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Em Meu Fim. Seu Começo (2019), duas histórias de perda se cruzam: Nora (Saskia Rosendahl) se apaixona por Aron (Julius Feldmeier), um professor de física quântica. O relacionamento caminha bem, até o dia em que um assalto a banco resulta na morte de Aron. Devastada, Nora conhece Natan (Edin Hasanovic), um pai em séria dificuldade financeira, buscando meios de ajudar a filha doente. Os dois se aproximam, e começar a suspeitar que seus caminhos já tenham se cruzado anteriormente. Leia a nossa crítica.
O drama parte da teoria da relatividade, aplicada aos sentimentos amorosos. A diretora Mariko Minoguchi lança uma questão ao espectador: existe um destino unindo as pessoas, ou somos frutos das coincidências? O resultado, vencedor do prêmio de melhor filme de estreia e melhor roteiro pela Associação Alemã de Críticos de Cinema, já está em cartaz nos cinemas brasileiros. O Papo de Cinema aproveitou para conversar com a cineasta:

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Mariko Minoguchi

Quando li a sinopse pela primeira vez, pensei que seria um grande melodrama por lidar com morte e doenças. Mas você faz algo muito diferente.
De fato, este não é um filme sobre autodestruição. Acredito que, na maioria dos dramas e melodramas, os personagens são muito autodestrutivos, numa trajetória que só piora. Para mim, era importante fazer um filme sobre a esperança e o fato de lidar tanto com aspectos negativos quanto positivos. Eu achava fundamental aceitar que existem aspectos bons e ruins na nossa vida, simultaneamente, o tempo todo. Não podemos controlar o que nos acontece, mas podemos controlar a maneira como lidamos com isso. O tom tem a ver com isso: tento ser otimista.

Nora atravessa um luto agressivo, ao invés de melancólico. Por que optou por este caminho? Como trabalhou essa escolha com Saskia Rosendahl?
Eu me lembro bem do processo. Mesmo depois dos primeiros dias de filmagem, eu me sentei com Saskia, com o roteiro em mãos, e repassamos cena a cena. Nora atravessa diversas fases. No começo, ela está apenas em choque, não consegue agir. Depois, ela passa a sentir a dor, e em seguida, desperta novos sentimentos, como a raiva. Colocamos post-its com diferentes cores no roteiro, para separar os níveis emocionais em que Nora se encontraria em cada cena. Saskia é uma atriz maravilhosa, muito sutil. Ela absorve todas as informações que você passa, pergunta sobre tudo, questiona as origens, os dados da personagem. Com tudo isso em mãos, ela se solta de vez e consegue estar presente no momento. Até cheguei a compartilhar com o elenco alguns filmes que me serviam de referência pessoal, e assisti a um deles com Saskia, mas em geral, me disseram que não queriam assistir aos filmes, para não serem condicionados a repetir as cenas. Eu consenti, porque acredito que cada ator sabe o que é melhor para o seu processo criativo. Os atores embarcaram no projeto sete, oito meses antes do início das filmagens, então tivemos bastante tempo para prepará-los. A certo ponto, conseguimos fechar o orçamento. Perto das filmagens, passei um fim de semana com Saskia, para nos conhecermos melhor e criar certa confiança mútua. Depois disso, tivemos apenas dois dias de ensaios, mas trabalhamos pouco o texto, apenas discutimos o roteiro cena a cena. 

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De onde veio o interesse pelos conceitos da física quântica, e como quis aplicá-los a uma história de amor?
Meu irmão está fazendo um doutorado em física quântica, e certa vez ele tentou me explicar o que estava pesquisando, que é bastante complexo. Depois, ele me explicou a teoria da relatividade. Fiquei surpresa com a possibilidade de enxergar o mundo de outra maneira, e isso me motivou a explorar estas questões num filme. É lógico que eu não poderia fazer uma história sobre física em geral, mas podia explorar o aspecto filosófico por trás. A ideia era perguntar: nossas vidas estão predeterminadas, ou existe espaço para o acaso? Esse foi o ponto de partida. Tinha algumas imagens na cabeça, como a cena do encontro no metrô. Sempre soube que contaria a história de amor de um casal chamado Aron e Nora. Além disso, sempre fui fascinada pela questão do luto, e quis trabalhá-lo na história.

A história de Natan, em paralelo, é muito comovente. Por que quis combinar histórias de classes sociais distintas?
De fato, no final, temos três classes sociais diferentes: Aron, obviamente, é bem rico, e não entende nada que diga respeito a problemas financeiros. Nora pertence a uma classe intermediária, e Natan nunca teve qualquer privilégio. Os problemas dos três são muito diferentes, e é difícil para eles entenderem a posição do outro. No fundo, que uma pessoa esteja numa classe mais privilegiada ou com maiores dificuldades, os dramas pessoais produzem a mesma quantidade de lágrimas. Não quis julgá-los, nem colocar os conflitos numa escala hierárquica, dizendo quem sofre mais. Na Alemanha, existe muito machismo e racismo, mas falamos pouco da desigualdade de renda, ou ainda da grande lacuna entre pessoas com acesso à educação, e aquelas que não têm a oportunidade de estudar. Geralmente, a primeira parte é rica, e a segunda é pobre. O filme não traz isso como tema central, mas existe a questão de confrontar pessoas aos problemas alheios, e os personagens tentam compreendê-los.

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Acredita que tenha feito um retrato da Alemanha contemporânea?
Eu nunca pretendi falar da Alemanha, nem da sociedade alemã. Não sinto que conheça tão bem assim a sociedade alemã, na verdade, então falo apenas de pessoas que poderiam se encontrar em qualquer lugar. Escrevi o roteiro enquanto estava em Taipei, Taiwan, e acredito que esta história poderia se passar em Taipei também. É apenas uma histórica básica sobre valores universais.

A fotografia contemplativa me parece perfeita para a tela grande do cinema. Como reagiu às exibições no período da pandemia?
Essa é uma questão amarga, mas tivemos sorte. A estreia aconteceu em 2019, então tivemos seis meses em festivais presenciais, com sessões na tela grande, e conseguimos lançar nos cinemas alemães poucos meses antes do fechamento das salas por causa da Covid-19. Julian Krubasik, o diretor de fotografia, é um profissional excelente e muito requisitado. No começo, assistimos a vários filmes juntos. Eu presto muita atenção aos aspectos visuais, e o projeto partiu de imagens que eu tinha em mente. Acredito que eu tenha reunido referências para praticamente todas as cenas em termos de luzes e cores. Antes de filmar, discutíamos muito cada cena, para encontrar a posição certa da câmera. Houve uma preparação extensa, justamente para termos certa flexibilidade na hora da filmagem. Sabíamos o que queríamos, mas na hora, era fácil propor algo diferente se necessário. Hoje, sei que faria algumas coisas de maneira diferente, porque aprendi muito no processo. No começo, imaginei algo mais móvel, com câmera na mão, mas depois o filme se tornou mais lento, com movimentos discretos. Eu amo a câmera na mão, mas no final, sempre opto pelos planos fixos.

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Como lidou com as reações do público e da imprensa? Costuma prestar atenção às críticas?
Este é o meu primeiro longa-metragem, então eu não tive muito parâmetro de comparação. A estreia aconteceu num festival de Munique, e as reações foram incríveis. Foi como ter exibido 400 filmes diferentes ao mesmo tempo, porque cada espectador viu algo diferente, e cada um me dizia ter se identificado com um personagem em particular. Foi comovente perceber que as pessoas enxergavam conotações que eu jamais teria imaginado por conta própria. Ao mesmo tempo, sei que foi uma reação dividida: várias pessoas detestaram o filme. Isso vem da tradição do cinema alemão: o melodrama não é nada popular na Alemanha, e muitas pessoas consideram histórias sentimentais cafonas e kitsch. A abordagem mais direta de sentimentos costuma ser considerada manipuladora.
Depois de uma sessão, verifiquei as notas no IMDb, e 60% das reações eram ótimas, mas 40% eram péssimas. No final, eu fiquei contente: as pessoas que gostaram ficaram muito comovidas, me deizendo que foi o melhor filme que viram no ano. Esta polarização se refletiu na imprensa: alguns críticos amaram, outros detestaram. Foi duro ler aqueles textos, mas sei que a maioria dos críticos que não gostou, acabou não escrevendo as críticas. Por isso, no final, a maioria dos textos foi bastante positiva. Ao mesmo tempo, sei que é um longa-metragem de estreia, e os críticos não precisam escrever a respeito, se não quiserem. Às vezes, eles preferem não destruir quem está começando. Tento não dar tanta atenção às críticas, mas os primeiros textos foram tão positivos que me deram forças para encarar os outros. É fácil dizer “não me importo com as críticas” quando elas são bastante elogiosas. 

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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