Um dos mais tradicionais eventos cinematográficos do Brasil, a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo chega em 2020 à sua 44ª edição. Por conta da pandemia do Covid-19, neste ano, excepcionalmente, o evento vai acontecer quase que integralmente online, entre 22 de outubro e 04 de novembro. De acordo com Renata de Almeida, diretora da Mostra, a decisão tem a ver com privilegiar o acesso do público. Embora estejam previstas sessões em drive-in na cidade de São Paulo, todos os 198 filmes selecionados – detalhes sobre o processo você confere ao longo do papo – estarão disponíveis na plataforma pensada para oferecer experiências imersivas àqueles que resolverem embarcar na Mostra. Renata é uma daquelas entrevistadas cativantes. Ela demonstra uma vivacidade genuína e contagiante ao mencionar os desafios vencidos e as lógicas a serem frequentemente adaptadas para que um evento dessa magnitude continue absolutamente relevante beirando o meio século de existência. Confira abaixo o nosso Papo de Cinema exclusivo com Renata de Almeida, a diretora da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

 

Você se lembra quando e qual foi a primeira coisa que você pensou em relação à Mostra, assim que foi decretada a necessidade de fechamento dos cinemas?
Olha, sou teimosamente otimista. Quando os cinemas foram fechados, em março, pensei que até outubro estaria tudo bem. No final de abril já estávamos trabalhando com a necessidade de uma alternativa. Em princípio, pensei que poderíamos lidar com uma realidade mista, ou seja, online e presencial. Aliás, quando começamos a convidar os filmes, colocávamos as duas opções aos produtores, diretores e responsáveis por vendas. Muitos não aceitavam o online. Chegou maio e com a não existência presencial do Festival de Cannes ficou evidente que essa era a realidade de 2020. Era preciso ter a confiança dos responsáveis pelos filmes. Isso seria facilitado se fechássemos com uma plataforma conhecida. Optamos pela mesma utilizada pelos festivais de Tribeca, Toronto e pelo mercado de Cannes. Outra coisa: era necessário dar visibilidade aos patrocinadores. Com um ambiente exclusivo conseguiríamos isso, além de conferir a ele a cara da 44ª edição. Tivemos oferta de plataformas que nos dariam praticamente custo zero. Foi, portanto, uma dúvida cruel esse investimento, especialmente num ano com perdas ou reduções de patrocínios.

Foto: Mario Miranda Filho

Você mencionou a dificuldade de convencer produtores num primeiro momento. Essa negociação, que naturalmente deve ser difícil, deve ter ficado ainda mais árdua por conta das contingências…
Precisamos pensar de outro modo. Já tínhamos desenvolvido uma pequena versão online da Mostra em 1993, a primeira do mundo, via a plataforma que hoje é o MUBI. Foi um fracasso, ninguém tinha internet para isso em 1993 (risos). Neste ano, adequamos o raciocínio do ambiente físico para o equivalente online. Se pensarmos que no Brasil as salas têm cerca de 300 lugares (as grandes), uma sessão vale essa quantidade de views. Em 2020 negociamos entre 1000 e 2000 views. Menos do que isso para mim era impensável por conta do acesso. E a seleção deste ano me surpreendeu pela qualidade. Está muito melhor do que eu esperava. A Mostra tem 44 anos e isso ajuda a gerar confiança. Eles devem ter pensado: “se em 43 anos eles não fizeram bobagem, não é agora que começariam” (risos).

 

A necessidade de negociar antecipadamente e o privilégio do acesso foram mencionados por você na coletiva como motivos para fazer a Mostra online…
Os exibidores estão numa situação difícil. O poder público deveria ajuda-los, pois geram emprego e pagam muito imposto. Eles não podem ficar abandonados. Quanto à Mostra, suamos para conseguir ao menos 1000 views por filme. As salas de São Paulo não são grandes, a maior que tinha em São Paulo era o Cinearte, infelizmente fechada. Quando começou a surgir debate sobre reabertura, mencionava-se 40% da capacidade. O numero de views foi a métrica de negociação deste ano. Grande parte dos filmes não tem distribuição por aqui, então os vendedores internacionais estão buscando mercado para eles. A retomada do cinema será lenta, tem muita gente com medo ainda. Surgiram convites para a gente colocar alguns filmes apenas nos cinemas que reabriram. Não achei justo fazer isso com o público. Outros queriam que filmes fossem projetados somente em drive-in. E eu disse que isso estava fora de cogitação. Em primeiro lugar vem o público. Todos os filmes do drive-in vão estar na plataforma também.

Foto: Mario Miranda Filho

Imagino que quem toma a dianteira de um evento como a Mostra deve estar sempre se adaptando às circunstâncias. O que mais rapidamente foi preciso aprender para fazer o evento em 2020?
Para mim tem sido um grande aprendizado. Sou péssima em tecnologia (risos). A produção precisou ficar mais concentrada. Tínhamos de resolver o modelo e a plataforma rapidamente. Houve também a necessidade de adaptação para trabalharmos remotamente. Como circular a informação pela equipe inteira? Mas, todos nós tivemos de aprender um jeito novo de trabalhar. Algumas coisas foram até favorecidas. O Fórum da Mostra, dedicado ao debate, será internacional. Então, é interessante, porque vários dos convidados não teriam agenda para ficar uma semana em São Paulo. É preciso frieza para compreender que certas coisas são adaptáveis, outras nem tanto.

 

Na sua opinião, vide a aceitação do público aos eventos online, um recorte virtual será cada vez mais necessário para os festivais de cinema?
Acho que sim. A pandemia acelerou processos em curso. Essa questão de fazer uma parte online é indubitavelmente uma delas. Antes o público nem ligava tanto para os 10 filmes que disponibilizámos online. Agora ele aprendeu a vivenciar os festivais em casa. Acho importante, porque isso se converte em acesso. A minha grande dúvida é: será que produtores, diretores e vendedores vão concordar com o online em 2021? Os filmes mais esperados/badalados toparam em 2020 porque não havia alternativas, pois não adiantava ficar guardando os filmes para o ano que vem.

Foto: Mario Miranda Filho

O que você diria a quem nunca teve a oportunidade de conferir a Mostra por uma questão de impossibilidade geográfica e que vai embarcar pela primeira vez nessa jornada em 2020?
Na hora de fazer o site, pensamos muito nessas pessoas que podem ver a Mostra pela primeira vez. Fizemos ele bastante informativo, com destaque à informação dos festivais pelos quais os filmes passaram. Uma das grandes riquezas da Mostra é o desconhecido, o risco, você começar a ver um filme do qual nunca ouviu falar e ser surpreendido. Já existem grupos no Facebook e no Whatsapp com indicações. A Mostra favorece encontros e trocas de informações. A minha dica é: entre no site, estude um pouco, faça uma listinha do que você quer ver e vá se organizando desde já.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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