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No 30º Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema, Lázaro Ramos foi homenageado com o troféu Eusélio Oliveira pelo conjunto da carreira. A emocionante retrospectiva acompanhou desde os primeiros passos do artista baiano, em Madame Satã (2002) e O Homem que Copiava (2003), por exemplo, até os dias atuais, passando pelos trabalhos marcantes em Cidade Baixa (2005), Saneamento Básico, O Filme (2007), Tudo que Aprendemos Juntos (2015) e O Beijo no Asfalto (2018).

Apesar das dificuldades do cinema brasileiro em 2020, o ator se encontra numa ótima fase. Ele concluiu seu primeiro projeto enquanto diretor, o ainda inédito Medida Provisória (2020), e exibiu no Cine Ceará seu novo filme como protagonista, o suspense O Silêncio da Chuva (2019). Adaptado do livro de Luiz Alfredo Garcia-Roza, o filme dirigido por Daniel Filho apresenta o policial Espinosa (Lázaro Ramos), um sujeito introvertido e apaixonado por filosofia, investigando o assassinato de um empresário no Rio de Janeiro. O grande elenco também traz Thalita Carauta, Cláudia Abreu, Mayana Neiva e Otávio Müller em papéis de destaque.

O Papo de Cinema conversou em exclusividade com o ator durante o festival, via Internet:

 

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Como construiu o policial tímido e intelectual?
É engraçado, mas acho que vou dar a mesma resposta que daria para o meu trabalho em Medida Provisória e Falas Negras: o projeto aconteceu pela minha negativa. Isso tem me acontecido muito nos últimos tempos – talvez seja sinal de algo que ainda não percebi. Em certo momento, pedi ao Daniel para não fazer o filme. Disse que estava com dificuldade de compreender esse personagem elegante, com tanta paixão por livros. Não conseguia encontrar meu pedal como ator. Mas o Daniel, com o jeitão dele, me respondeu: “Imagina, Lázaro, você já está com o personagem no coração. Você sabe como fazer”. Eu tinha lido o livro há muito tempo, porque o Daniel tinha me convidado para fazer essa adaptação há doze anos. Nem pensava que o filme fosse acontecer de fato.
Quando ele me visitou para uma entrevista no programa Espelho, ele me fez dois convites: para fazer o Espinosa, e para interpretar o Roque Santeiro. Quando voltou a me perguntar sobre este primeiro projeto, eu reli o livro e realmente embarquei na trama. Gosto do Garcia-Roza, mas fiquei com dificuldade de compor o personagem. No entanto, quando comecei a atuar, todas as situações davam nobreza ao personagem, e eu o construí a partir dessa nobreza. Eu não tinha percebido isso na leitura, mas na hora de fazer, a ética do trabalho dele foi me conduzindo. Já tinha trabalhado com o Daniel em Sorria, Você Está Sendo Filmado (2014), mas foram apenas quatro dias de filmagem. Eu o conhecia mais como produtor do que diretor, mesmo assim, enquanto diretor, ele te conduz com delicadeza a um lugar preciso. Devo muito ao trabalho dele.

 

O livro foi escrito há mais de vinte anos, mas está adaptado aos nossos dias. Que imagem ele traz da polícia, especialmente no Rio de Janeiro?
Este é um livro contado pelo olhar do Espinosa, pela maneira como ele leva a profissão. Ele decide ser este policial, inspirado elementos de fora para exercer a sua função. Nesta versão do Daniel, no caso, as mulheres se tornam o pilar mais forte da história. Esta é a principal transformação trazida por ele, na minha opinião, o que se traduz na relação de dupla entre o Espinosa e a personagem da Thalita. Ela possui outra maneira de exercer a função, de maneira igualmente eficiente. São duas pessoas que decidiram como conduzir seus trabalhos.

 

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Lázaro Ramos e Thalita Carauta em O Silêncio da Chuva

 

Apesar da tensão, a dupla a Thalita Carauta traz vários momentos de humor à história.
Eu me segurava o tempo todo para não rir dela! O meu problema era esse. A única coisa que eu pedia a Deus nas cenas com a Thalita era para não rir. Eu me concentrava e pedia: “Meu Deus, por favor, faz com que eu não ria para não estragar o plano”! É difícil trabalhar com ela nesse sentido. Às vezes, a Thalita faz alguma coisa pequenininha, mas muito engraçada. Se você perceber, no meu jeito de fazer as cenas, existe uma admiração sincera do Espinosa pela Daia na maneira de resolver as coisas. Este é um pouco do meu olhar de admiração real, do Lázaro para a Thalita. Isso ajudou muito no funcionamento das cenas entre estes dois personagens carismáticos.

 

Qual é a importância de lançar um suspense popular no ano complicado de 2020?
Ele reforça a aproximação que aconteceu durante a pandemia. Neste período, o que as pessoas mais utilizaram para terem refresco e tranquilidade foi a relação com a arte e o audiovisual. Agora, estamos chegando ao cinema, dizendo: “Tivemos que dar uma pausa, mas vamos voltar”. Eu acredito muito na experiência da tela grande. Não queria que ela morresse, nem que a gente desistisse dela. Existe um sentido de convocação do público brasileiro aos cinemas, principalmente com um gênero de que as pessoas gostam: o suspense policial. Existem outras possibilidades dentro do gênero, como o próprio Tropa de Elite (2007), que foi muito bem-sucedido. Nosso filme não tem exatamente o mesmo estilo, mas traz uma história com a qual as pessoas se identificam, e que leva o público ao cinema.

 

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Lázaro Ramos em O Silêncio da Chuva

 

Como avalia a homenagem no Cine Ceará? Ainda tem oportunidades não conquistadas na carreira que espera concretizar nos próximos anos?
O lugar que eu mais tenho sonhos de personagens continua sendo no cinema. A minha trajetória profissional tem sido uma bela surpresa: eu nunca imaginei quando adolescente que pudesse estar nas telas. Mesmo assim, era um grande fã: na época do colégio, eu saía das aulas e ia para o Cinearte. Entrava na sala e assistia a duas, três sessões do mesmo filme, sonhando com aquele lugar. Quando comecei a atuar, eu me questionava se poderia continuar, se existiriam personagens para mim ao longo da vida. Felizmente, esses papéis continuaram existindo. Sonho em fazer mais cinema, contar mais histórias. Essa homenagem representa um reconhecimento pela trajetória, é claro, mas também um incentivo. Esta é uma convocação para a gente não parar – foi assim que eu entendi.
O fato de o festival ser no Ceará tem mais um sentido simbólico: lembro que, quando fiz uma turnê de teatro em 1998, antes de ir ao Rio de Janeiro e fazer meu primeiro filme, tive um dia de folga. Neste dia, fui assistir a um filme no Ceará, e vi um cartaz do Cine Ceará. Pensei: “Vai ter um festival aqui, é uma pena que não vou estar presente para ver os filmes”. Se eu tivesse mais tempo, teria visto algum filme do festival. Estou muito feliz, de verdade, principalmente porque este foi um ano em que todos nós, que trabalhamos com cinema, nos perguntamos se o cinema iria sobreviver, e quando a gente voltaria a trabalhar. A existência do festival neste ano é um sopro de esperança para a gente.

 

Além de Medida Provisória, que outros projetos tem desenvolvido como diretor?
Neste momento, estou com quatro projetos para o cinema, todos eles antigos. Consegui desenvolver dois deles este ano, e a ideia é manter a diversidade de estilos e de temas. Tem uma comédia, tem um filme regional que eu queria muito fazer na Bahia, e outros de estilos variados. Na minha carreira de ator, eu fiz o Foguinho, fiz Madame Satã, Cidade Baixa, Meu Tio Matou um Cara, O Homem que Copiava, O Beijo no Asfalto, eu também gostaria de ter a oportunidade, enquanto diretor, de variar os estilos. Enquanto estreia, Medida Provisória já é uma invenção de estilos, porque começa com comédia, vai para um thriller e termina como drama. Esta é a assinatura que me é possível. Para além do tema, gosto muito de exercitar a linguagem: os próximos projetos nos quais estou trabalhando agora também têm essa característica.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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