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Edilson Silva teve uma ascensão rápida dentro do cinema brasileiro. O ator começou com o papel de protagonista em Brasil S/A (2014), antes de atuar em projetos premiados como O Porteiro do Dia (2016), Azougue Nazaré (2018) e Bacurau (2019). Em 2021, ele chega à 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes com um novo protagonista: Maycon, o pugilista do drama Mirador, dirigido por Bruno Costa.

Na trama, o ex-atleta se vê encarregado de cuidar sozinho da filha pequena, Malu, de quem não tinha a guarda desde a separação da mãe da criança. Rapidamente, o homem acostumado aos bicos em restaurantes e transporte de mercadorias precisa encontrar tempo e dinheiro par lidar com a garotinha que nunca conviveu com ele. Uma das alternativas é voltar para os ringues.

O Papo de Cinema conversou com Edilson Silva, que destaca as semelhanças de sua história pessoal com aquela de Maycon, os treinos para um personagem tão exigente fisicamente, e os prazeres de atuar ao lado de uma criança de dois anos de idade:

 

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Edilson Silva e Maria Luiza da Costa em Mirador

 

Como se envolveu com o projeto?
O Bruno Costa entrou em contato comigo enquanto eu estava fazendo outro longa, do Daniel Bandeira, em Pernambuco. Quando cheguei do set, à noite, vi a mensagem no Facebook. O Bruno me disse que tinha me visto o filme da Nathália Tereza, De Tanto Olhar o Céu Gastei Meus Olhos (2017), e tinha gostado do meu trabalho. Ele me apresentou o longa, disse que queria muito contar comigo no projeto. Precisei explicar que estava terminando aquele filme, e provavelmente começaria outro em seguida. Estava em fase final de negociação. Ironicamente, este outro projeto nem rolou, e acabei indo para Mirador.

 

Você recebeu o roteiro completo desde o início?
Quando o Bruno conversou comigo, o roteiro ainda estava sendo finalizado, e ele precisava terminar o processo com o William [Bagioli, co-roteirista]. Ele me atualizava de cada tratamento, e me mandava muitas referências de filmes de luta, como Rocky: Um Lutador (1976). Eu comecei a pesquisar desde essa época, mesmo sem ter conhecimento de como o Maycon seria exatamente. Vi lutas no YouTube, assisti aos vídeos do Mike Tyson e do Muhammad Ali. Assim que o roteiro estava pré-finalizado, peguei a versão impressa pela primeira vez. Li e achei massa, fiquei com ainda mais vontade de fazer. De qualquer maneira, já tinha aceitado mesmo sem saber como seria o roteiro finalizado, mas a empolgação foi ainda maior.

 

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Mirador

 

Tinha algum contato pessoal com as lutas, ou o esporte profissional?
Nunca tinha lutado, essa foi a primeira vez. Quando criança, eu ensaiei a capoeira, mas nunca levei adiante. Meu único esporte, até eu conhecer o cinema, era ser jogador de futebol – esse era o meu sonho de criança. Depois que comecei a assistir às lutas, achei muito interessante a ideia de ser um lutador profissional, e o filme foi minha oportunidade de viver a rotina de um profissional. Antes de ir para Curitiba, o Bruno me perguntou se tinha alguma academia de boxe aqui no interior de Pernambuco, para eu já ir treinando. Mas não tem nada aqui, nunca tinha ouvido falar em luta por esses cantos. Eu já vinha treinando, porque sempre gostei de correr e frequentar a academia. Então intensifiquei os treinos com um colega professor de educação física. Comecei a pegar peso, a fazer mais exercício de braço e ombro. Sempre fui forte, mas não definido. Precisei mudar para ficar com corpo de lutador. Treinei todos os dias da semana, corria sempre. Já cheguei a Curitiba pronto para receber o personagem, mas só fui treinar o boxe chegando lá. Então tive uma semana muito intensa de treinamento, nunca tinha vivido nada tão puxado. Treinei de 7h às 12h todos os dias, e acordava quebrado no dia seguinte. Mas tomava um banho e seguia em frente. No terceiro dia, o corpo já estava acostumado.

 

Maycon é muito ligado ao corpo. Quando não está dedicado ao boxe, ele está carregando caixas, levando sacos de lixo, correndo e fazendo sexo.
As repetições das cenas foram difíceis! Tem a cena em que o Maycon sai correndo de manhã, e eu corri em dez takes diferentes. Por causa da história, eu não podia correr devagar como se estivesse num aquecimento. O Maycon queria emagrecer rápido, então precisava ser uma corrida forte, focada. O Bruno me pedia para manter o ritmo, mas eu não podia garantir que o décimo take teria a mesma qualidade do primeiro, até porque a rua tinha uma pequena subida. Eu ainda tinha que correr antes de a câmera chegar em mim, para me pegar em movimento. Corri num dia só o que correria numa semana, normalmente. No último dia de filmagem, saí do set direto ao aeroporto, para ir embora. Fiquei muito emocionado, com os olhos marejados, porque fui muito bem acolhido por todos. Era difícil pensar que eu abandonaria o Maycon depois de uma experiência tão intensa.

 

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Como descreveria Maycon enquanto pai?
De início, eu achava o personagem meio desleixado. Comecei a pensar: “Por que Michele foi embora”? Certamente foi porque ele não dava atenção, não cuidava da criança desde o nascimento. Então um dia ela ficou cansada de fazer tudo sozinha, deixou a criança com o pai e foi embora. Depois a ficha dele cai, ele percebe que precisa começa a proteger a menina. Uma colega que assistiu ao filme me ligou para dizer que sentia até raiva de Maycon no começo, porque ele não dá atenção para ninguém. Depois a situação muda. Agora, eu fico torcendo para ter Mirador 2, para mostrar Maycon vencendo na vida, a filha crescendo, Michele voltando e descobrindo o que perdeu. No início, esse é um personagem meio estranho mesmo, mas a Malu vai conquistando ele, assim como a Malu real conquistou todo mundo nas filmagens. Essa menina é incrível, é a cereja do bolo. Ela é a verdadeira estrela do filme.

 

Para atuar com uma criança pequena, você devia estar muito aberto ao acaso.
Quando a gente foi apresentado pela primeira vez, ela já me conheceu com o nome “Papi”. Não disseram meu nome verdadeiro, para ela já me chamar de Papi. Ela foi se adaptando: no primeiro dia, ficou meio ressabiada. Aos poucos, a mãe dela começou a sair da sala, e a Malu deu uma olhada desconfiada para a porta. Mas depois ela nem se importava com a mãe mais! Ficava sossegada brincando, e a gente se tornou como pai e filha de verdade. Eu me apaixonei por ela, e sei que ela gostou muito de mim. Ela fazia umas birrinhas, como na cena em que eu tento dar feijão, mas ela emburra. Ela fazia aquilo sempre que não tinha vontade de gravar. Às vezes a gente parava a cena, filmava outra coisa até ela descansar e a mãe trazer ela de volta. Malu é uma fofa. A cena em que o Maycon tenta dar a mamadeira para a menina enquanto ela chora me cortou o coração. Eu tinha que falar bravo, mas assim que terminou a cena, corri para ver se ela estava bem.

 

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Chegaram a incorporar interações espontâneas na história?
Boa parte das interações foi roteirizada, ou nasceu nos ensaios, mesmo que tenha mudado um pouco na hora de filmar. A cena da banheira, por exemplo, foi ensaiada sem água, claro. A gente só colocou a água de fato na hora de filmar. A Malu surpreendeu todo mundo. Uma cena fez a diretora de arte cair em prantos. No primeiro dia que o Maycon traz a Malu para casa, ele deixa a menina num canto, nem dá atenção para ela. A menina quer ir embora e abre a porta. Eu dou uma bronca, ela fecha a porta de novo e volta para dentro, toda triste. Foi incrível. A Malu já nasceu atriz. Quando ela queria as coisas, ela vinha me procurar pelo set, gritando: “Papi!” Às vezes ela procurava por mim enquanto eu estava gravando outra cena. A Malu pedia para me ver, mas eles distraíam a menina dizendo que eu tinha saído para comprar um presente para ela. Assim que a gente se via, ela perguntava: “Cadê o presente da Malu?”.

 

São comuns os casos de abandono paterno, mas o filme imagina o abandono pela mãe.
Eu achei incrível isso desde que vi no roteiro. Eu nasci e me criei numa pequena do interior de Pernambuco, Condado, onde as pessoas são muito machistas. É comum ver meninas de 16, 17 anos abandonadas quando engravidam. Fiquei feliz de poder contar o inverso disso. Tenho certeza de que muitas mulheres vão se identificar com o Maycon, mesmo sendo um homem, porque passaram e ainda passam por essa situação. Eu também gostaria que o máximo de homens assistissem para se colocarem na posição da mulher que precisa tantas vezes trabalhar e cuidar das crianças sozinha. Adorei que Bruno tenha colocado a questão dessa maneira, isso me deu ainda mais vontade de trabalhar no projeto. E eu fiquei feliz de ser o ator contando a história por esse ponto de vista.

 

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O que esta experiência como protagonista do filme traz para a sua carreira, depois de Bacurau e Azougue Nazaré?
Felizmente eu já comecei no cinema protagonizando, com Brasil S/A. As pessoas brincavam comigo porque eu estava começando logo como protagonista. Cada projeto vem a acrescentar algo na vida e no currículo. Acredito que a partir de Mirador, muitos projetos vão surgir. Às vezes algum diretor te vê em algum projeto, você nem conhece a pessoa, mas já te chamam para algo novo. Mirador vem para somar e contribuir no meu crescimento tanto pessoal quanto profissional. Além disso, eu tenho uma ligação com a história: minha filha mora comigo e a minha mãe desde que ela tinha dois anos de idade, quando me separei da mãe dela. Ela ficava em casa de vez em quando, nos fins de semana, depois ficava mais dias, e acabou ficando de vez. Hoje ela mora com a gente, e tem quatorze anos. Por esse ponto de vista, eu me identifico com o Maycon. A figura materna que minha filha tem é aquela da avó. Isso soma ao percurso, sem dúvida. E claro, tem o Bacurau acabou de ser indicado ao Independent Spirit Awards, um dos termômetros do Oscar. Ainda temos um grupo das pessoas que fizeram Bacurau, e me mandaram essa notícia. Fico acompanhando, e vejo a repercussão forte das pessoas quando posto algo desse filme nas redes sociais. Além disso, tem aquela foto que circulou por todos os cantos, onde eu estou bem do lado da Sônia Braga!

 

Bacurau foi mais um papel focado na corporalidade…
Já pensei nisso antes. Cheguei a me questionar: será que as pessoas acham que eu não falo bem? Meus personagens são sempre bastante relacionados ao corpo. Mas Mirador tem bastante falas, e na série do Hilton Lacerda, exibida no Canal Brasil, também tenho bastante falas. Foi só paranoia minha de imaginar essas coisas. Ao mesmo tempo, fico contente que as pessoas enxerguem um ponto forte em mim, que reconheçam essa qualidade. Já fui elogiado por isso, me disseram que tenho presença na tela. Minha namorada me perguntou: “O que significa dizer que você tem força em cena”? Expliquei que era algo como ser fotogênico.

 

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Edilson Silva em Bacurau

 

Mirador chega a um festival online, num processo delicado de retomada das exibições presenciais. Como vê o cinema via telas caseiras? Já se sente à vontade para ir ao cinema?
Fiquei contente com a exibição virtual em Tiradentes, porque o filme vai chegar a um número muito maior de pessoas. Se fosse presencial, em plena pandemia, quase ninguém poderia ver, apenas as pessoas de lá. No final, acabou sendo uma oportunidade boa para as pessoas verem em primeira mão. Em relação às salas de cinema, eu nunca frequentei muito. Eu vou às vezes nas pré-estreias dos filmes que faço, mas não tem sala de cinema em Condado: eu preciso ir até Recife, que fica a duas horas de viagem. Sei que vou querer ver Mirador nas telas do cinema na primeira oportunidade que tiver: a experiência do som e da tela é totalmente diferente. Mas até o momento, se as pessoas seguirem os protocolos de segurança, não vejo problemas para acompanhar filmes no cinema. O fato de eu ir pouco às salas tem a ver com a disponibilidade mesmo. Além disso, o transporte até Recife é difícil, não tem transporte fácil de ida e volta. Não tem como pegar sessão à noite, por exemplo.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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