Um dos maiores nomes da televisão brasileira, Vera Holtz tem vivido um momento de descoberta em outras mídias. Cada vez mais popular, e em grande parte graças à sua presença cada vez mais constante e irreverente nas redes sociais – seu perfil no Facebook possui quase 500 mil curtidas, enquanto que no Instagram ela possui mais de 802 mil seguidores – ela não só é uma das protagonistas da atual novela das nove da Rede Globo, A Lei do Amor, como está em cartaz nos cinemas no drama Maresia (2016), premiado no Cine Ceará. Além disso, tem outros QUATRO filmes prestes a estrear nos próximos meses! Foi sobre isso e muito mais que conversamos com a atriz, uma das figuras mais incríveis e simpáticas que já encontramos nesses mais de cinco anos de Papo de Cinema. Confira!
Vera, te reencontrei agora no cinema com Maresia, após tanto tempo. Quando terminou o filme, fiquei cuidando os créditos pra ver como você seria citada… e é o último nome, como ‘participação especial’ (risos). Como surgiu esse convite?
Tudo começou com o Marcos Guttman, o diretor, que acho que gosta de mim (risos). Eu já havia feito o primeiro curta dele, então quando me chamou para fazer esse aqui também, a resposta foi automática: “sim”. Acho que ele me convidou pro primeiro longa como um sinal de sorte, sabe? Era tipo uma crença dele, e isso é muito interessante. Alguns diretores dizem “ah, fica comigo, você já fez meu curta, quero que faça meu longa também”, mas nem sempre falam sério. Então, quando a gente vê acontecendo, acho isso histórico e muito importante. E adorei também o tema, né? Porque sou formada em artes plásticas e gosto muito de arte contemporânea. Então, quando vi essa questão da autenticidade, logo despertou minha atenção. O que faz e o que critica, aquele que estuda depois o que fica. O artista depois de morto vale mais do que vivo. E quando ele toma consciência disso? Essa temática me é muito interessante, sobre o acadêmico que persegue a autenticidade, quase como uma auto superação do conhecimento.
O seu personagem em Maresia deixa o espectador com gostinho de quero mais. Não revela muito sobre quem é essa mulher, mas deixa o espectador pensando “esse cara é uma autoridade, mas ela é a que enfrenta ele, que vai lá e questiona…”
Ela cuida do lado comercial, né? Tem o acadêmico, o artista. Mas ela é o comércio.
Mas fiquei me perguntando sobre a relação, a origem, como surgiu essa parceria entre eles. E, ao mesmo tempo, ela é tão forte com ele, mas se torna frágil ao lado do filho…
Isso é a invasão do exterior. Neste caso, ela é interessante porque? Ela cuida do técnico, tem sua própria galeria, não depende de ninguém, mas vai ter que revender tudo aquilo se a obra não tiver autenticidade. Ela acredita que são originais, que tem autenticidade. Ela não gosta de cópia. Então, essa é a relação delicada diante da arte, diante dele, do personagem do Julio Andrade, que é o especialista, enquanto ela é apenas o comercial. E de repente você vê o mundo entrando naquela criança, vê aquele menino até certo ponto violento, se interferindo na relação dos dois. Mas é o filho dela, ela é a mãe!
Se percebe que é uma relação difícil…
É tudo muito duro para ela! E, ao mesmo tempo, depois ele quer se redimir diante da mãe apresentando um quadro de um amigo que conheceu na praia… pra você vê o que é o acaso. Isso é uma coisa engraçada. Porque, normalmente, coincidências assim não surgem a toda hora. Ainda mais com pessoas como esse rapaz, que vive numa outra realidade, ou se drogam, ou bebem, estão mais expostas à sorte. E aqui ele traz pra dentro da casa da mãe, meio que como uma forma de redenção, um quadro muito importante, e mesmo assim o técnico dela não acredita.
É preciso alguém muito experiente para encarar um personagem como esse, porque há muito por trás do que ele demonstra. Queria saber como foi o preparo, se houve ensaios, ou algum tipo de pesquisa….
Não foi preciso porque já convivo muito com galerias de arte, viajo muito, gosto de artes plásticas, compro, então já tenho esse gosto. E justamente por me ser familiar, meio que lembrei um pouco dessas mulheres que são guardiãs da arte e da revenda, também. Pois é uma forma de você guardar, porque elas procuram o cliente certo. Existe essa preocupação de quem vai cuidar daquela obra. Não dá pra vender uma rara pra qualquer um, tem que ser alguém que entenda, pra que ela continue existindo. Mas no geral foi legal. A maioria do figurino era meu mesmo, então, na verdade, aquela mulher era um pouco eu, Vera, dando ou emprestando pra personagem a forma dela… (risos) Foi muito legal a parceria com o figurino nesse sentido.
Mudando um pouco de assunto, e as redes sociais? É você mesmo que coordena os teus perfis no Facebook e Instagram, por exemplo?
Eu, claro, mas não sozinha. Tenho meu amiguinho do Paraná, ele é o arquiteto de todas essas loucuras. Ele é o meu fotógrafo.
Perguntei porque você falou agora sobre os figurinos, e vi um post de uma revista de celebridade indicando o look da tua personagem da novela e tu retweetou falando justamente o contrário… (risos)
Não era eu! (risos) Um amigo meu, jornalista também, mandou pra mim esse post e perguntou “o que é isso?”. Foi assim que fiquei sabendo. Falei para ele: “não sou eu, é alguém, sei lá”! (risos) Essa questão da autenticidade hoje em dia é muito interessante nas redes sociais, né? Porque pode não ter sido eu, mas adoraram mesmo assim, da possibilidade de eu ter falado aquilo, acharam um máximo minha ousadia…. (risos)
Como você lida com esse poder da imagem, esse fenômeno multiplicador das mídias sociais, e como isso se volta pro teu trabalho?
Inicialmente foi uma surpresa. Mas logo achei um máximo, porque me senti, no sentido de ter encontrado minha turma. De alguma forma, estou gerando umas imagens autorais, certo? A árvore da Natal, no início, foi um sucesso porque tava bem na época, então foi muito forte. Eu já tinha esse espírito, então, aquela foto por exemplo, pensei “nossa, é isso que quero pra mim”! Essa brincadeira de você deixar a vida te invadir, fazer uma brincadeira e captar uma performance através de algo que é espontâneo. Aí, depois de tudo aquilo, foi só ir alinhando. Basta expandir a cabeça que você começa a criar.
Vera, você é uma das maiores estrelas da televisão brasileira, a gente sempre te vê em cena, mas a tua participação no cinema tem sido mais tímida, né?
É, mas acho que o Maresia pode ser, de alguma forma, um novo começo. Foi legal ter visto o trabalho pronto, gostei muito do filme, acho delicadíssimo, uma coisa poética. Trabalha muito bem essa coisa da imagem, tem um tempo diferente, brinca com a presença do mar. E tem o Julinho, sou fã desse garoto, acho ele o máximo.
Tem um filme seu que gosto muito…
O Bendito Fruto, né?
Exato!
Então, depois de tanto tempo fazendo televisão, começo a me aproximar mais do cinema, porque comecei a abrir mais meu tempo. Eu faço novela, e elas tem seis, sete meses, mas mesmo assim estão diminuindo. Aos poucos estou percebendo que estou migrando e sentindo a necessidade de um outro suporte de criação. Acho que até o facebook e o instagram são meios para isso, pois preciso dessa autoria. Aí coincidiu de fazer o Maresia, depois tem o Malasartes e o Duelo com a Morte (2017), da O2, com direção do Pedro Morelli. Ainda em longa, fiz o TOC (2016), com a Tatá Werneck e com direção do Paulo Caruso. Queria trabalhar com essa linguagem ágil, porque é um absurdo como a Tatá e Ingrid são, incríveis! Trabalhar com isso é muito entusiasmante, e tô entrando nessa linha, agora começo a entender o que é o cinema, o que é essa coisa do olhar e dizer tudo, não necessariamente essa coisa do rosto, da plasticidade que o teatro e novela exigem de você. O cinema exige um registro maior e mais difícil. E ainda fiz o Berenice Procura, com a Elisa Tolomelli (produtora), que é sobre a morte de uma transexual. Com esse trabalho conheci o Eduardo Menevic, que é um preparador de elenco argentino, que prepara você para o audiovisual. Isso foi muito interessante.
Foi a primeira vez que você treinou com um preparador de elenco no cinema?
Foi. Aí que foi interessante, pois tinha trans, travesti, gays. Eu faço uma gay também. E ele equalizou atores e não atores, era todo mundo igual. A protagonista é trans, esse é o primeiro longa dela, e foi muito bacana trabalhar nesse grupo. O Menevic prepara a gente pra ter esse olhar predador, entende? Você pega o Ricardo Darín por exemplo. Ele não faz nada, né? Ele tem aquela austeridade que é suficiente. Ele tá ali e você acredita, transcende aquele personagem. Então, isso foi muito interessante. Ele também me preparou pra Magnólia, a personagem que faço em A Lei do Amor, novela da Globo.
Então, pelas minha contas, são quatro filmes que estão pra sair? É isso?
Pois é, o Maresia já está aí nos cinemas. Depois vem o TOC, Malasartes e o Berenice Procura. Além desses, fiz também um documentário sobre a minha família, chama-se As Quatro Irmãs, com direção e roteiro do Evaldo Mocarzel. Esse nós produzimos juntos. A ideia era minha, mas ele era a pessoa certa para fazer, pois tem muita experiência no gênero. Fizemos sobre as minha irmãs, nós quatro, ficou muito bonitinho. É uma coisa híbrida, misto de documentário com ficção, o tipo de coisa que me interessa muito.
E se alguém ficar com saudades da Vera Holtz entre um filme e outro, tem sempre como te encontrar na internet, certo?
Eu, de um ano pra cá, venho com esse trabalho mais autoral com o Facebook. Até deram o nome de Vera Viral (risos), veja só! A Vera Viral trouxe pra mim essa coisa da autoria e de transformar o dia-a-dia numa postura artística e de criação. Estou sempre pensando em fazer algo diferente. Onde eu puder estar vendo, descobrindo fatos criativos, e ver o mundo dessa forma, como sempre vi, ali estarei. Durante muito tempo vivi só o mundo da ficção. Agora, parece que dei uma voltinha e fui pra realidade. Estou voltando, pois aqui é onde me sinto mais em casa, mas com uma bagagem diferente. Gosto mais do mundo das regras e da criação da ficção do que do mundo real. Não venho pegar inspiração no mundo real, mas sinto isso, sou muito inquieta, muito curiosa. Não chega a ser um processo consciente, mas quanto mais eu for atrás, melhor. Até acho que a geração contemporânea é um pouco assim, mesmo, as pessoas são multimídias, né? E acho que sou um pouco multimídia também.
Um pouco muito, né? (risos)
Sim (risos)!
(Entrevista feita ao vivo em São Paulo em outubro de 2016)