Alejandro Landes tem pose de galã, mas seu trabalho, mesmo, se concentra nos bastidores. O cineasta nascido em São Paulo nos anos 1980 foi criado entre Equador e Colômbia, e deu seus primeiros passos profissionais nos Estados Unidos. Como se percebe, é um cidadão do mundo. E após ter dirigido o documentário Cocalero (2007), exibido nos festivais de Sundance, Mar del Plata e Zurique, e a ficção Porfírio (2011), que passou pela Quinzena dos Realizadores, no Festival de Cannes. Nenhum dos dois, no entanto, chegou perto da repercussão alcançada por seu terceiro longa, o drama Monos: Entre o Céu e o Inferno (2019), que recebeu mais de 20 prêmios – e outras dezenas de indicações – além de ter sido escolhido como representante oficial da Colômbia no Oscar. Após muita espera, o filme está finalmente em cartaz nos cinemas brasileiros, e nós conversamos melhor com o diretor, que explicou seu processo de trabalho. Confira!
Olá, Alejandro. Antes de falarmos sobre Monos, nos conte um pouco sobre você, que nasceu em São Paulo, mas tem nacionalidade colombiana e equatoriana, correto?
Sim, exatamente. É uma mistura interessante (risos). Meus pais, logo após terem se casado, decidiram se mudar para o Brasil em busca de mais oportunidades de emprego. Moraram primeiro em Belo Horizonte, depois se mudaram para São Paulo, onde nasci. Mas ficamos pouco tempo por lá, a família decidiu vir embora quando eu era pequeno ainda. Devia estar com um ou dois anos. Cresci entre o Equador e a Colômbia. Meus pais não são brasileiros, ele é equatoriano, e ela é colombiana. Morávamos em Medellín, mas os anos 1980 e 1990 foram muito complicados no país, como você deve saber. Tanto que decidimos nos mudar de novo, dessa vez para o Equador. Foi lá onde comecei a me interessar por cinema. Mas, aos 18 anos, fui estudar nos Estados Unidos. Não foi exatamente para a Faculdade de Cinema, não cheguei a ter essa formação tradicional. Cinema é algo que adoro, que sempre tive por perto. Agora, no entanto, moro em Nova Iorque, e nesse momento estou em Los Angeles, a trabalho, já no desenvolvimento do meu próximo projeto.
Maravilha. Então, Monos é o teu terceiro longa, o segundo de ficção. Como nasceu esse projeto?
Olha, acho que nasce das tripas da gente (risos). Me sinto colombiano, apesar de ter crescido no exílio. Temas como a guerra e a violência falam alto conosco, é um assunto recorrente por todo o país. Mas, ao mesmo tempo, achava que nunca tinha visto um filme que abordasse essa questão de um jeito diferente, que não focasse apenas no imediato. Penso na necessidade de ver o assunto como um espelho da espécie humana, não apenas como colombiano. Era uma oportunidade de falar sobre uma coisa que é quase um lugar-comum, todo mundo fala a respeito, mas nada é novo.
Monos tem um forte impacto visual. Como foi o trabalho de fotografia? E sobre as locações, como vocês as encontraram?
O roteiro que escrevemos já era bastante técnico e contava com essas especificações. Era tudo muito detalhado. No entanto, reescrevi grande parte dele quando conheci as locações. Estávamos buscando lugares específicos, mas, também, de uma maneira abstrata. Tanto é que até os colombianos não reconhecem essas locações. Você olha para a selva, ou para as montanhas, e tem muito colombiano que não identifica que lugares são aqueles. Essa necessidade de abstração está também no som, na própria história, e isso dá ao filme um poder alegórico.
E sobre o elenco? Muitos daqueles jovens são estreantes, mas temos também o Moises Arias, que tem trabalhado em Hollywood. Como você formou esse grupo?
Tem uma mistura interessante de Hollywood com pessoas que nunca haviam visto uma câmera. Era isso que procurava. Observei nas ruas, nas escolas, nos grupos de teatro. Entrevistei mais de 800 meninos. Destes, escolhi uns 20. Com esses, fizemos uma treinamento de atuação, e a partir da química entre eles é que chegamos aos 8 protagonistas. Nossos 8 monos.
Quais foram as referências para a construção dessa história?
Interessante você falar sobre isso. Há influências que estavam no meu subconsciente, como Peter Pan (1953) ou O Senhor das Moscas (1990), por exemplo. Muita gente tem feito comparações com essas obras. Mas também tem Coração das Trevas, do Joseph Conrad, ou do Bom Trabalho (1999), da Claire Denis. Há um filme russo, Vá e Veja (1985), que foi muito importante para mim. Monos navega pelas temáticas de guerra, como Apocalypse Now (1979), mas com a diferença de ter um ponto de vista de um país como o nosso, como o Brasil ou a Colômbia. Não de um lugar com um passado imperialista, como a França na África, ou a Inglaterra na Índia. Geralmente, é só o que vemos.
Essas referências foram inseridas no roteiro de forma deliberada, ou algo mais a nível de subconsciente, como você se referiu?
Acho que tem as duas coisas. Agora, a cabeça do porco, por exemplo, é absolutamente consciente. Fiz isso porque é um marco de um livro importante, todo mundo conhece, é uma imagem tão poderosa quanto uma lata de Sopa Campbell, do Andy Warhol, por exemplo. É algo que você se apropria para oferecer uma outra leitura. Mas é pop, a referência é imediata. Não é minha, está na cultura de todo mundo. Gosto de brincar com esses lugares-comuns.
Temos também a Julianne Nicholson. Como foi trabalhar com ela?
A Julianne foi ótima. Aproveitou essa oportunidade de fazer uma coisa que nunca havia feito antes. Foi um trabalho especial. Deu tudo de si. E não foi até a Colômbia unicamente para fazer as cenas dela e depois voltou para Los Angeles. Pelo contrário, ficou conosco durante todas as filmagens, deixando de lado qualquer tipo de vaidade. Quando você tem em cena oito meninos, e muito deles sem nenhuma formação como ator, é importante contar com alguém tão qualificado como ela por perto. Ela foi muito generosa.
Imagino que esse filme tenha exigido bastante em termos de produção. Qual a maior dificuldade que vocês enfrentaram?
Todas as possíveis e imaginadas. Tivemos animais, efeitos especiais, locações remotas, muita pós-produção, nos embrenhamos na selva, subimos montanhas, atores de Hollywood, não-atores. Toda essa mistura proporcionou uma combinação difícil. Mas, na verdade, o que mais nos exigiu foi essa aposta visual e sonora tão estilizada, tão pensada, numa situação na qual não tínhamos nenhum controle. Tudo era inesperado. A quantidade de incertezas foi o que tornou todo o processo artístico mais arriscado.
Monos circulou o mundo, tendo sido premiado em diversos festivais. Como você acompanhou essas reações?
Primeiro, foi uma experiência incrível. Um grande privilégio para todos os envolvidos. A reação que o Monos conseguiu foi além do que poderíamos ter esperado, e não apenas nos festivais, mas também nas salas comerciais. Na Inglaterra, nos Estados Unidos, por todos os lugares. Até na Colômbia os resultados foram impressionantes.
Enquanto estavam filmando, já imaginavam o resultado que o filme poderia alcançar?
Os atores, creio eu, até suspeitavam que estávamos fazendo algo importante. Você pode, depois, até gostar ou não, mas sem ter visto, é impossível ter uma opinião formada. Essa é uma característica viva desse filme. A gente sente as ideias mais abstratas, como a atemporalidade, a viagem pela água, das montanhas até a selva. São coisas mínimas, mas de importância fundamental para o conjunto. Penso que está na tela, e os espectadores tem conseguido perceber esse esforço. É um filme inspirado numa guerra da Colômbia, mas que pessoas de outras realidades – como a Síria, Afeganistão, ou Austrália – e de distintos grupos conseguem se conectar. Após uma exibição no MOMA, em Nova Iorque, um pai chegou para mim e disse: “esse filme é como a escolha da minha filha, aqui em Manhattan”. Ou seja, a identificação é possível em qualquer lugar.
O que você acha que um filme como Monos tem a dizer ao público brasileiro?
Países como os nossos, e falo tanto do Brasil como da Colômbia, precisam enfrentar algumas perguntas importantes. É por isso que o filme termina com uma pergunta, encarando o espectador. “A gente vai para onde?”, é o que queremos saber. É isso que os latino-americanos devem se perguntar. Vamos para a direita, depois para a esquerda, de volta para a direita, e nunca saímos do lugar. Estamos procurando soluções, mas será que não devemos nós mesmos construir essas respostas? Então, o filme mais faz uma pergunta do que passa uma mensagem.
(Entrevista feita via zoom em novembro de 2020)
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