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Fábio Assunção está num momento pessoal de reinvenção. Uma das figuras mais populares da televisão brasileira desde os anos 1990, ele aos poucos vem deixando de lado a postura de galã e assumindo personagens mais complexos e distantes dessa imagem. Séries como Onde Está Meu Coração (2020) e Desalma (2022) ajudaram nesse processo, mas agora sua atenção parece estar voltada para a tela grande. Após uma participação especial na cinebiografia Meu Nome é Gal (2023), em que desprezava ninguém menos do que uma jovem Gal Costa em busca do estrelato, agora ressurge como um dos principais nomes de Motel Destino, thriller sexual filmado no Ceará.

Motel Destino foi selecionado para a mostra competitiva principal do maior festival de cinema de todo o mundo – Cannes, na França – e teve sua primeira exibição no Brasil na sessão de abertura do Festival de Gramado, aquele que tem o tapete vermelho mais disputado do país. Já em cartaz nos cinemas, o longa dirigido por Karim Ainouz fala de um triângulo amoroso entre um jovem em fuga, uma mulher disposta a tudo e um empresário que acredita estar no controle, até ser pego de surpresa pela mudança na dinâmica dessas relações. Foi sobre essa ousada experiência que o ator conversou com exclusividade com o Papo de Cinema durante sua passagem pela Serra Gaúcha. Confira!

 

Fábio, Motel Destino foi o filme de abertura do Festival de Gramado 2024. Lembro de você aqui mais de vinte anos atrás, quando veio apresentar o drama Duas Vezes Com Helena (2002). Como foi retornar a Serra Gaúcha?
Sabia que já tinha estado no festival com outros filmes, mas me deu um branco. Que bom que você lembrou. Estive também com o País do Desejo (2012), dez anos depois. Um filme do Paulo Caldas, foi uma experiência interessante.

Venho a Gramado desde os anos 1990, quando participava como espectador mesmo, só para assistir. Mas nunca imaginei que um dia estaria abrindo a programação, como aconteceu agora com Motel Destino. Até coloquei minhas mãos na Calçada da Fama (risos)! Fiquei emocionado!

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Fabio Assunção, Nataly Rocha, Karim Ainouz e Iago Xavier no Festival de Cannes

Em Motel Destino a responsabilidade é diferente.
Nesse momento da minha vida, tenho uma carreira de 34 anos. Isso me proporciona uma outra relação com a própria profissão. É quando também começa a vir um reconhecimento de lugares que só o tempo permite você alcançar.

Não é um ou outro trabalho, mas a perseverança, a determinação e a constatação de que é isso mesmo que você ama fazer. Não adianta, dando certo ou não, com momentos bons e outros nem tanto, nasci para isso.

E é a quem a gente serve, à Arte. Afinal, ela retrata a sociedade. É um serviço. A dramaturgia é um espelho, nem que seja para provocar uma reflexão no público, cutucar feridas, fazer provocações. Esse filme, o Motel Destino, faz isso. Isso é o que sinto, que fazemos um serviço pela arte.

 

Apesar de você ser uma presença constante no cinema e na televisão, desde Entre Idas e Vindas (2016), há quase uma década, não tinha um papel tão interessante como em Motel Destino.
O cinema, até por questões complexas de produção, os custos envolvidos, a dificuldade até se chegar a um roteiro que funcione em todos os aspectos, é mais complicado. Basta prestar atenção aos créditos finais de um filme, a quantidade de gente que é necessária para que aquela obra se torne realidade. E cada uma daquelas pessoas teve um contrato. É como se um bairro inteiro de uma cidade parasse e fosse trabalhar junto. Tudo isso para fazer um filme.

 

O que mais te chamou atenção em Motel Destino?
Bom, a primeira coisa que me chamou atenção foi o Karim. Também acho que o que vale na nossa profissão são os processos dentro de cada um destes trabalhos. Sabe aquela coisa dos meios e dos fins? O que me interessa são os meios. Não sei o que espero com esse filme. Quando a gente foi pra Cannes, por exemplo, não fiquei com a expectativa de “nossa, minha vida vai acontecer internacionalmente agora”.

Que as coisas venham, mas que sejam saboreadas. Tentei aproveitar o festival e eternizar, de alguma maneira, aquele momento que estávamos vivendo. Talvez não volte nunca mais. Então, o importante é viver o agora.

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Nataly Rocha, Fabio Assunção e Iago Xavier em cena de Motel Destino

E como foi trabalhar com o Karim Ainouz em Motel Destino?
O Karim é um diretor de processo. Foi importante passar por tudo aquilo ao lado dele. Tanto no set, durante as filmagens, como depois, com o filme já pronto e a repercussão que está tendo. São coisas e situações assim que fazem a diferença.

 

Vocês três do elenco, os protagonistas de Motel Destino, cada um vem de uma escola. O Iago Xavier tá começando, a Nataly Rocha está acostumada a obras mais experimentais, e tu é um grande nome, um cara popular. Como foi a interação entre vocês?
A partir do momento em que começam os ensaios, essa coisa de “aquele é consagrado”, o outro “está no primeiro filme”, isso vai embora. Não tem mais. Posso até fazer contribuições devido a minha carreira pregressa, mas o filme que estamos fazendo é contemporâneo, é uma visão do agora, do presente. Não adianta ficar olhando pra trás, entende? Nunca carrego isso comigo, de que sou mais importante, ou que meu histórico me precede.

Estou sempre começando uma história nova, um filme, ou uma novela, uma peça, sempre do zero. A partir disso é que vou me renovando. O Iago também tá trazendo informações, e são diferentes das minhas. Tem que ter a troca. Quando estamos juntos, em frente à câmera, o que vale é o olho no olho. É como se estivesse no nosso inconsciente.

 

O Elias, teu personagem em Motel Destino, é o mais imprevisível. Deve ter sido prazeroso lidar com ele nesse processo de criação.
Principalmente na hora que ele descobre que tá sendo traído. O que vai fazer? Eu amo esse personagem. E foi difícil. Tive que viver uma coisa distante de quem eu sou. Me tornei uma pessoa aversa à comportamentos agressivos, isso na minha vida pessoal. Então, é complicado dar vazão a um tipo abusivo, que humilha, que é violento. Mas essa é a função da personagem. Por isso que olhei de frente e disse a mim mesmo: “é o que vou fazer”. Não ter medo de expor uma coisa negativa.

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Robledo Milani e Fabio Assunção em Gramado

Quando você assistiu ao filme pronto, ficou satisfeito com Motel Destino?
Sempre dá pra fazer melhor. Sou muito inquieto e quase sempre insatisfeito. Mas o que vi no Motel Destino me deixou com uma sensação de missão cumprida. A exibição no Festival de Gramado, por exemplo, foi muito linda. Senti uma resposta do público bastante respeitosa. Não foi algo eufórico, mas também não desanimado. E é um filme quente, colorido. Isso contagia.

Ao mesmo tempo, sinto o eco daquele corredor onde filmamos, onde estes personagens transitam e se escondem. Tenho esse pé na coisa mais profunda do trabalho. Olhei para as cores fortes que o Marcos Pedroso, nosso diretor de arte, trouxe, uma coisa meio Bauhaus, que funcionou lindamente e assertivamente. Ao mesmo tempo, tem o vazio daqueles quartos, o que aquele confinamento traz, como uma prisão, ou convento, quase um manicômio.

Até onde vai a loucura daqueles gemidos que se impõem vinte e quatro horas por dia? Isso é pra gente pensar, o que deixa o resultado ainda mais rico e interessante.

Entrevista feita ao vivo em Gramado em agosto de 2024

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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