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O cinema corre pelas veias de Silvio Guindane desde cedo. Ele tinha apenas 11 anos quando estreou no premiado Como Nascem os Anjos (1996), longa que ganhou o Prêmio Guarani, os festivais de Gramado, Huelva e Toulouse, a Mostra Melhores Filmes SESC e a premiação da Associação Paulista de Críticos de Arte! A responsabilidade, portanto, logo se fez presente, mas ele não esmoreceu. No ano seguinte ele já aparecia ao lado de nomes como Betty Faria e Edson Celulari em For All: O Trampolim da Vitória (1997), e nunca mais parou de trabalhar, seja no cinema, teatro ou televisão. Atravessou a complicada fase da adolescência, e agora, já adulto, entrou para o clã da Família Rezende – é casado com a diretora Julia Rezende, filha do cineasta Sergio Rezende e da produtora Mariza Leão. Seguiu colecionando atuações sob o comando de realizadores consagrados, como Cacá Diegues, Sergio Bianchi, Paulo Thiago e Sandra Werneck, ao mesmo tempo em que não perde uma oportunidade de se associar a quem está começando, como Jeferson De, Arthur Fontes, Mini Kerti e Aaron Salles Torres. Entre esses, está o paulista Ricardo Elias, que lhe dirigiu em De Passagem (2003), seu longa de estreia, e também no recente Mare Nostrum (2018), já em cartaz nos cinemas. E aproveitando esse mais recente lançamento, nós conversamos com o astro sobre este novo personagem e outros projetos que devem estrear em breve. Confira!

 

Oi, Silvio. Como foi voltar a trabalhar com o diretor Ricardo Elias em Mare Nostrum?
Foi um prazer. Fazer cinema é sempre bom, mas quando fazemos com parceiros é melhor ainda. É um prazer dobrado, posso dizer. Enfim, fazia 15 anos que não filmávamos juntos, desde o De Passagem. Foi ótimo reencontrá-lo no set – pois não perdemos contato, seguimos amigos por todo esse tempo. Afinal, aquele foi um processo incrível, que deixou boas lembranças. Acompanhei todo o desenvolvimento do trabalho do Ricardo, desde o roteiro, as dificuldades para levantar a grana, a fase da captação. Acabei que estou aqui, fazendo o filme, pela segunda vez com ele. E foi uma delícia. A relação do ator com o diretor sempre será uma troca de muita confiança. Temos que nos entregar um ao outro. É preciso confiar de olhos fechados, o que é mais prazeroso ainda. Um ajuda o outro, um se mete no trabalho do outro, e no melhor sentido. Além de ser um ótimo realizador, o Ricardo é um grande diretor de atores também. Ele gosta de estar junto, acompanha os ensaios com a gente, está sempre lendo, descobrindo, investigando o roteiro para compreender que história estávamos fazendo. No set, foi como brincar de contar uma história.

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Me conta como foi isso de você ir parar no filme quase que por acaso…
Pois então, não era para ter sido eu. Quem iria fazer é o meu melhor amigo, por acaso. O Caio Blat. Ele que foi convidado primeiro, e tinha curtido a ideia. Só que todo esse processo de levantar a grana para fazer o filme levou tempo. E quando o Ricardo finalmente conseguiu completar o orçamento, a agenda dele não bateu. Eu estava no telefone com ele, nós dois conversando sobre isso e pensando em quem chamar para substituí-lo, quando do nada ele falou: “por que você não faz?”. Nem tinha passado pela minha cabeça, até levei um susto. “É sério?”. Puxa, super abracei. Desmarquei outros compromissos e fui filmar.

 

Assim que o Ricardo lhe fez o convite, quais foram as suas primeiras impressões?
Eu estava totalmente envolvido pelo filme. Nem precisei pensar muito. Já conhecia a história, adorava o projeto. Só que desde o começo tivemos na cabeça que seria o Caio que faria. Ele havia lido o roteiro, estava super dentro. Por isso nunca havia nem cogitado entrar no lugar dele. E ele só saiu realmente por uma questão de data. Quando surgiu essa ideia de me chamar, topei na hora. Conhecia o personagem, estava super dentro.

 

Sua relação com o cinema vem de anos, desde a estreia em Como Nascem os Anjos, que foi muito premiado. É mais fácil ou difícil começar com algo de tanto impacto?
Olha, pra mim, foi algo muito particular. Em geral, e posso dizer isso pelo que observo – e todos nós percebemos isso – quando pegam crianças que começam no cinema com filmes que fazem muito sucesso, geralmente o prosseguimento dessas carreiras não engrenam. Isso mundialmente falando. Pra mim, felizmente, foi o contrário. Eu não era um miniadulto, um ator profissional. Era uma criança mesmo. Minha mãe não tinha o menor perfil de mãe de miss (risos), de levar em testes e tal. Eu que queria, arrastava ela para ir comigo. Tiva a sorte grande de desde muito cedo saber o que queria. Lembro quando chegou o vestibular, todos os meus amigos escolhendo suas carreiras, e eu já estava trabalhando. Nesse ponto, fui fora da curva, pois nunca parei. Consegui personagens que foram acompanhando minha idade. Inclusive durante a adolescência, que geralmente é um limbo. Fui amadurecendo com o tempo. Simbolicamente, tem uma coisa interessante, também, pois o primeiro protagonista que fiz após ser adulto foi justamente o De Passagem, com o Ricardo. Reencontrá-lo, depois de anos, é ímpar. Esse não é mais um filme, é um encontro extremamente especial.

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Cena de Mare Nostrum

Em Mare Nostrum, um dos dilemas do teu personagem é que se trata de um pai tentando se reconectar com a filha. Lembrei do É Fada (2016), no qual você também aparecia nessa posição paterna. Ainda tão novo, como é lidar com esse tipo de personagem, com questões tão maduras?
Puxa, é aí que você percebe que tá ficando velho. Antes eu era o filho, agora sou o pai. Especialmente no Mare Nostrum. No filme da Cris d’Amato, a situação era de um casal que teve uma filha muito jovem. Dessa vez é um pouco diferente. Pois tem o resgate com o pai dele, e inconsciente ele acaba tendo as mesmas atitudes com a filha: ausência, não saber lidar com ela, pois acabou fugindo dessa paternidade. O mote é que esse terreno traz ele enquanto pai, mesmo que por outros caminhos, são outras oportunidades de escrever a própria história. Outra feliz coincidência é que, durante as do Mare Nostrum, estava grávido. Minha companheira, a Julia, estava gravidíssima. Estávamos fazendo o enxoval para o bebê que estava para nascer, enquanto que na ficção lidava com questões similares. Dei uma parada, depois do filme, para curtir o João. Fiquei três meses sem filmar. Foi esse filme que acompanhou o meu momento de virar pai.

 

Há também um elemento mágico no filme, que fica mais na suspeita do que na confirmação. No que você acredita que esta questão colabora com a trama?
Olha, penso que essa questão faz com que o filme apresente – mas não que tenha que ter, porém é legal que tenha – um motivo, uma importância. A importância desse filme, nos dias de hoje, é que ele traz o sonho como parte da vida. As pessoas estão cada vez mais áridas, solitárias, pensando de forma individualista, achando que assim irão chegar no coletivo, o que é uma grande bobagem. Esse filme é uma possibilidade de sonhar. Traz de volta para esses personagens, cada um nos seus mundos, uma chance de sonho através desse elemento mágico. O terreno é um personagem, quase um dos protagonistas. Ele solidifica o sonho.

 

Você está também em Simonal (2018), e num personagem fundamental para a trajetória do protagonista. Como foi esse mergulho no mundo do cantor?
Poxa, foi uma delícia. Sou muito fã do Wilson Simonal. Acho a trajetória e a história de vida dele uma das mais complexas do nosso cenário artístico. Uma das mais importantes de ser contada e observada da nossa história. Além de ter sido um artista com talento ímpar. Queria muito fazer parte desse projeto. Quando o Leonardo Domingues, o diretor, me chamou, me ofereceu dois personagens, e disse: “escolhe aí”. Preferi o Marcos Moran porque ele representa o passado do Simonal, o que ele era antes de estourar para o mundo. Outra coisa legal é que durante o processo de preparação, fiquei muito próximo do Fabricio Boliveira. Ia construindo o Moran, enquanto o Fabrício ia descobrindo o Simonal. E em que momento cada um foi para um lado? Foi uma honra fazer esse filme. Ainda não vi o corte final, mas sem dúvida é um projeto que tenho muito orgulho.

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Cena de Mare Nostrum

A trama de Mare Nostrum se passa em 2011. Você acha que ela seria diferente nos dias de hoje?
Não. Por um motivo. Porque o amor não é datado. As relações humanas nunca são datadas. O fato do nosso filme se passar em 2011, traz uma trajetória que constrói o momento que esses personagens estão vivendo – crise europeia, o tsunami. Mas fala sobre as pessoas. Se montarmos o Eles Não Usam Black-Tie (1981) hoje, ele não será datado. O pano de fundo tem aquele momento histórico, mas a história é sobre um pai e seu filho. Fala de relações humanas. Mare Nostrum é a mesma coisa. Quando colocam o filme nessa data, é simbólica para os personagens. São duas pessoas que tentaram a vida lá fora, e que estão voltando. E tem uma coisa premonitória nisso tudo, há uns recados do diretor para a audiência. Basta ficar atento, e não deixarmos que isso se repita.

(Entrevista feita por telefone na conexão São Paulo / Porto Alegre em outubro de 2018)

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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