Ele foi batizado como Paulo Corrêa de Araújo, mas todo mundo o conhece como Paulinho Moska – ou, simplesmente, Moska. Carioca do dia 27 de agosto de 1967, o músico – e ator bissexto – começou a tocar violão com apenas 13 anos, e se tornou famoso no país todo com a banda Inimigos do Rei, em 1987. No entanto, o espírito inquieto de ‘multiartista’ – como o próprio se define – nunca o permitiu ficar muito tempo no mesmo lugar. Assim, logo surgiram participações em projetos para a televisão e para o cinema, tanto como compositor como também interpretando. Mas nunca seu desafio havia sido tão intenso – e recompensador – como no recente Minutos Atrás, de Caio Sóh. O drama quixotesco, exibido com sucesso no Festival do Rio de 2013, chegou há pouco nos cinemas, exibindo Moska em duas funções inéditas – além de ser um dos protagonistas, ao lado de Vladimir Brichta e Otávio Müller, no papel do cavalo Ruminante (!), ele também assina pela primeira vez a trilha sonora de um longa-metragem, dessa vez em parceria com André Abujamra. Aproveitando o lançamento do filme, o astro atendeu uma chamada do Papo de Cinema enquanto fazia uma corrida de táxi pela cidade do Rio de Janeiro. Durante o trajeto, conversou sobre o novo trabalho e sobre suas inspirações profissionais. Confira!
Como você se envolveu com o projeto Minutos Atrás?
Foi o Caio Sóh, o diretor, que me procurou com o convite. Nós temos alguns amigos em comuns, e já havia ouvido falar dele, mas só nos conhecíamos socialmente, não éramos íntimos. Então, estranhei quando recebi a ligação dele, perguntando se eu poderia ler um texto dele. Foi surpreendente, mas gostei. Principalmente quando me disse que os outros atores, o Vladimir Brichta e o Otávio Müller, já estavam confirmados. Sou amigo pessoal dos dois, então isso me estimulou. Foi um convite garantido, não havia como dizer não.
Qual a sua relação com os seus colegas de cena?
O Otávio eu o conheço desde que tinha 18 anos, quando fizemos um espetáculo juntos, uma coisa muito louca. Depois ele casou com a Preta Gil, eu e ele tivemos filhos mais ou menos na mesma época, as coisas iam coincidindo. Com o Vladimir foi mais ou menos parecido, só que mais recente, porque ele veio da Bahia. Mas, quando já estava no Rio de Janeiro, acabou casando com a Adriana Esteves, que é uma amiga muito querida. Ou seja, ficamos todos muito próximos. A companhia deles me deu garantia e segurança para voltar a atuar.
E como você recebeu esse convite?
Quando o Caio me disse que meu personagem seria um cavalo chamado Ruminante, fiquei com muitas dúvidas. Como eu faria isso? E, no texto original, o cavalo fala horrores, o tempo todo. Ele é uma espécie de narrador. A primeira coisa que perguntei pra ele foi: “você pretende filmar tudo isso?” (risos).
Mas o que você estava lendo era a peça de teatro, certo?
Sim, era a peça. Mas eu não a conhecia. E a estrutura dele, ainda que teatral, tem uma visão, um contexto cinematográfico. Tanto que a adaptação funcionou – ao menos é o que eu penso, claro. E, como disse antes, não conhecia o Caio. Tinha lido algumas coisas a respeito, haviam me falado sobre ele por amigos em comuns, mas sempre com entusiasmo, falando do talento dele e tal. Umas duas ou três vezes antes, em encontros em festas, ele havia me dito “vamos trabalhar juntos”, e eu pensava “claro, é só me ligar...”, mas aquele tipo de papo de bêbado, que não vai ligar nunca. Só que ele ligou…
Como foi esse processo de transformar uma peça de teatro em um roteiro de cinema?
Quando o Caio me ligou, a nossa intimidade era zero. Mas assim que começamos a trabalhar juntos, nos tornamos grandes amigos. Ele é muito ávido por sugestões, é um cara muito criativo que trabalha bem em conjunto. Foi minha a ideia, por exemplo, de dividir a estrutura do filme em três atos, com as mortes de cada personagem. Ou seja, construímos juntos o roteiro, o processo foi bem colaborativo. Todo mundo deu opinião. No primeiro dia de ensaio, pra se ter uma ideia, o roteiro estava pela metade!
Vocês chegaram a ensaiar muito antes das filmagens?
Claro, muito. Foram 15 dias de ensaios, em que íamos construindo o roteiro, os personagens, a história, todo mundo junto. Os ensaios nos ajudaram a perceber o que estava sobrando, as gorduras do texto. E também nos aproximaram ainda mais. Eu estava um pouco mais livre de tempo do que os meninos, que estavam mais envolvidos com a televisão, então pude me aproximar bastante do Caio. Foi uma experiência inesquecível.
O que achou da proposta de interpretar um cavalo?
Essa é a magia do cinema, certo? Primeiro levei um susto, mas aos poucos fui entendendo a proposta. Eu me formei em teatro, me sinto atraído por essas loucuras! A equipe inteira é de gente maluca assim, é muito mais gostoso de trabalhar com quem te desafia. Todo mundo que estava ali era por causa do sucesso no teatro, ninguém havia lido o roteiro antes. Mas o texto original já era suficientemente arrebatador, e entendemos que vinha algo muito legal a partir disso. O Caio não é um cineasta, ele se tornou um após fazer dois filmes, mas não tem todas as referências. E essa ingenuidade permite uma liberdade rara.
O que você quer dizer com “ele não tem todas as referências”?
Quando comentei com o Caio que o cavalo se parecia com o Tom Waits, ele me perguntou “quem é Tom Waits?”! Foi maravilhoso poder apresentar o Tom Waits pra ele. Também disse para ele que o Ruminante era a Morte, que havia me lembrado muito d’O Sétimo Selo (1957), do Bergman. E ele nunca havia ouvido falar desse filme, quanto mais do Bergman! Daí peguei, o chamei um dia lá em casa e assistimos ao filme juntos. As referências foram sendo construídas juntas. Essa falta de parâmetros por um lado é muito bom porque lhe dava uma liberdade, lhe tirava o medo de errar, o receio de repetir o que outros já fizeram, entende?
Mas liberdade demais pode gerar caos. É preciso alguém que a direcione, não?
Exatamente. Mas o bacana é que o Caio sabia muito bem o que queria, havia feito a peça antes, todo mundo estava ali por causa dela. O trabalho dele foi escolher bem essa equipe e deixar as pessoas pirarem. O Luiz Fernando Carvalho era uma referência muito forte, principalmente pelo que ele tem feito na televisão, que é ainda outro meio. Aquela coisa de teatro televisivo, de brincar também no cinema com uma linguagem mais ousada. O Caio buscou essa teatralidade no cinema.
Onde foram feitas as filmagens?
Tudo no Rio de Janeiro. Impressionante, não? Levamos dez dias filmando, e circulamos bem ao redor da capital, nem fomos muito longe. Fomos a Jacarepaguá, Recreio, Estrada dos Bandeirantes, Maricá… a escolha dos cenários foi feita com muito cuidado, e o trabalho de imagem depois ajudou para criar esse visual único. Mas é tudo criatividade, não foi preciso sorte, e sim trabalho.
Este não é o seu primeiro filme como ator. O que lhe estimula nessa atividade?
Esse é o meu décimo filme, se contarmos também médias e curtas. É o sétimo longa, para ser exato. Nunca recusei um convite para cinema, o problema é que vieram poucos (risos). Mas esse veio, e estou muito feliz por ter feito parte desse projeto. Ainda mais pela oportunidade de interpretar um cavalo que canta e é mudo, foi uma grande motivação. E não tenho medo de desafios, para esse filme tive que aprender a tocar banjo em menos de um mês! Tudo isso me provocou. Estar ao lado do Vladimir e do Otávio, formamos um trio fantástico. O approach teatral do Caio foi ótimo, não é realista, não é hollywoodiano, é outra coisa, a pegada é diferente. Como se buscássemos um novo equilíbrio. A própria cor do filme, que não se sabe se é preto e branco ou colorido. E essa busca pela cor é também pela vida, é o que estes três tipos estão atrás. O texto original já era muito poético e bem humorado, e isso nos permitiu criar ainda mais a partir dele.
Os seus diálogos no filme acabaram sendo musicados. Foi uma sugestão sua ou ideia do diretor?
Foi uma ideia do Caio, ele me acenou pedindo que fizesse também as canções do filme, que cantasse e tocasse. Nossa, isso me deixou louco, fiquei tão excitado que nem sabia ao certo por onde começar. Mas foi uma escolha acertada, pois eram textos enormes! Daí eu os pegava e ia cortando, ia cortando, até ficar com o suprassumo do diálogo! Dali surgiram esse lado musical do filme. Mas fui eu que sugeri do cavalo ser mudo, só cantasse. Foi uma decisão que tomamos juntos e que permitiu várias coisas. Pra quem atua, o fato de não poder falar é até mais complicado, pois precisamos nos expressar de outra forma. Os dois atores não me veem como homem, só como cavalo – havia mesmo um cavalo em cena! E não é como cachorro, que você chama e vem. Cavalo é aquela coisa que fica ali, parada, impassível. Então, como fazer um cavalo melhor do que ele mesmo? Eu tinha que estar parado, mas ao mesmo tempo presente!
Este é o seu primeiro filme como compositor, não?
Sim, minha estreia. Outros já contaram com composições minhas em alguns momentos, mas é a primeira trilha que faço do início ao fim. E me permitiu compor músicas que não vão necessariamente na linha do meu trabalho solo. São melodias compostas por um cavalo, não há ligação com o meu autoral, é outra proposta. Nem a minha própria voz está ali, tive que propor uma mais trabalhada, estilo Tom Waits. É algo que nunca faria na minha carreira como cantor, mas precisei ser essa outra pessoa, pois o filme pedia. É tudo muito diferente do que estou habituado, meio Tim Maia, muito livre.
Mas você não estava sozinho…
Sim, não tinha como fazer sozinho. Por isso que chamei o Abu, o André Abujamra, que é alguém que conheço desde os meus 13 anos, somos muito amigos. Ele é um dos maiores trilheiros do cinema nacional, fez mais de quarenta filmes, tem muita experiência. Ou seja, era alguém qualificado, que poderia me ajudar, e com quem tenho muita intimidade. Eu estava estreando, entende? Por isso pedi a ajuda dele: “já tenho as músicas, mas como faço para organizar como trilha sonora?” Era tudo muito novo para mim. A trilha foi gravada por nós dois, na casa dele, sem mais ninguém. Foi um processo em conjunto, muito artesanal. O Abu é um músico do desagrado, que coloca uma quantidade incrível de coisas na música dele, que conta com a sujeira para criar uma musicalidade inédita. É uma coisa ‘tronxa’, como apelidamos durante as filmagens. Foi uma possibilidade de encarar o ruído como som musical. Este era o espírito do Minutos Atrás.
Qual das duas experiências lhe deu mais prazer?
Comigo não tem disso não, tudo me dá prazer. Eu misturo tudo, sou conhecido como cantor e compositor, apresento um programa de televisão, me considero também um artista visual. Sou formado em teatro, escrevo poemas musicais que depois os canto. Coleciono de tudo – selos, garrafas, cigarro – e fazer todas essas atividades me faz ser um artista contemporâneo, um multiartista. Faço de tudo um pouco e deixo tudo misturado, uma coisa ligada na outra. Vou fazendo as coisas e tento buscar um sentido nisso tudo, que nem eu mesmo sei qual é. Vou me envolvendo com tudo que está ao meu alcance e pensando em como poderei potencializá-las. Tudo vai se somando.
E como foi a parceria com Vladimir Brichta e o Otávio Müller?
Foi muito cômodo, na verdade. Primeiro por causa da minha amizade com eles, trabalhar com dois amigos, num ambiente de admiração mútua profissionalmente e pessoalmente. Foi muito enriquecedor. Fiquei felicíssimo de serem os dois ali ao meu lado. Os ensaios foram tranquilos, aproveitei ao máximo o que eles tinham a oferecer de suas outras vivências no cinema. E, durante as filmagens, ele são tão tranquilos, que chega a ser impressionante! O diretor está prestes a dizer “ação” e eles ainda acham tempo para contar uma piada, para relaxar. É muito bom. Não foi nada daquilo de concentração pura, de entrar no personagem e não sair mais, pelo contrário. Foi mais ou menos como faço nos meus shows, muito tranquilo, com todo mundo rindo, se divertindo. O filme teve esse clima de amizade o tempo todo, sem muitos esforços, pois estávamos preparados. Assim fica mais fácil.
O que você espera que o público encontre em Minutos Atrás?
Não queremos mudar o mundo com esse filme. Acho que, justamente por não ser pretencioso, por não termos tanta informação, por ser algo mais direto, no entanto, conseguimos exatamente isso: MUDAR O MUNDO. Se você parar e entrar nele o que irá encontrar é um bloco de sensações, que não tem muito como explicar. Está em tudo, nos atores, nos figurinos, nos cenários, tudo faz parte dessa soma de sentimentos e experiências. Tivemos a oportunidade de construir um mundo, propor uma linguagem nova. Não que tenha sido inventada do zero, mas que parte dessa conjunto de vivências. O filme que mais serviu de referência para mim foi O Incrível Exército de Brancaleone (1966), do Mario Monicelli. Aquilo é um pouco Minutos Atrás. Bem humorado, mas ao mesmo tempo crítico.
(Entrevista feita por telefone no Rio de Janeiro no dia 20 de março de 2014)
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