Dani Nefussi é uma parceira de longa data da diretora Anna Muylaert. Tanto que, no primeiro trabalho das duas juntas, na comédia dramática É Proibido Fumar (2009), ela acabou premiada com o Candango de Melhor Atriz Coadjuvante no Festival de Brasília. E se a parceria está dando certo, por que não repeti-la, não é mesmo? Foi o que aconteceu em Mãe Só Há Uma, porém com um desafio duplo: Dani foi convocada pela diretora a interpretar duas personagens diferentes: Aracy e Glória, as duas mães de Pierre – ou Felipe – o protagonista do filme, um menino que foi roubado dos pais por uma enfermeira quando era ainda um recém-nascido, e só na adolescência descobre a verdade. Por este trabalho impressionante, foi indicada a Melhor Atriz Coadjuvante no 22o Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro. E aproveita, agora, para conversar um pouco melhor sobre ele com o Papo de Cinema. Confira!
Não acredito que é a mesma atriz que interpreta as duas mães. Confesso que não a reconheci ao assistir ao filme.
Puxa, muito obrigado! Fico muito feliz quando me dizem isso. A Anna queria que sumisse a atriz, que não desse pra perceber, mesmo. Mas não tive essa preocupação, confesso. Foi tudo muito natural. Tive uma caracterização, é claro, com as perucas, as casas onde as personagens moram. Mas estudei muito a história real do Pedrinho, esse menino que passou por esse trauma terrível. As duas mães eram completamente diferentes, com histórias bem distintas. Foi a partir disso que comecei a desenhá-las na minha mente. Comecei pela minha relação com o Naomi, e construímos juntos. A primeira é muito apaixonada, é uma mulher intensa, física. Esse foi o meu ponto de partida. Já com a segunda mãe o centro era o mesmo, havia esse amor pela mesma pessoa, só que a forma dele ser expresso era totalmente diferente, ao menos como era recebido pelo filho. Não vou pela construção interna, e mais pelas relações. Era o mesmo amor, com a mesma intensidade, só que expressado e recebido de modos completamente distintos.
Qual das duas foi mais difícil para você?
A segunda, a biológica, com certeza. A primeira, ao menos para o ator, por ser uma pessoa malvada, com um desvio patológico, sempre desperta mais atração. E tem outra coisa: ao menos no filme, essa, como é menos desenvolvida em cena, chegou mais fácil, A segunda, com aquele sentimento de perda do filho, era muito grande para lidar. E, para mim, era difícil de imaginar, ainda que eu seja mãe também. Pensa só, o vazio dos 17 anos, tendo que superá-lo todo de uma só vez. A tendência da personagem boazinha era ser chata, e tinha que lidar com isso. A primeira era divertidíssima, a outra eu nem sabia quem era! A situação da mãe biológica do Pedrinho era, por outro lado, até mais fácil de entender, pois tinha como base os 17 anos que ela passou escrevendo cartas para ele. Visitei psiquiatra, conheci outras mães em situações similares. Porém, quando o Naomi olhou pra mim, com aquele olhar de não ser reconhecido, a dor da mãe biológica aflorou. Era um sentimento mais difícil, mais complicado de imaginar, justamente por ser mais dolorido.
Você tem uma boa parceria com o Matheus Nachtergaele no filme. Como foi trabalhar com ele?
Essa foi a segunda vez que sou casada com o Matheus! A primeira foi no teatro, na peça O Livro de Jó, em 1995, quando nós dois estávamos no Grupo Teatro da Vertigem. Ele era Jó, o protagonista, e eu a mulher, com dez filhos! Tínhamos sido casados e perdido essas crianças, então havia, também, muita dor envolvida! Quando fui chamada para o filme, no entanto, nem pude ensaiar com ele. Por mais sui generis que fosse esse casal, era a segunda vez que ele acontecia, então a preocupação era menor. Entrei uma semana antes do início das filmagens, para ter ideia! Fui chamada para fazer a personagem que acabou ficando com a Helena Albergaria, a assistente social. Eu tava muito gorda quando fizemos juntas o É Proibido Fumar, talvez por isso a Anna não tenha pensado em mim de imediato. Só que quando cheguei para ensaiar, encontrei o Matheus, então algo entre nós despertou. E tinha uma outra atriz, que estava tendo dificuldade com as personagens. Então, foi algo muito simples: tira essa e põe a outra! Foi assim que eu virei essas duas mulheres, e parte disso é culpa do Matheus, com certeza.
Qual foi sua reação ao ler o roteiro pela primeira vez?
Nossa, foi muito perturbadora. Na primeira vez em que li o texto, ainda na fase de pesquisas, chorei como louca, do início ao fim! Maternidade é muito importante pra mim, então aquilo acabava me afetando, entende? No entanto, assim que terminei de ler soube com certeza que esses personagens eram pra mim. A certeza veio desde o começo.
Você estreou no cinema com Bicho de Sete Cabeças (2000), da Laís Bodanzky, e este já é o seu segundo trabalho com a Anna Muylaert. É uma preferência trabalhar com mulheres na direção?
Acho que, na verdade, essa preferência talvez seja mais da parte delas por mim (risos). A Laís conheço há muito tempo, é uma grande amiga, fiz também uma pequena participação em Como Nossos Pais (2017), que foi exibido há pouco. As duas me viram no teatro, quando fazia com o Antunes Filho. Elas que me descobriram. E tem essa coisa do palco, de fazer muito teatro, a gente se torna mais experiente, de um jeito ou de outro. E entre mulheres, claro, sempre há uma maior afinidade. Fico muito feliz cada vez que lembram de mim, não posso negar. Mas é muito bom trabalhar com homens, também. Outro filme que fiz há pouco foi o Corpo Elétrico (2017), com o Marcelo Caetano, e foi uma delícia.
Mãe Só Há Uma teve sua estreia mundial no Festival de Berlim. Como foi a recepção por lá?
Foi maravilhosa! A passagem toda por lá foi muito emocionante. A Anna e toda a equipe estavam assustados com o sucesso do Que Horas Ela Volta (2015) havia tido no ano anterior, e estavam preocupados com a expectativa por esse filme seguinte, temiam que se frustrassem. Mas, talvez por ser um filme completamente diferente, tivemos uma recepção calorosíssima. Ter vivido aqueles dias em Berlim foi uma experiência que não esquecerei nunca.
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