Lília Cabral sempre disse que gostaria de ter feito mais cinema. Ela reafirmou isso no Cine Cerá 2019, na ocasião em que foi homenageada e teve a oportunidade de fazer a première de Maria do Caritó (2019), filme adaptado de uma peça com a qual viajou pelo Brasil inteiro com muito sucesso. Ovacionada na noite de sua consagração em solo cearense, Lília chama a atenção pela forma doce de falar e pelos modos sem afetação. Alguns presentes no Cineteatro São Luiz a celebravam por ser “gente como a gente”, algo que combina bem com a protagonista considerada santa pelo povoado e que, na verdade, não aguenta mais ser colocada num pedestal e manter-se virgem. Ela quer sair desse olimpo fajuto e encontrar um amor para chamar de seu. Conversamos brevemente com Lília Cabral em Fortaleza, no dia posterior à sua homenagem. O resultado você confere agora, em mais um Papo de Cinema exclusivo:
Qual era a sua preocupação transpor Maria do Caritó do teatro para o cinema?
Quando começamos a viajar coma peça, entendi que a história tinha uma brasilidade grande. À transposição havia a necessidade delicada de mostrar essa personagem que a gente não vê cotidianamente. Porém, acabamos encontrando seus sentimentos, alguns abafados e esquecidos. Por exemplo, Caritó é frustrada, mas não tem rancor. Na medida em que o roteiro foi ficando mais bonito, íamos encontrando possibilidades cinematográficas. Diferentemente do teatro, em que a gente fala muito, no cinema o público entende melhor certas coisas expressadas por meio dos gestos. Mesmo que essa adaptação tenha sido um pouco preocupante, não tinha dúvidas do sucesso dela. Acredito que a nossa comédia tenha essa beleza. Gosto muito de brincar entre o triste e o alegre.
E Maria do Caritó tem um potencial enorme para se comunicar com o público. Era essa a sua vontade?
Faz tempo que no cinema nacional não há um filme como esse. Claro que em tempos de crise como os nossos existe o desejo de invocar coisas da esfera político-social e refletir acerca do mundo a partir de tudo isso. Mas também sinto necessidade de refletir a partir de um lado mais delicado da vida. Em todas as reuniões, eu falava sobre isto, que o Brasil precisava pensar sobre sentimentos que se perderam. Não sabia que o país passaria por essa crise. Mas a estreia chega no momento certo. Nunca foi tão contemporâneo o que se fala em Maria do Caritó.
A dupla que você faz com a Kelzy Ecard é tão boa que cabia mais das duas em cena, não?
A Kelzy não é incrível? Ela é uma excelente atriz. Quando entrou na minha casa, era como se tivéssemos um grupo de teatro juntas, como se nos conhecêssemos há muito tempo. Embora atualmente estejamos distantes, até porque ela está fazendo uma coisa e eu outra, a gente tem uma afinidade grande. Além de ser excelente como atriz, é daquelas pessoas gostosas. E a Fininha precisava ser essa pessoa gostosa. Todos gostariam de ter uma amiga como ela. Às vezes também sinto falta delas duas na telona. Mas praticamente tudo o que filmamos foi usado.
Você se identifica de alguma forma com a Caritó? Isso teria levado você decidir interpreta-la, lá atrás, quando pegou pela primeira vez o texto da peça?
Não, na verdade não. O texto original tinha umas 300 páginas e a parte do circo era totalmente desenvolvida. O que me chamava a atenção no começo era justamente o circo. Aí um dia acordei achando que isso do circo seria outra peça. Tirei tudo. Foquei-me bastante na condução da história da Caritó. Não me identifiquei com ela, inclusive porque somos bem diferentes. Além da poesia, que me ganhou de cara, havia desafios me motivando. O primeiro deles era fazer as pessoas acreditarem que eu, com 1,75m, olhos azuis e toda branquinha, fosse nordestina. O segundo era fazer o Brasil entender essa peça que se passava numa região específica. Não poderia ser apenas um trabalho regional. Me apaixonei verdadeiramente ao começar a ensaiar.
(Entrevista concedida durante o Cine Ceará 2019)
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