, atravessar etapas de crise, de ordem e caos. Toda a informação relativa ao passado desse par é narrada através da moradia, dos pequenos objetos que descobrimos ao longo do filme. Ambientamos esse espaço completamente, do zero. Escolhemos com muito amor e atenção cada objeto de cena. Não foi rápido e nem tampouco um processo do qual me desliguei. Fui junto comprar essas quinquilharias. Buscávamos uma espécie de beleza do feio em antiquários e no Exército da Salvação. Então, esse garimpo foi delicioso. Trabalhamos com a ideia de acumulação. Era importante que no filme existisse a atmosfera claustrofóbica por conta da acumulação visual de objetos. Na vida, juntamos coisas inúteis, mas que possuem carga afetiva. O momento em que a gente entende isso é nas mudanças. Aliás, não sei se você percebeu, no filme o embrulhar demora, justamente porque há o acesso da memória que aquilo propicia.
Por que a opção de planos muito longos e da câmera imóvel?
Em primeiro lugar, porque sempre imaginei esse filme como se ele conferisse ao espectador a oportunidade de, durante 90 minutos, espiar seu vizinho, a intimidade de alguém. Se os recursos cinematográficos estivessem tão visíveis, essa sensação se perderia. Todas as decisões que tomei se relacionam com essa vontade. A câmera está majoritariamente fora dos cômodos, como que espiando as pessoas. Os planos longos trazem a sensação de acompanharmos algo real. O tempo não é manipulado pelo cinema, assim se assemelhando ao da vida. A fotografia não intenta embelezar as coisas, mas aproximar-se também do real. A ideia era construir uma verossimilhança.
(Entrevista concedida ao vivo, em abril de 2019, no Rio de Janeiro)
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