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Em 103 anos de anos de cinema animação no Brasil, o país produziu apenas cinquenta longas-metragens nesta linguagem. No entanto, cerca de quarenta projetos de animação estão em desenvolvimento neste momento. Quem nos lembra destes dados é Marcelo Marão, animador carioca, estudioso desta forma de cinema e membro da ABCA – Associação Brasileira de Cinema de Animação.

Após realizar quatorze curtas-metragens, incluindo os premiados Chifre de Calameão (2000), a série Engolervilha (2013 – 2016) e Até a China (2015), prepara o seu primeiro longa, Bizarros Peixes das Fossas Abissais. O projeto, cuja finalização estava prevista para o fim de 2020, pode sofrer atrasos no cronograma devido ao isolamento social. O Papo de Cinema conversou em exclusividade com o cineasta sobre os projetos em andamento, a situação específica da animação no Brasil e as diferenças em relação ao live-action durante o período da quarentena:

 

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Marcelo Marão

 

Em que fase se encontra o seu primeiro longa-metragem?
O título completo do projeto é Bizarros Peixes das Fossas Abissais. É longo e esquisito, mas o filme também é esquisito. Este é o ano em que a gente estaria terminando. São quatro anos de produção, o que é um tempo padrão para um longa de animação, seja de baixo orçamento ou um projeto milionário. Nosso filme tem pouca gente – o trabalho de animação no Brasil é feito por neófitos. Quase todo mundo está na primeira experiência em longa-metragem. Até agora, em 103 anos de animação brasileira, tivemos pouco mais de cinquenta longas-metragens. Isso é muito pouco. Na maioria das vezes, quem terminava de fazer um longa de animação morria, não tinha tempo de fazer mais um. Este é o meu primeiro longa-metragem, e a primeira vez que trabalho num longa. Tenho muita experiência com curtas e publicidade, mas o formato do longa acaba sendo mais autoral.

Fiz há pouco tempo um levantamento, e percebi que temos cerca de 40 filmes de animação em produção ou pré-produção – ou estavam, antes da pandemia e deste desgoverno. O que estamos fazendo neste momento representa praticamente o mesmo número de todas as produções de longa em animação até hoje. No Bizarros Peixes, eu dirijo e também animo a maior parte do filme, o que implica numa estrutura diferente de produção. Demoramos a engrenar, a render mais no dia a dia. Há dois anos, quando eu estava no meio da produção, encontrei o Alê Abreu e eu estava bem apavorado, porque nunca atrasei a entrega de nenhum trabalho, mas estava me atrasando em relação ao cronograma. O Alê me disse isso: para o longa-metragem, demora para engrenar, mas quando se encontra a logística, a produção deslancha. Isso inclui coisas simples, como ordenar os arquivos e o sistema de backup. Agora, no começo do ano, tudo estava funcionando melhor, e daria para terminar no prazo. Com a pandemia, continuamos trabalhando, mas de maneira mais lenta. Acredito que isso ocorra com todo mundo, não apenas com a gente.

 

“No começo do ano, tudo estava funcionando melhor e daria para terminar no prazo.
Com a pandemia, continuamos trabalhando, mas de maneira mais lenta”.

 

Toda a equipe segue trabalhando remotamente?
Nos primeiros dois anos, cada um trabalhava de onde estivesse. Como este é um longa bem autoral, eu chamei pessoas que eu admiro pela produção autoral. Eu animo mais da metade do filme, mas a Rosária Moreira, uma realizadora de curtas, fez grande parte da animação mesmo morando no Espírito Santo. O Fernando Müller ajudou muito na animação, morando em São Paulo, e o Wesley Rodrigues, da Argentina, mandava os cenários. Letícia Friedrich, produtora executiva do longa, trabalhava indo e vindo de SP pro Rio. Depois de um tempo descobrimos que, quanto mais presencial fosse o trabalho, melhor seria a organização. Do ano passado para cá, temos trabalhado principalmente de maneira presencial, mesmo que não seja todos os dias. A equipe regular do filme, intensamente envolvida durante a produção toda, não passa de dez pessoas. Começamos a funcionar com todos se encontrando, mas agora, com a pandemia, as pessoas estão nas suas próprias casas. Por exemplo, cada semana eu tenho 500 desenhos que precisam ser escaneados, mas a pessoa que costumava cuidar disso não está aqui. Várias etapas estão mais lentas, e algumas não estão acontecendo. Não sei ainda quando vou resolvê-las.

 

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Bizarros Peixes das Fossas Abissais

 

Você mantém a data de finalização para 2020?
Vai ser difícil. Imagino que a conclusão aconteça no primeiro semestre de 2021. Nem sei como funciona o processo para pedidos de prorrogação, porque nunca solicitei isso para nenhum dos meus curtas. Mas tem uma manifestação coletiva neste momento, porque o que me impede de terminar é um impeditivo para praticamente todos os projetos. Eu continuo desenhando, enquanto isso.

 

Bizarro Peixes se beneficiou de editais específicos para animação?
A classe da animação sempre batalhou por editais específicos, porque existe um volume de materiais, um orçamento e um tempo diferenciados para a animação. Além disso, é importante ter profissionais da área para avaliarem os projetos. Conseguimos algumas vezes, nos últimos 10-15 anos de ABCA, alguns editais específicos, mas a maioria dos filmes que eu fiz foram dentro de editais que abarcavam ficção, documentário e animação. Participei de um edital em que a minha animação era a única entre ficções e documentários. Bizarros Peixes recebeu um apoio para desenvolvimento pela Secretaria de Cultura do Rio, que é fundamental para a animação. É lógico que longas de ficção também demandam muito tempo de preparação de roteiro, mas para a animação, além do roteiro, o storyboard prévio chega a dar tanto trabalho quanto um curta-metragem.

 

“Para a animação, o storyboard prévio chega a dar tanto
trabalho quanto um curta-metragem”.

 

Foi um ano fazendo o storyboard, a decupagem e o desenvolvimento do design dos personagens com o edital. Isso foi fundamental para a gente se inscrever no BNDES, num edital de produção. Estamos produzindo com este edital do BNDES. Além do material que apresentamos, tinha também um storyboard com mil desenhos, o que é pouco para um longa-metragem, e também um teaser de trinta segundos. Eu trabalho com animação tradicional, com lápis e papel, e o filme inicialmente era em preto e branco, mas virou colorido com partes em preto e branco. Quando eu descrevia isso inicialmente, parecia um filme experimental, mas não é. Se eu fizesse em 3D, talvez fosse experimental, porque nunca fiz neste formato. Depois conseguimos mais uma verba da FSA para finalização.

O BNDES, historicamente, sempre foi espetacular no apoio às animações. Mesmo sem ter uma cota para animação, eles sempre selecionam dois longas de animação anualmente. Isso tem sido muito importante. Toda a turma de cinema do BNDES se interessa bastante por animação e costuma participar dos debates do Anima Mundi. Um dos últimos editais específicos para animações que tivemos ocorreu com os curtas-metragens, pelo BNDES. O curta é essencial para oxigenar toda a cadeia de produção de animação. Ele é essencial para a qualidade das produções e para a formação de profissionais.

 

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Bizarros Peixes das Fossas Abissais

 

Como justificaria a quantidade expressiva e atípica de 40 projetos de animação sendo produzidos neste momento?
Foi uma concomitância de vários elementos. Desses 103 anos de animação brasileira, os primeiros 80 anos tiveram pouquíssimas iniciativas, a maioria delas em publicidade. Quando eu era criança, não existia nenhuma série brasileira de animação na televisão, fora algumas iniciativas tímidas. Nos últimos quinze anos, o Anima Mundi se tornou uma janela de exibição: as pessoas podiam enfim mostrar o trabalho que estavam fazendo. Assim, muitas pessoas começaram a produzir animações por conta própria. Na virada dos anos 1990 para os anos 2000, as pessoas não precisavam mais de película, nem de moviola: era viável fazer um filme no computador. Começou então a produção mirando no Anima Mundi e nos outros festivais. Depois de pouco tempo, se tornou comum ter pelo menos uma animação brasileira em festivais. Algumas pessoas passaram a produzir por conta própria, sem dinheiro. Os curtas de animação estavam ganhando festivais, dentro e fora do Brasil, sem nenhum tipo de fomento.

Em 2003 a gente se uniu pela primeira vez enquanto entidade, a ABCA, graças também ao apoio do Anima Mundi. No primeiro ano de instituição, conversamos com o extinto Ministério da Cultura e conseguimos os três primeiros editais, para curta de animação em película, curta de animação em vídeo (DVD, na época) e para desenvolvimento de longa. O volume de pessoas que começou a se interessar por animação foi crescendo, inclusive na publicidade e outros setores que tradicionalmente demandavam apenas trabalho em live-action. Tudo isso ocorreu em paralelo. Até algo que não existia, como a experiência acadêmica na área, surgiu pela primeira vez. Há dez anos não existiam cursos para estudar animação. Os primeiros deles vieram de cinco, dez anos para cá. Era difícil inclusive formar o curso de professores, porque tinham animadores com muito conhecimento na área, mas sem diploma, sem um mestrado ou doutorado na área.

 

“Antes desse desgoverno assumidamente avesso à cultura, o governo anterior
trouxe um ótimo momento para o cinema de animação no Brasil”.

 

Antes desse desgoverno assumidamente avesso à cultura, o governo anterior trouxe um ótimo momento para o cinema de animação no Brasil. Aumentou o volume de produção autoral e de projetos inscritos em editais, mesmo aqueles não previstos para animação. Em 2007 já existia o DocTV, quando se criou o AnimaTV. Era uma época em que ninguém entendia de séries de animação. Esse edital escolheria um projeto de cada Estado do Brasil para fazer um piloto de série de TV. Em paralelo a esse edital, aconteceram várias oficinas pelo Brasil explicando a formatação de uma série. Este foi um pontapé inicial: dos 150, 200 projetos inscritos, cerca de vinte foram selecionados, mas apenas duas séries foram feitas de fato. Cada um dos pilotos virou um material que poderia ser apresentado nas feiras, nos encontros. Tudo cresceu em progressão geométrica.

Eu ficava muito orgulhoso quando via pela primeira vez uma turma se formando na Universidade Federal de Pelotas em animação, ou a primeira turma formada em animação na FAAP. 2005 foi o ano do Brasil na França. É lá que fica o festival de Annecy, o mais importante em animação no mundo. Durante muito tempo, o Anima Mundi ocupou o posto de segundo mais importante do mundo na área, sendo o primeiro em volume de público. Eu fui pra Annecy em 2005 porque teve uma sessão de curtas brasileiros, com um trabalho meu participando. Em 2013, o Luiz Bolognesi ganhou o festival com Uma História de Amor e Fúria, e no ano seguinte o Alê Abreu ganhou de novo o prêmio principal com O Menino e o Mundo. No outro ano, a Rosana Urbes venceu o prêmio de curta estreante com Guida. Quando fizeram esta homenagem ao Brasil, foi quase um Anima Mundi lá, com várias sessões. Eles me fizeram a mesma pergunta: o que está acontecendo no Brasil, que historicamente não tem produção de animação?

 

“Até dois anos atrás quem quisesse trabalhar com animação em longa-metragem
no Brasil teria oportunidade de trabalho”.

 

Para mim, o essencial sempre foi efetivamente o Anima Mundi, que fez parte de todos estes momentos de produção autoral, industrial ou não. Era no Anima Mundi que a gente se encontrava, se conhecia. Não havia intenção comercial, mas todos viravam amigos: dentro da animação, existe muito apoio de uns pelos outros. Esse ano, vai ser a primeira vez em 24 anos que não teremos o festival, assim como tantos outros festivais cancelados nos últimos anos por falta de apoio da Petrobrás e do BNDES. Mas o Anima Mundi foi essencial para desenvolver todas essas facetas. Depois de um tempo, o festival começou a ocorrer em paralelo com o AnimaFórum, voltado às empresas. A atenção que o festival sempre deu aos curtas-metragens fez toda a diferença na produção autoral em animação brasileira. O que acontecia até dois anos atrás era que, pela primeira vez, quem quisesse trabalhar com animação em longa-metragem no Brasil podia fazer isso; quem quisesse trabalhar em séries teria oportunidade de trabalho também. Diminuiu o fomento para a produção de curtas, mas a gente ainda lutava por isso, e ainda existia. Pela primeira vez, quem tinha interesse acadêmico em animação também encontrava oportunidades regulares de emprego.

Alguns amigos e amigas puderam estudar animação, desenvolvendo teses. Eu comecei a juntar teses a respeito, e fico orgulhoso de ver pesquisas acadêmicas sobre a animação, brasileira ou não, mas feitas por universitários brasileiros. Ao mesmo tempo, pela primeira vez no Brasil, se você quisesse trabalhar na animação 2D tradicional, ou 3D no computador, ou ainda 2D digital – a principal para séries de televisão -, e mesmo stop motion, você encontraria espaço. Era possível encontrar a técnica que te interessasse. Pela primeira vez, não era mais necessário ir para o Rio de Janeiro, São Paulo ou Porto Alegre para trabalhar na área. As cinco regiões estavam produzindo animação. A geração anterior à minha tinha que ir embora do Brasil para trabalhar na área, mas agora apareciam produções de Ribeirão Preto, Recife, Goiânia.

 

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O Menino e o Mundo, de Alê Abreu

 

Você se preocupa em fazer animações tipicamente brasileiras? Lembro quando Lino: Uma Aventura de Sete Vidas (2017) despertou boas discussões por trazer policiais em estilo americano, comendo donuts. Na época, o Rafael Ribas falava num imaginário coletivo e na necessidade de exportar o filme mais facilmente.
Eu sempre defendi a frase de que, “se você quer ser universal, canta a tua aldeia”. Se você quiser copiar a Disney ou o mangá, o anime, a sua referência já é reconhecida, mas vai ser difícil chegar naquela qualidade, porque você vai estar pulando etapas. Aqui no Brasil, tem casos como o Chico Liberato, da Bahia, que imprime em cada fotograma a cultura onde ele mora por meio dos traços e da narrativa. Para conquistar outros países e culturas, você não deve se homogeneizar nem se submeter ao estilo, formato e traço destes outros lugares. O ponto alto do que temos no Brasil é nossa faceta autoral. Cada vez que uma série brasileira se “profissionaliza” demais e passa a imitar o estilo das séries lá de fora, ela minimiza inclusive o sucesso no exterior.

Eu me lembro de quando era pequeno e via aquela lixeira prateada do Manda-Chuva, o beco de rua norte-americana com as escadas de incêndio. Lembro das animações japonesas, quando sai uma bola de ar dos narizes dos personagens nervosos. Isso já foi tão utilizado que passamos a aceitar aqui. A intenção deveria ser sempre fazer do jeito que a gente é. Por que vou querer ver um filme do outro lado do mundo, se ele imitar o mesmo estilo, traço e narrativa que o meu? Tem um trecho de Bizarros Peixes que acontece em Nilópolis, a cidade onde eu nasci. Outro trecho se passa em Araraquara. Estes dois trechos foram feitos pelo Wesley e pela Rosária, e achei fundamental tentar repetir nos cenários exatamente como são Nilópolis e Araraquara.

Por acaso, no início desse ano eu fui falar em algumas escolas da Baixada Fluminense, e mostrei exclusivamente para eles esse trecho, que mostra a estação de trem, o calçadão. As crianças viam e diziam: “É igualzinho onde eu moro!”. Fiquei super emocionado por eles estarem vendo pela primeira vez, num filme de desenho animado, a cidade deles. É como a gente devia fazer: não tem nenhuma razão para eu desenhar um colégio e imitar aquele corredor das escolas americanas que a gente viu a vida inteira. Quem está de fora precisa aprender e conhecer a nossa cultura daqui.

 

“Por que vou querer ver um filme do outro lado do mundo se ele imita
o mesmo estilo que o meu?”

 

Animações costumam ser pré-classificadas popularmente em “animações pra crianças” e “animações para adultos”. Como enxerga essa divisão?
Uma das coisas que força esta cisão dentro das animações é o custo. A mão de obra representa um dos maiores custos da animação, seja para cinema ou para série de televisão. Se um animador trabalha oito horas por dia numa série, o rendimento médio dele é de seis segundos. Não é algo preguiçoso, esse é o trabalho normal! Num longa onde tudo se move – os cabelos se movem, as roupas se movem -, este rendimento cai para dois segundos. É muito caro. Por isso, quem vai bancar uma temporada de uma série, ou um longa, precisa ter muito definido se vai receber de volta esse dinheiro. Sempre achei essa faceta horrível nos encontros de mercado. Nas primeiras vezes que recebemos profissionais para nos explicar como formatar uma série, alguém dizia: “A minha série é para toda a família”, e o projeto era imediatamente cortado. O segmento é muito decupado: ele pode ser “para menino de 9 a 11 anos”, “para menina de 7 a 10 anos”. A separação ocorre em função do receio de não terem o retorno financeiro.

A definição de público-alvo acaba impondo a censura livre para poder abarcar um público maior de bilheteria, no caso da animação. Fiz vários curtas que eu acreditava não terem um tema proibitivo, ou seja, com classificação livre pelo Ministério da Justiça, mas não acreditava que teriam muito apelo com crianças por causa do tema. Bizarros Peixes, inclusive, não é focado no público infantil, mas nas poucas vezes em que mostrei a outras pessoas, como meus amigos com filhos, descobri que funcionava muito bem com as crianças. Fico feliz que essa cisão adulto-criança não exista com tanta força no live-action. Preferiria que fosse assim com a animação também. Na maioria das vezes, se faço um curta de animação de dez minutos, levo cerca de um ano e preparo oito mil desenhos. Depois de um tempo, já perdi a minha avaliação crítica sobre o material. Quando o filme está montado, pintado, sonorizado, renderizado, ele ainda não está pronto. Só fica pronto quando mostro a pessoas que não participaram do processo. Várias vezes a gente descobre o público-alvo nessa hora.

Tentamos batalhar para que a animação não seja exclusivamente para o público infantil e pré-escolar. Nos últimos anos, conforme se diminuiu o apoio para curtas-metragens e se aumentou o apoio para séries, a maioria das séries visava o público pré-escolar. Mas a série não constitui um próximo passo após o curta: essas duas coisas precisam acontecer em paralelo. Na verdade, o maior êxito para os longas-metragens de animação brasileiros não vem de filmes com classificação alta: O Menino e o Mundo tem classificação livre, por exemplo, mas não é focado no público infantil. Já A Cidade dos Piratas (2018) é claramente impróprio para menores. Existe um público grande para esses filmes. O exemplo mais regular do que víamos em Annecy eram os filmes do Bill Plympton. No caso dele, tudo era proibitivo. Ele tinha um público menor, mas regular, e conseguia distribuição no resto do mundo.

 

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Estação de trem de Nilópolis em Bizarros Peixes das Fossas Abissais

 

Durante a pandemia, as séries One Day at a Time e A Lista Negra animaram os últimos episódios de suas temporadas porque não podiam filmar em ficção. A saga Transformers teve um novo filme autorizado em formato animação, por ser o único que conseguiriam iniciar durante o isolamento. Acredita que a animação possa se sair melhor do que o live-action diante a crise?
Muitas facetas individuais da produção conseguem continuar, de fato. Se o filme for em stop motion, como o Bob Cuspe da Coala, ele precisa das pessoas presentes, porque se cria um mini set de filmagem com fotógrafo, iluminador etc. Quando o filme é 2D, ele pode ter dificuldades de reorganização, mas se isso for planejado desde o princípio, é possível fazer algumas coisas a distância, sem que as pessoas se encontrem e sem que isso traga algum prejuízo ao resultado final. A maioria dos comerciais de publicidade que fiz tinham um único encontro com o cliente – algo que, em geral, era bastante desnecessário e poderia ser substituído por um Skype -, e 100% do trabalho era enviado online para aprovação e finalização. Muita gente que trabalha com animação é ermitão, fica fechado em casa durante semanas ou meses, sem saber se é dia ou noite.

Uma parte da produção está mais lenta não pela logística, mas porque todo mundo está afetado pela pandemia. Eu poderia estar desenhando mais do que tenho feito ultimamente, por alguma razão que não consigo compreender. Acabo postergando, rendendo menos. Agora, só preciso do lápis, o papel e a mesa de luz. Os projetos que estavam em fase inicial, ou próximos da finalização, o que exige mais gente trabalhando, estão suspensos, mas aqueles que se encontravam em plena produção talvez possam gerar um volume maior de animações, tanto de trabalhos encomendados quanto de iniciativas pessoais, como nos curtas-metragens de animação. Algumas pessoas resolveram fazer animações em casa, coletivamente, com outras pessoas também em suas casas. Podemos ter a surpresa de encontrar um volume maior de animações após a pandemia, tanto no Brasil quanto no exterior.

Sobre as séries que se converteram em animação, o sentimento é misto. Isso não é inédito: já houve muitos casos em que o cliente ou o produtor decidiu fazer um trecho em animação porque não conseguiu fazer de outra maneira, só porque seria mais barato, ou mais viável. É algo reincidente, mas não é a melhor opção para a animação. Alguns curtas que eu fiz não têm batalhas espaciais, nem monstros, apenas pessoas. Eu poderia ter filmado, mas por que fiz animação se não tinha esta necessidade específica? Bom, porque existia uma intenção no design, no traço, na atuação desenhada que se conecta com a história que eu queria contar. Então não sei se acho legal que concluíram a série com animação, ou se me incomoda a razão pela qual tomaram essa decisão.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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