Chega aos cinemas nesta quinta-feira, 03, o documentário Luiz Carlini: Guitarrista de Rock (2023), documentário biográfico sobre o brasileiro Luiz Carlini, um dos guitarristas mais importantes do mundo. Contando com depoimentos de personalidades como Erasmo Carlos, Andreas Kisser, Guilherme Arantes, Pepeu Gomes, Supla, Frejat, Thunderbird e Wanderléa, além de testemunhos do próprio Carlini, o longa-metragem distribuído pela Lira Filmes acompanha essa trajetória artística que se confunde com a própria existência do rock no Brasil. Depois de ter gravado um podcast com o próprio Carlini (você encontra o programa no fim desta entrevista), o Papo de Cinema resolveu trocar uma ideia com o comandante da empreitada, o experiente diretor Luiz Carlos Lucena. Falamos com ele a respeito das dificuldades, dos contratempos específicos por causa da pandemia da COVID-19 e também da relação com o biografado vivo que tinha abertura para opinar em aspectos da produção. Esse Papo de Cinema exclusivo você confere logo abaixo.
Como você conheceu o Luiz Carlini? E como foi o começo do projeto do filme?
Conheci o Carlini por acaso, no fim dos anos 1980, por conta das nossas mulheres. Elas trabalhavam juntas numa agência de modelos. Nos cruzamos pela primeira vez num fim de tarde em que fomos buscar as nossas esposas. Mais adiante, ele me levou para um show – não me lembro se era do Cazuza ou do Raul Seixas. Bom, começamos a conversar mais frequentemente e fomos criando uma amizade. Em 2019, estava para sair os editais do PROAC e da Lei Aldir Blanc, aí entrei em contato com ele porque tinha o projeto de fazer um documentário sobre sua vida. Na verdade, eu tinha comentado com ele isso em outros momentos, mas em 2019 pedi autorização para começar e inscrever a ideia na Lei Aldir Blanc. Fomos selecionados e recebemos uma verba pequena que deu, ao menos, para fazer as entrevistas. Conseguimos essas pessoas ótimas que tocaram com o Carlini e que o admiram. Toda essa gente de alto calibre adora a forma como ele toca. Além disso, Carlini é admirado como pessoa. Também pudera, pois é um cara fantástico, um amigo de verdade. Depois, ganhamos um edital de finalização. A distribuidora Lira Filmes se interessou pelo documentário e ganhou um edital para distribuir nosso filme que, então, nasceu vencedor.
Quais são as dores e as delícias de fazer um filme sobre um amigo, com o qual você tem intimidade, mas também sobre um artista contestador que tinha ideias próprias sobre a abordagem?
Com o Carlini você negocia o tempo todo (risos). Mas ele é ótimo, super aberto. Carlini falou a respeito de tudo sem restrições: o começo da carreira, a relação com a Rita Lee, a conexão dele com as drogas nos anos 1970, especificamente o ácido lisérgico que não tinha a ver com a “loucura”, mas com a ideia de expandir a consciência. Claro que há divergências no processo. Agora, por exemplo, ele disse “poxa, você está soltando trechos das pessoas falando, tá entregando o filme todo” (risos). E aí eu explico que são apenas vinhetas, teasers para atiçar a curiosidade e levar as pessoas ao cinema. Temos discussões profissionais super saudáveis, até porque ele não tem essa visão mais comercial. Precisamos pensar em estratégias para que o filme seja visto nas telonas. Ele está super feliz, pois o Brasil inteiro está fazendo contato pedindo para ver o documentário e estamos super felizes com isso.
O filme foi produzido e rodado no cenário da pandemia. O quanto isso complicou o processo?
Ganhamos o edital e no mês seguinte foi decretada a pandemia. Não tinha ideia de como continuaria o projeto. Mas, quando chegou a hora de arregaçar as mangas, alugamos um teatro e a equipe seguiu todos os protocolos sanitários recomendados. Por exemplo, antes de todas as gravações a equipe inteira era testada. Porém, havia pessoas impossibilitadas de se deslocar, como o Erasmo Carlos, aí recorremos às entrevistas remotas. Por isso que coloco na imagem as inscrição “Live Zoom”, para ficar claro que a baixa qualidade da imagem é por conta dessa restrição. Tivemos esse problema sério de logística que certamente atrapalhou. Tivemos de mixar as imagens com diferentes qualidades e vindas de suportes distintos.
Como o projeto é pré-pandêmico, o que ele teria se não fosse a existência dessa tragédia sanitária que vivemos recentemente?
Com certeza mostraríamos um grande show do Carlini, que teríamos produzido para gravar as músicas icônicas da carreira dele, tais como “Ovelha Negra” e “Agora Só Falta Você”. Teria mais imagens. Infelizmente não rolou, aí tive de costurar imagens de arquivo e entrevistas. Aparentemente o filme é longo, mas não é, pois tem cerca de 85 minutos. Adoraríamos ter gravado esse show com produção, câmera bem posicionada, iluminação dirigida, essas coisas. Mas, de resto seguimos o roteiro, gravamos em estúdio, utilizamos um esquema de luz direta com fundo preto tradicional e conseguimos fazer nesse formato. A pandemia nos limitou, mas felizmente não nos inviabilizou.
E como foi o garimpo no material de arquivo do Carlini, de uma carreira com décadas?
Uma produtora fez esse trabalho de pesquisa comigo. Tivemos uma pesquisadora dedicada. Nesse processo, havia coisas que o Carlini queria no filme, mas que não me pareciam pertinentes, como uma entrevista dele com o Lobão. O material estava com uma qualidade de imagem muito ruim, então não dava mesmo. Não consegui colocar muita coisa por conta desta fonte e característica: internet e baixíssima qualidade. O YouTube tem um vasto material, mas para não comprometer o filme visualmente abdiquei de um material muito bom. Está aí outra limitação.
Seu biografado está vivo e atuante nos bastidores. Como é encarar esse desafio de fazer um filme sobre alguém cuja trajetória ainda não está encerrada?
Tenho um método de trabalho que remonta ao Cinema Direto. Não tenho essa mania de usar um questionário prévio. Gosto é da conversa. Então, diante do Carlini a abordagem era sempre provocativa, com o intuito de extrair dele essas histórias de diversas naturezas. Por exemplo, decidimos não trazer mais ativamente a Rita Lee para o filme porque no momento da produção ela estava infelizmente muito debilitada, não estava falando com ninguém. Deixamos essa possibilidade de lado até para não expô-la. Já com o Carlini foi tranquilo. Eu perguntava e ele tratava de tentar me responder da melhor forma possível. E ele foi além do que pressupus, sendo corajoso e objetivo. Às vezes ele falava tanto que eu nem cortava, deixava ele contando as histórias e a gente se deleitando.