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O jovem Naomi Nero vem de uma família de artistas, e o sobrenome já entrega: ele é filho de Ana Nero, atriz conhecida por seu trabalho em grupos de teatro como Folias D’Arte, Crash of Rhinos e Delírio Cênicos.; e sobrinho de Alexandre Nero, galã de novelas da Rede Globo e recentemente visto como protagonista de João: O Maestro (2017). Mas Naomi está pronto para trilhar um caminho próprio. Ao menos é o que se espera a partir de sua estreia na tela grande, como o personagem principal de Mãe Só Há Uma (2016), filme de Anna Muylaert. Por esse trabalho, selecionado para o Festival de Berlim e indicado ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro como Melhor Filme, Direção e Roteiro Original, o jovem foi premiado como Melhor Ator no Festival de Valladolid, concorrendo com nomes de peso, como o argentino Oscar Martinez, por O Cidadão Ilustre (2016), premiado no Festival de Veneza, e o iraniano Shahab Hosseini, por O Apartamento (2016), premiado no Festival de Cannes. Sem falar, é claro, da indicação como Revelação do Ano no 22o Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro. E foi sobre esse trabalho que ele conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!

 

Naomi, como surgiu o convite para ser o protagonista de Mãe Só Há Uma?
Quando fiquei sabendo do filme, eles já estavam fazendo teste há um tempo. Acontece que a Anna (Muylaert, diretora) e os produtores não estavam encontrando o ator certo para o papel. Foi quando o Rene Guerra, preparador de elenco, começou a pedir recomendações para amigos. Eles estavam, literalmente, atirando para todos os lados (risos). E uma dessas amigas é muito próxima da minha mãe, sabia que eu já era ator, e me indicou. Então eles me chamaram, fui até lá, fiz o teste e acabou dando certo. Fiz dois testes, aliás, em dois dias diferentes. Confesso que, nesse primeiro contato, foi até tranquilo.

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Você se identificou mais com o Pierre ou com o Felipe?
Isso foi engraçado, pois os descobri mais ou menos ao mesmo tempo em que ia fazendo o filme. Nunca fui de me preparar muito, sou mais da ação do momento. E eles não chegam a ser dois personagens diferentes, né? Enfim, sou um pouco de cada um deles. Mesmo que o Pierre, por exemplo, seja diferente de mim, ele tem um perfil parecido comigo. A maneira como ele age, como se veste, como se comporta com a família e com os amigos, é um pouco parecido com o modo como eu mesmo acabo agindo. Quando li o roteiro, achei super a minha cara, e fiquei de imediato muito entusiasmado pra trabalhar com essas duas figuras. Foi uma experiência incrível.

 

Então não foi uma surpresa tão grande para você ter que lidar com um personagem como o Pierre?
Não, até por causa do meio em que convivo. Além da minha própria irmã ser transexual – e ela foi responsável por trazer essa questão de gênero para a minha vida, isso ainda bem antes de eu entrar no filme – acho que até mesmo em mim, ou em alguns dos meus amigos, posso dizer que conheço pessoas iguais ao Pierre. Reconheço essas questões de gênero, de uma personalidade ainda em construção. E como disse, vejo até em mim, no dia a dia, esse processo de desconstrução da masculinidade. Sabe aquela coisa de “homem tem que usar isso e aquilo”? Aos poucos vou descontruindo tudo isso em mim. Talvez não com tanta violência, quanto vemos no filme, mas tenho essa liberdade de me explorar.

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Naomi Nero (ao centro), com Dani Nefussi e Matheus Nachtergaele, em cena de Mãe Só Há Uma

O desafio de criar um personagem tão multifacetado foi muito grande?
Sim, com certeza. Senti que esse movimento de não binarismo tomou uma potência muito forte ultimamente, e só agora está se mostrando. Isso foi muito bom para nós, pois veio bem na hora do filme, lidando bem com essa questão. Existia, sim, uma pressão por uma maior representatividade. E, por eu não ser trans, tive um pouco de receio. Mas, afinal, o Pierre não é transexual, ele é uma pessoa que nasceu biologicamente homem, e está se descobrindo. Há um caminho a seguir. Ele, enfim, representa um contexto mais amplo, e é importante falarmos sobre isso.

 

Mãe Só Há Uma teve sua estreia no Festival de Berlim. Como foi a recepção por lá?
Nossa, me senti completamente desnorteado. Foi minha primeira vez no festival, não sabia o que sentir direito. Me senti tão reconhecido, ter meu trabalho aplaudido, foi impressionante. Recompensou tudo, entende? Não só o processo do filme, que foi muito árduo, mas todas as emoções pelas quais passamos. Foi gratificante demais, não dá pra colocar em palavras tudo que finalmente percebi lá. Fui inundado por tanta positividade. No começo, antes de irmos, confesso que estava com muito medo. A expectativa pelo próximo filme da Anna Muylaert, logo após o Que Horas Ela Volta (2015), era muito grande. Então, ter surgido com algo tão diferente, ajudou a aquietar os ânimos. Foi uma sacada inteligente dela, mas, de uma forma de outra, mexeu com todo mundo.

 

Como o filme tem repercutido junto ao público LGBT?
A Dani Nefussi, que interpreta as mães no filme, falava muito a respeito disso. O método da Anna é muito livre, espontâneo, e acaba funcionando como uma faca de dois gumes. Ela tem um respeito muito grande pelo trabalho do ator, com essa necessidade pelo orgânico, pelo natural, e por isso foi mais fácil alcançar o personagem. Conforme a situação, ele ia se montando dentro de mim. O Pierre é um cara que não se define, que foge de qualquer estereótipo, e, talvez, o não-estereótipo seja um ponto forte dele, e um importante elo de ligação com esse tipo de espectador.

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Em sua passagem pelos cinemas, Mãe Só Há Uma gerou muita discussão. Como você percebeu estes retornos?
Pois então, foi possível identificar duas possíveis reações de públicos diferentes. No Brasil a gente tem um pensamento conservador muito grande, uma homofobia misturada com fanatismo religioso, que deixa o país muito atrasado, fechado para essas questões. Este é um país no qual é muito difícil ser aceito pelo que se é. E os dois resultados que o filme gerou, tanto manifestações de apoio quanto críticas fortes, ambos são importantes, pois significa que está sendo visto e discutido. Além, é claro, do acolhimento por pessoas que não se sentem aceitas, que querem ser livres para ser do jeito que quiserem. Sempre torci para que o filme causasse mil polêmicas, pois se o público mais conservador assistir ao nosso trabalho e se questionar, se sentir provocado, então teremos atingido os nossos objetivos!

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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