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41ª Mostra SP :: Entrevista exclusiva com Renata de Almeida

Publicado por
Robledo Milani

Renata de Almeida é uma verdadeira heroína. Mas não daquelas que sabem voar, possuem laços mágicos ou aviões invisíveis. Seus poderes, por incrível que pareça, são ainda mais impressionantes. Ela é ninguém menos do que a grande responsável pelo maior festival de cinema do país: a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que em 2017 chega a sua 41ª edição. Produtora de cinema, cineasta, curadora e apresentadora de televisão, Renata foi casada com o crítico Leon Cakoff, fundador do evento. Desde a morte dele, no entanto, em 2011, é ela que tem se esforçado, 365 dias por ano, para organizar uma programação cada vez mais diversa, inventiva e estimulante. E neste ano, a situação não foi diferente. A Mostra SP, como é carinhosamente chamada, acontece de 18 de outubro a 01 de novembro, em dezenas de salas espalhadas pela capital paulista. Ao total, são centenas de filmes, convidados – do Brasil e do exterior, e atividades, como encontros, debates e homenagens. Para ficar um pouco mais por dentro de tudo isso, conversamos com Renata, que nos deu dicas valiosas. Confira!

Arte do cartaz de divulgação da Mostra SP 2017

Olá, Renata. Pra começar, vou direto a uma questão que sei que tu não gosta, mas que preciso fazer: quais são os destaques da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2017?
Todo ano você me pergunta isso, e todo ano insisto em não responder (risos). Mas tudo bem, vamos começar pelo início: o filme de abertura, o Human Flow, que é o grande destaque. O Ai Weiwei é um cineasta interessantíssimo, e ele trata nesse filme de uma das grandes questões da humanidade, e com um olhar muito profundo, definitivo eu diria, sobre os refugiados, no caso os curdos. São questões antigas, não só do momento em que estamos vivendo. Ele passou por 23 países, com recursos próprios, e fez um filme incrível, retratando com muita humanidade, de forma genuína, estas causas, sugerindo soluções. É um filme importante, acima de tudo.

 

O que significa a escolha do Ai Weiwei como homenageado do cartaz oficial desta edição e do longa Human Flow para a sessão de abertura?
O Ai Weiwei representa algo muito importante que queremos discutir. Ele é uma pessoa que entende muito bem isso que estamos vivendo. O pai dele fez parte da revolução na China, foi enviado a campos de trabalho, e sua família foi obrigada a ficar muito tempo longe de Pequim. Foram presos, censurados, ele teve seu passaporte retido. E, ao mesmo tempo, nunca parou. É, também, um artista que sabe usar os novos meios, a internet, pra divulgar sua obra. Em resumo, sempre defendeu a liberdade, e hoje essa sua postura torna muito evidente a questão dos refugiados. Tudo isso trouxe um medo muito grande. E quando impera o medo, é um perigo, pois abre espaço para que surjam oportunistas, pessoas que sabem manipular o medo muito bem. Isso leva aos extremos das pessoas. Ao invés de você ver o outro como alguém com quem teria que ter uma empatia, passa a vê-lo como um inimigo. O nosso pôster, portanto, mostra o contrário: são duas mãos, é uma união. Enxergo isso, uma mão estendida. Em situações extremas, é preciso ver o outro. Acho isso interessante, porque o grande perigo não está na tecnologia, não é nem isso em si, é a questão do algoritmo, que torna as pessoas cada vez mais centradas em si mesmas, donas de certezas absolutas, com uma necessidade de ter respostas e definições muito rápidas. Com isso, se perde o poder da observação, de ouvir, tudo vira dogmático. Daí entendemos essa polarização, essa radicalização que tomou conta do Brasil. A graça da arte é poder ter um olhar que não seja o seu sobre algo.

 

O país homenageado deste ano será a Suíça, com uma seleção especial de filmes, certo? Como chegaram a essa escolha?
A Suíça é um país muito aberto para coproduções, com um trabalho muito forte em documentários e em animações, por exemplo – basta lembrar do Minha Vida de Abobrinha (2016), que concorreu ao Oscar neste ano. Tem um cineasta que gosto muito, que é o Alain Tanner, mais conhecido no Brasil pelo drama Jonas que terá 25 Anos no Ano 2000 (1976), e essa será uma grande oportunidade para uma retrospectiva da obra dele. Mas, também, tem a programação da seleção Foco Suíça, que é o cinema novo, sobre os jovens cineastas que se estão se aventurando agora, não só nomes conhecidos, mas também gente que tá chegando. Enfim, é uma oportunidade única, e bastante rica, de conhecer uma cinematografia que quase nunca chega por aqui.

Ai Weiwei, cineasta homenageado na sessão de abertura da Mostra SP 2017

A Mostra SP sempre chama atenção pela grande seleção de filmes pré-indicados ao Oscar de Filme Estrangeiro. Isso é um bom reflexo da quantidade de países que participam da programação. Essa é uma preocupação da curadoria?
A gente não busca ‘os filmes que vão concorrer ao Oscar’, é claro. Mas, quando ficamos sabendo que o filme tal é o indicado do seu país para o Oscar, bem, é uma boa surpresa, certo? Porém, quando estamos fazendo a seleção, ainda não sabemos quem vai ser indicado ou não, simplesmente pelo fato que começamos muito cedo! Ou seja, a maioria destes títulos já estavam na nossa seleção. Um bom exemplo é o da Suíça, por exemplo! É um filme pequeno, sobre uma cidadezinha no interior do país que proibia o voto feminino. Se chama Mulheres Divinas (2017), da Petra Volpe. Então, não posso dizer que é um acidente, mas uma consequência. Pois buscamos por estes filmes diferenciados, por um motivo ou outro, e depois é que surgem essas notícias. É essa vontade em apresentar filmes do mundo inteiro. O filme indicado pela Nova Zelândia, por exemplo, é de Samoa, na verdade! Olha que incrível, um filme feito em uma ilha, lá no meio do oceano. Mas ele estreou no Festival de Berlim, fiquei intrigada, chamou minha atenção e fui atrás. E agora estará em São Paulo.

 

Há também uma impressionante seleção de filmes brasileiros. Qual a importância dessa vitrine para o cinema nacional?
A produção tá muito grande. Pregaram, temos atrás, o fim do cinema nacional, mas pelo que temos visto, a situação está muito bem, obrigada. Neste ano tivemos mais de 300 filmes nacionais inscritos, se não me engano. Na seleção brasileira, optamos, até por uma questão de premiações, por não pedir ineditismo. Então acaba sendo um grande panorama da produção de todo o ano. E mesmo assim, tem filmes estreando por aqui. São títulos que participaram de festivais internacionais, ou por aqui mesmo, e foram premiados, ou tiveram ótimas acolhidas do público e da crítica. Mas, mais do que exibir, precisamos discutir, com um fórum, o nosso cinema, a nossa linguagem, os métodos de financiamento, e, principalmente, como chegar ao público, pois o gargalo está aí. A visibilidade, exibição, as novas tecnologias, e como tudo isso se encaixa.

 

Em um ano tão complicado como esse, quais as maiores dificuldades enfrentadas para a realização da Mostra? A situação está melhor em relação a 2016?
O nosso orçamento, para teres uma ideia, está menor do que o do ano passado. Mesmo assim, conseguimos a maior parte dos mesmos patrocinadores. E estamos fazendo uma mostra até maior do que a de 2016. Não foi um descuido, é claro, mas acabaram entrando uma retrospectiva, alguns filmes restaurados… Não tinha como não falar da Agnès Varda, que durante toda a sua carreira falou de temas que somente agora estão recebendo a devida atenção, com grandes questões sobre o feminismo, com documentários políticos, e sempre com um humor, uma ironia, de forma muito singela e amorosa. O último filme dela, o documentário Visages, Villages (2017), por exemplo, é maravilhoso. E vai estar aqui. O que temos feito, para conseguir acomodar tudo, é cortar coisas, mas aquelas que não chegam ao público, pois são os espectadores a nossa prioridade. Não se cortou o número de filmes, mas algumas atividades. Por exemplo, não existe mais festa de abertura, nem de encerramento, diminuímos o número de convidados. De um jeito ou de outro, conseguimos fechar a conta, sem diminuir o impacto que buscamos.

Sei que você não costuma indicar um ou outro filme, mas com uma seleção de mais de 400 títulos, é fato que ninguém consegue assistir a tudo. Por onde começar, portanto?
Eu não indico porque sou apaixonada pela Mostra, tudo que está nela vale a pena. Mas, tudo bem, vamos lá. Podemos ir nas linhas de interseções de linguagem, como o último filme do Abbas Kiarostami, 24 Frames (2016), finalizado pelo filho dele, e feito a partir das fotografias que ele tirava – o Kiarostami também era fotógrafo, um grande artista gráfico, e isso era algo que pouca gente sabia. Tem também o Com Amor, Van Gogh (Loving Vincent, 2017), que é simplesmente impressionante! O filme que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, The Square (2017), é absolutamente corrosivo, e vai mexer com muita gente. Teremos a primeira sessão de realidade virtual na mostra, longas premiados nos festivais de Veneza, Sundance, Tribeca. Você também pode ir pela questão politica, do refúgio, com o filme que abre a programação, que já comentamos. E os refugiados do clima, que é uma questão urgente, está também em Uma Verdade Mais Inconveniente (2017), com o Al Gore. Esse tema está também no último do Walter Salles, o curta Em Que Tempo Vivemos? (2017), produzido pelo Jia Zhangke, que é o primeiro filme de ficção feito em Mariana, no interior de Minas Gerais, após o acidente. E tem muito mais, tem Amos Gitai, Naomi Kawase, Koreda, os irmãos Taviani, além da seleção dos diretores que estão começando. Vou te dizer, acho que está bem bacana, viu? (risos)

(Entrevista feita por telefone em 17 de outubro de 2017)

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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