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Michael Mayer no set de Além da Fronteira

Após completar seu serviço militar obrigatório em Israel, o jovem Michael Mayer deixou sua terra natal em 1995 e se mudou para os Estados Unidos, onde se inscreveu na Universidade do Sul da Califórnia para estudar cinema. Após realizar alguns curtas-metragens e produzir o documentário Driving Men (2008), acabou se envolvendo em outra atividade: produzir e editar trailers de grandes sucessos! De Pequena Miss Sunshine (2006) até X-Men (2000), Mayer passou pelos mais diferentes estilos e trabalhos, quase esquecendo que o que havia levado até a América era a vontade de fazer seus próprios filmes, e não viver apenas em função dos outros. Foi quando o projeto do drama Além da Fronteira, uma história de amor entre um jovem palestino e um advogado israelense, começou a crescer dentro dele após uma conversa com um amigo. Dali em diante, foram mais dez anos de trabalhos, e agora, com seu primeiro filme pronto e exibido ao redor do mundo, a estante de seu escritório em Los Angeles, onde mora até hoje, tem ficado pequena para a quantidade de prêmios que já recebeu. Convidado para vir ao Brasil apresentar Além da Fronteira dentro da programação do 21° Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, o diretor conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!

 

Começando pelo básico: de onde veio a inspiração para a trama de Além da Fronteira?
Isso tudo começou durante um jantar na casa de um amigo. Isso foi há mais de dez anos, em Los Angeles. Durante esse encontro ele me contou que havia sido voluntário em um Centro de Apoio à Gays e Lésbicas em Tel Aviv, ajudando homossexuais que haviam fugido da Palestina. Achei essa história muito interessante, e resolvi pesquisar mais a respeito. Aos poucos descobri que existem vários desses grupos de auxílio em Israel, e que a maioria das pessoas envolvidas com essa atividades não são ativistas políticos, apesar do ato de darem abrigo e ajuda à pessoas que fugiram dos seus locais de origem ser extremamente politizado. Muitos israelenses teriam receio em agir da mesma maneira, de se envolverem com essa questão de uma maneira tão direta, e no entanto esses voluntários estavam lá reunidos simplesmente para poderem ajudar. Só o fato de ser gay, de estar em uma minoria em certo aspecto, já constitui em um ato político hoje em dia, em nossa luta para sobreviver e se destacar. Há muitos poucos trabalhos a respeito dessa questão – creio que a BBC fez algo sobre esse assunto anos atrás – mas há estimativas que atualmente mais de 350 gays palestinos vivam em Israel refugiados. É muita gente. Quando comecei a falar com essas pessoas, conhecendo suas histórias, o filme teve naturalmente seu início em minha mente.

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Cena de Além da Fronteira

A questão da homossexualidade é muito importante no filme, pois mostra duas realidades bem distintas: na Palestina e em Tel Aviv. Essa diferença é mesmo tão extrema ou o filme carrega nas tintas para envolver o público?
Tel Aviv é uma cidade muito liberal. No interior do país, em cidades menores, mais religiosas, a situação não é exatamente assim, mas em Tel Aviv a convivência é muito pacífica. É quase como se fosse uma das grandes cidades do Ocidente. Portanto, o retrato que faço dessa realidade não é nenhum exagero. Em Ramala, no lado Palestino, não é muito diferente, apesar de não ser igual. Digamos que em Ramala a situação é relativamente melhor do que no resto da Palestina. É uma cidade mais ocidentalizada, e com certeza muito melhor de se viver sendo gay do que em outras cidades menores, como Nablus, por exemplo. Mas, de qualquer forma, por melhor que possa ser a realidade, ainda assim se trata de um tabu. Nada é assumido, público. A primeira versão do roteiro de Além da Fronteira é de 2005, 2006, e desde então a situação por lá melhorou muito, mas ainda está longe de ser a ideal. Atualmente as coisas estão melhores porque temos tido menos conflitos, a região está relativamente pacificada, com menos distúrbios, e com isso há menos violência, a economia tem andado melhor, as pessoas se tratam de modo mais civilizado. Mas, ainda assim, é muito mais fechado na Palestina do que em Israel.

 

Nicholas Jacob, que interpreta o jovem Nimr, é um novato, em seu primeiro trabalho no cinema, enquanto que Michael Aloni, o namorado, é um conhecido astro em Israel, tendo trabalhado também no teatro e na televisão desde criança. Como foi feita a seleção dos protagonistas?
Michael Aloni foi uma incrível surpresa, foi muito bom ter trabalhado com ele. Realmente, ele é um grande astro em Israel, já foi indicado ao prêmio da Academia de Cinema Israelense, o Oscar local, fez diversos trabalhos no cinema, no teatro e na televisão. Meu receio é que fosse apenas um rostinho bonito, um galã sem conteúdo, e foi muito bom descobrir que além de bonito e talentoso, é também muito trabalhador. Ele chegou no filme cheio de questões, muito interessado, realmente querendo colaborar. Já o Nicholas foi mais difícil, pois esse é, de fato, o primeiro trabalho dele como ator. Estávamos indecisos entre outros dois candidatos, quando quem o recomendou foi a própria namorada dele – os dois atores são héteros, à propósito. Ela veio até nós fazer um teste para um outro papel no filme, e quando soube que ainda estávamos indecisos quanto ao protagonista, o indicou. “Sabe, meu namorado seria perfeito para esse personagem”, disse. Ficamos curiosos, até pela atitude dela, e o chamamos. O teste dele nos convenceu de imediato, mas definitivo foi quando colocamos Michael e Nicholas juntos, lado a lado, e percebemos a incrível química que existe entre os dois. Demos muita sorte, mas também tivemos muito trabalho, muitos ensaios, explicando os personagens a fundo, tudo para tornar a atuação deles a mais natural possível.

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Nicholas Jacob

Além da Fronteira já foi exibido e premiado em festivais ao redor do mundo, como no México, Portugal, Estados Unidos, Alemanha, Itália e Canadá, entre outros. Essa recepção tem superado suas expectativas?
Exibimos o filme pela primeira no Festival de Toronto de 2012, depois fomos para o Festival do Rio, de Chicago, em Sydney… circulamos o mundo! Um dos festivais mais importantes foi o de Haifa, quando fomos exibidos pela primeira em Israel, e ganhamos o prêmio de Melhor Filme (N.E.: empatado com Preenchendo o Vazio, 2012). Esse resultado foi muito inesperado, definitivamente superou todas as minhas expectativas. Nunca imaginei que iria a tantos lugares diferentes, e que seríamos tão bem recebidos com uma história tão singela, simples até, mas que estamos vendo o quanto consegue se comunicar. Os sentimentos são universais, essa tem sido a nossa maior recompensa.

 

Como foi receber o convite para estar presente no Festival Mix Brasil de Cultura e Diversidade, aqui no Brasil?
Nunca tinha vindo ao Brasil antes, então foi muito emocionante ter sido convidado para vir visitá-los. É maravilhoso poder estar aqui. Recentemente mudei para uma casa nova, aqui em Los Angeles, e tenho estado muito ocupado com a mudança, com os ajustes de última hora, com essa burocracia toda. Mas disse pra mim mesmo: “isso pode esperar por uma semana”. Larguei tudo e vim para cá, não poderia perder essa oportunidade. Nunca imaginei que Além da Fronteira estaria aqui, sendo exibido nos cinemas, que teriam pessoas no Brasil interessadas não apenas em ver, mas também em discutir e comentar nosso filme. Tem sido uma experiência maravilhosa.

 

Conhece algo do cinema brasileiro?
Não o suficiente, com certeza! Creio que tenha visto apenas os filmes mais badalados nestes anos mais recentes, como Cidade de Deus (2002) e os dois Tropa de Elite (2007 e 2010). Foram títulos que viajaram o mundo todo, premiados e reconhecidos internacionalmente, e certamente despertaram minha curiosidade. São filmes incríveis, principalmente o Tropa de Elite, pois mostra um retrato da cultura brasileira – ou melhor, da sociedade brasileira – muito similar àquela que conheço de Israel, com diferenças sociais, conflitos, relações à flor da pele. Como estrangeiro, foram filmes muito intensos. Infelizmente, no entanto, sei muito pouco sobre o cinema brasileiro. O que ouvi falar é que vocês são experts em telenovelas, o mundo inteiro assiste às novelas brasileiras. É tudo o que sei.

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Michael Aloni

Quando se fala em cinema israelense, ou principalmente em cinema gay feito em Israel, um dos principais nomes que surgem é o de Eytan Fox. Você o conhece? O que acha do trabalho dele?
Infelizmente, não o conheço pessoalmente. Mas é claro que o conheço, sei do seu trabalho, sou fã de seus filmes.  Ele é um grande cineasta, muito importante para outros cineastas em Israel como um todo, não só para o cinema gay. O sucesso dos seus filmes abriu portas para muitos cineastas novos, independentes, que estão fazendo trabalhos ousados, criativos, irreverentes, e não apenas com temática gay.

 

Ele pode ser considerado uma inspiração para o seu cinema? E quais seriam suas outras inspirações?
Eytan Fox é uma inspiração na medida que faz um cinema muito consciente, sério, sincero. É um exemplo a ser seguido, com certeza. Ultimamente, no entanto, tenho visto muitos filmes do diretor de fotografia Gordon Willis, o homem por trás daquele visual fantástico de O Poderoso Chefão (1972), de Klute: O Passado Condena (1971), de muitos filmes do Woody Allen. São trabalhos mais escuros, pesados, misteriosos. Willis durante muito tempo foi considerado o Príncipe da Escuridão em Hollywood. Não que eu esteja querendo reproduzir esse mesmo olhar, mas definitivamente é uma inspiração. Sou fã do cinema americano no início dos anos 1970, aquela coisa mais crua, intensa. São minhas referências atuais.

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Cena de Além da Fronteira

Quais são seus próximos projetos? Pretende seguir investindo na temática gay?
Estou tentando algumas ideias que tenho em mente. Há dois projetos que estou trabalhando no momento, uma é uma história sobre um misterioso assassinato, inspirado num livro israelense de muito sucesso. E a outra é uma história sobre high school, envolvendo futebol americano, bem adolescente, algo mais leve. Mas são ainda possibilidades, dependem muito de se conseguir financiamento, de viabilizá-los. Sobre a temática gay, o que me importa é ir atrás de boas histórias, sendo elas gays ou não. Não me sinto limitado por essa questão, o que quero é fazer bons filmes.

(Entrevista feita por telefone direto de São Paulo no dia 08 de novembro de 2013)

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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