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Assistimos à Miúda e o Guarda-Chuva (2019) na sua première mundial, ou seja, durante o Anima Mundi 2019. Aliás, o evento teve severas dificuldades para acontecer por conta do declínio de patrocinadores antigos – fruto da política de desmonte estatal que segue até os dias atuais. Em vários momentos, trabalhar com cinema no Brasil é semelhante a uma exaustiva prova de resistência. O cineasta Amadeu Alban conversou conosco logo após aquela primeira sessão, ainda no calor da emoção por ter mostrado pela primeira vez o filme ao público. Veio a pandemia e certamente os planos de lançamento tiveram de ser readequados ao novo cenário. Miúda e o Guarda-Chuva está prestes a chegar ao streaming, mostrando a amizade de uma menina míope com sua planta carnívora de estimação. Cansados de virarem comidos, os insetos vizinhos bolam um plano para mudar de vida. Confira abaixo a nossa conversa exclusiva com Amadeu Alban, o diretor desse longa-metragem repleto de poesia e feito para os pequenos.

 

Miúda e o Guarda-Chuva foi o único longa infantil brasileiro do Anima Mundi 2019. Houve ali um misto de expectativa e nervosismo, visto que seu filme teve a primeira exibição pública no evento?
Cara, é doido. Se trata de um projeto de muitos anos, do esforço de toda uma equipe pequena e apaixonada. Esse projeto nasceu como conto, virou peça de teatro e depois foi transformado num piloto de série de TV de 11 minutos. Mais tarde, vimos que tínhamos o embrião de um longa. Desde 2011 estamos nessa de escrever roteiro, inscrever em edital, batalhar a grana, amadurecer o projeto, fazer consultoria de roteiro, até que finalmente estamos lançando após esse ciclo de oito anos. Poder assistir ao filme num festival como o Anima Mundi é uma super materialização. Ele nasceu, agora foi. Ufa (risos). O fato de ser o único longa infantil em competição dá um frio na barriga (risos).

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Dentro do seu trabalho, como percebe a herança de projetos que vieram antes, abrindo caminhos, mostrando a animação como um mercado possível no Brasil?
Infelizmente são poucos filmes ainda. As animações brasileiras cresceram muito com as séries de TV. Esse foi um mercado que conseguimos desbravar, com cada vez mais produtoras e programas dedicados. Dispositivos estatais, como a lei da TV paga, mostram o quanto as políticas públicas são cruciais para o desenvolvimento de uma indústria local. E isso é assim em todos os segmentos. O agronegócio, por exemplo, é extremamente subsidiado e ninguém fala nada sobre isso. A indústria automobilística idem. E aí quando a cultura é subsidiada, artista vira vagabundo, como se fôssemos sustentados pelo governo. A animação é dos ramos do audiovisual o de execução mais hercúlea, pois envolve muita gente, altas somas, além de se dar em processos mais lentos. No cinema a gente tem uma grande barreira que é a competição desleal com os exemplares dos gigantes. Na animação isso é ainda mais cruel. Desejo para a indústria do cinema de animação do Brasil o mesmo que a indústria da televisão está conseguindo.

 

Seu filme é para crianças, um público muito exigente. Como você percebe essas produções, como a sua, que também têm importância para a formação de plateia futura?
O público infantil, de fato, é difícil de lidar. Principalmente quando você chega com uma proposta diferente do que é massificado. Nossa crença é na possibilidade de novas narrativas para crianças, não subestimando a capacidade delas de lidar com emoções, narrativas e complexidades. Esse é o espaço que queremos ocupar. Aos poucos, com estratégias de distribuições próprias, envolvendo pais e educadores, tentamos acessar de modo diferente esse público. O que temos percebido é, apesar de ser um filme com ritmo e estética diferentes, ele engaja as crianças, provoca a reflexão. Se tem um público que gosta de ser provocado é o infantil, que te questiona tranquilamente.

 

São perceptíveis estratégias para a adesão infantil, como as repetições com jeito de bordão. E tem uma possibilidade poética também instigante aos adultos….
Essa é a grande proposta estética do filme: se valer dessas linguagens atualmente marginais, como a poesia, para transmitir a história. Há poesia em todo canto do mundo, obviamente, o que talvez esteja faltando é disposição para encontrar esse lirismo nas pequenas coisas. Os diálogos pressupõem questionamentos. Como construímos nossas relações? Que escolhas somos capazes de fazer? Como podemos preparar nossos filhos para eles serem capazes de estabelecer relacionamentos saudáveis? A gente espera que isso fique como mensagem, claro, com muita música, cor, sons e formigas loucas viajando no tempo para as crianças se divertirem. Cabe aos pais fazerem a leitura dessas camadas e dialogarem com seus filhos sobre isso.

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E como seu deu o bonito trabalho das vozes originais do filme?
Nosso trabalho com elas se deu, num primeiro momento, numa escala afetiva. A voz da planta é de Harildo Deda, mestre do teatro baiano, ator com maios de 50 anos de carreira. A voz de Miúda é de Luana Carrera, menina que começou gravando os diálogos com 10 anos de idade e depois, na hora de gravar adicionais, ela tinha 16 anos e morava em Barcelona (risos). Tivemos de fazer um trabalho de puxar ela para a voz de criança. Entrevistamos mais de 70 crianças para chegar à voz dela. Curiosamente, Luana foi a primeira a fazer o teste. Entrevistamos 70 e ficamos com a primeira (risos). O elenco de vozes originais é todo baiano. É muito bacana em apostar no nosso sotaque, por exemplo. Gravamos as vozes e animamos em cima dos diálogos. Fizemos várias leituras e ensaios de mesa. Foi lindo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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