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Nascido em São Paulo em 1968, Ricardo Elias estudou Cinema na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP). Seu primeiro trabalho no cenário cinematográfico a conseguir alguma repercussão foi o curta Um Filme de Marcos Medeiros (2000), premiado no Festival de Gramado e indicado ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Logo seguida estreou no formato longa com De Passagem (2003), que o levou de volta para Gramado, de onde saiu com 5 kikitos – Melhor Filme, Direção, Ator Coadjuvante, Roteiro e Prêmio da Crítica, além de ter sido exibido em eventos nos Estados Unidos, Índia, França, Uruguai, Argentina, Sérvia e Coréia do Sul, entre outros. Mais de uma década se passou, e agora ele está novamente contando com Silvio Guindane como protagonista do drama Mare Nostrum, já em cartaz nos cinemas. E aproveitando esse mais recente lançamento, nós tivemos um bate-papo inédito e exclusivo com o realizador. Confira!

 

Ricardo, entre Os 12 Trabalhos (2006), teu segundo longa, e Mare Nostrum, o terceiro, se passaram 12 anos. Por quê todo esse tempo?
Na verdade, foram duas coisas. Comecei a trabalhar muito com televisão, e isso absorve muito a gente. Acabei envolvido em outros projetos, coisas que consumiram muito do meu tempo e da minha atenção, e cada vez ficava mais difícil voltar aos meus trabalhos mais autorais. E também teve essas mudanças no processo de produção no cinema, às quais custei um pouco para me adaptar. Consegui fazer o Mare Nostrum porque ganhei um edital federal, o de número 5 do fundo setorial, que, por sinal, nem existe mais. Eram iniciativas como essa que permitiam que fossem feitos filmes assim, do tipo de cinema que eu faço. Tenho esse roteiro há algum tempo, que vinha me acompanhando, esperando o momento certo de se tornar realidade. O primeiro edital que ganhamos foi em 2012, e depois veio outro em 2015, que nos ajudou a finalizar. E teve ainda toda aquela coisa, uma burocracia enorme, demora para liberar o dinheiro, mudança de governo, etc… Enfim, este é o meu filme mais longo, o que mais demorou para ficar pronto, mas é também o que mais de me deixou satisfeito.

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Ricardo Elias, no set de Mare Nostrum / foto Aline Lata

Em Mare Nostrum você voltou a trabalhar com Silvio Guindane, mas abriu espaço também para um elenco novo. O que lhe estimula mais, a segurança dos velhos conhecidos ou o desafio de quem está recém chegando?
Gosto de ter uma certa liberdade com o ator com quem estou trabalhando. Quero que ele permita que eu trabalhe de fato, que me dê liberdade para interferir, sugerir e também para ouvir, pois assim podemos construir juntos algo novo. Com o Silvio tenho isso, afinal, temos uma história juntos, e somos amigos, mais do que qualquer coisa. Gosto de fazer o teste com o ator, e vou refazendo muito a trajetória de cada personagem a partir desse momento de troca. Então, as duas coisas que você mencionou são estimulantes, cada uma sob um ponto de vista. Gosto de trabalhar com gente que tá começando, e também com pessoal mais veterano. Tem gente nova, com quem já havia trabalhado no teatro ou na televisão, e que estão estrando no cinema. É sempre um aprendizado, uma via de mão dupla.

 

O lado japonês do elenco foi trazido a partir de um grupo que trabalha contra o wash face na dramaturgia nacional. Qual a importância desse tipo de posicionamento?
O asiático também tem uma série de preconceitos ligados a ele. Pensando nisso, era importante para mim que esses personagens não fossem pasteleiros, ou um lutador de kung fu, por exemplo. Não queria esses estereótipos. Aprendi muita coisa com eles, não só com o Ricardo Oshiro, que é um dos protagonistas, mas também com o Edson Kameda, que faz o pai. E vamos combinar, é um absurdo chamar alguém branco, negro ou de qualquer outra raça para interpretar um personagem japonês! O cara ter que se maquiar para parecer asiático. Não faz sentido. Afinal, não é uma questão de interpretação, pois existem atores asiáticos com muito recurso por aí, basta dar uma oportunidade a eles. Uma prova disso é esse coletivo. Esse wash face existe, sim, e é uma vergonha. Sou totalmente a favor da ideia e da proposta desse pessoal, que se uniram para lutar e protestar contra algo que deveria ser óbvio.

 

Da mesma forma, os seus filmes sempre possuem uma atenção muito forte a respeito da realidade negra no Brasil, mesmo você sendo um homem branco. Por que ser recorrente neste tipo de assunto?
Fui trabalhando aos poucos com isso, na realidade. Nas primeiras versões do roteiro, a família negra era branca, para você ter ideia. Simplesmente foi acontecendo, não foi nada imposto. Agora, a partir do momento que isso foi incorporado a história, era importante trabalhar uma classe média negra estabelecida. O negro é muito mal representado no audiovisual brasileiro. Queria mostrar uma família de classe média, independente da cor – que, aliás, nem chega a ser mencionada no filme. A mãe do Silvio Guindane, por exemplo, eu queria fosse uma socióloga, alguém com estudo, com carreira. Não é feita essa diferenciação na trama.

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Silvio Guindane (esquerda) e Ricardo Oshiro (direita) em cena de Mare Nostrum

Aliás, nem era para ser o Silvio Guindane o protagonista do filme, não é mesmo?
Pois é, mas isso foi muito lá atrás, bem no começo. O primeiro ator com quem conversei foi o Caio Blat. E ele gostou, estava tudo certo para fazer. Só que tem esse lance da falta de dinheiro, da demora para liberar os recursos, e quando finalmente a gente conseguiu se organizar para filmar, ele não tinha mais agenda liberada. Não deu certo. Foi quando, conversando com o Silvio a respeito, tivemos a ideia dele fazer. O roteiro não mudou quase nada. Mudanças de diretor de arte, assistente de direção, isso sempre acontece, mas fomos encaixando, nos adaptado. Embora, sempre vá ter uma mudança, todo ator que entra vai construir de uma outra forma. Então, é claro que muda alguma coisa uma substituição como essa. Um cara negro entra no lugar de um branco, ou vice e versa. É lógico que tem mudanças. Mas nada muito grande.

 

A história de Mare Nostrum é baseada em um episódio real que aconteceu com a sua família, confere? Como foi isso?
Na verdade, a questão do terreno é que é um pouco ligada a minha família. Tentamos vender, estava ainda em nome do antigo dono, um comprador foi atrás. Foi um pouco complicado, principalmente por causa do processo burocrático, então essa parte foi mais ou menos parecida. Mas não tinha esse lance de ser um terreno mágico, não (risos). Quer dizer, a gente acabou vendendo, então talvez algum desejo tenha, enfim, se realizado. Mas não lembro exatamente o que pensava quando estava nele. Acho que não fiz muitos outros pedidos por lá, não.

 

E qual a função de agregar esse lado mágico à história?
Acho que tem uma função prática, em termos de roteiro. Pois é através dessa possibilidade que é reforçada a ideia do Silvio com a filha, dessa necessidade deles se reconectarem. É o que proporciona esse resgate de um com o outro. Até por conta do que o pai do Silvio dizia, que é algo que a filha retoma com força. Faz uma ligação, enfim. E também traz, como uma cereja, uma coisa inusitada, que desperta uma curiosidade no espectador. Ao mesmo tempo, não queria que tivesse um efeito grandioso na trama, que chamasse muita atenção em relação a isso. Sem trabalho, luz, fumaça especial. Tinha que aparecer daquele jeito, corriqueiro, tranquilo. É algo que fica no campo da dúvida, a ponto do corretor, por exemplo, não acreditar.

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Ricardo Elias no set de Mare Nostrum / foto Aline Lata

Iremos esperar mais uma década até o próximo filme de Ricardo Elias? Quais teus próximos projetos?
Não mesmo (risos). Aliás, já estou com outro encaminhado, o roteiro está pronto, inclusive. Trabalhei muito nele. E tenho mais de um roteiro encaminhado. Esse que está mais adiantado é sobre uma boate, uma casa noturna, com cinco personagens que vivem naquele ambiente, todos ligados à atração, cada um com um drama pessoal. Será um filme que se passa em tempo real, naquela uma hora e meia antes de abrir a casa. Terá, claro, um pouco de todas essas questões que trato em meus filmes. A ideia do encontro, meio inconsciente, está sempre presente. Afinal, é através desses encontros com outras pessoas que vamos nos moldando, e quanto nos modificamos nesse processo, com toda essa troca.

(Entrevista feita por telefone na conexão São Paulo / Porto Alegre em outubro de 2018)

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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