Com apenas 18 anos, Guilherme Prates Machado – ou apenas Guilherme Prates, como o Brasil o conhece – já estrelava a novela Vidas em Jogo (2011), da TV Record. O sucesso como Daniel, um jovem que sonhava em se tornar um astro do futebol, foi suficiente para se transferir para a Rede Globo, onde estreou no ano seguinte na série Malhação (2012). O reconhecimento nacional, no entanto, veio apenas com Tempo de Amar (2017), trama romântica exibida no horário das 18h da mesma emissora. Ao mesmo tempo, já começava a chamar atenção do cinéfilo mais curioso, será como o protagonista de O Último Virgem (2016) ou o adolescente perturbado de O Vendedor de Sonhos (2016). Sua maior oportunidade na tela grande, no entanto, veio somente agora, com o thriller Motorrad. Exibido pela primeira vez no Festival Internacional de Cinema de Toronto, no Canadá, no final de 2017, este filme de gênero – um terror sobre duas rodas, com um bando de motoqueiros sendo eliminado aos poucos por inimigos desconhecidos – passou também pelo Festival do Rio e pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e chega, agora, aos cinemas nacionais. E foi justamente sobre esse mais recente trabalho que a gente teve um bate-papo bem curioso com o ator. Confira!
Olá, Guilherme. Motorrad é um filme bem diferente do que se costuma ver na produção nacional. O que você pensou quando recebeu esse convite?
A primeira coisa que me veio à mente foi justamente isso que tu disse: “acho que eles são malucos de fazerem isso aqui”. Como é que vão fazer? Já conhecia um pouco o trabalho do Vicente, e do Tuba (L.G. Tubaldini Jr.), o produtor. O Vicente Amorim acompanho já há tempos, como espectador, mesmo, por filmes como Um Homem Bom (2008), com o Viggo Mortensen, ou o Coração Sujos (2011), baseado no livro do Fernando Morais. E com o Tuba já havia trabalhado em O Vendedor de Sonhos (2016), que foi um dos meus primeiros filmes. Então, sabia que eram capazes de fazer o que o roteiro estava propondo, ainda que fosse algo completamente diferente e até bem arriscado. Eles são malucos, mas, sabendo da capacidade deles, poderia também ser uma oportunidade de fazer um filme novo, diferente de todos estes outros que estão por aí. Foi essa surpresa, essa vontade de enxergar aquele roteiro como algo único, que mexeu comigo. Agora, conhecendo mais o Vicente, consigo identificar essa face nerd, de querer fazer filmes de gênero. Apesar da filmografia dele nunca ter mostrado isso até então. Imagina, o cara fez Irmã Dulce (2014), fez O Caminho dos Nuvens (2003), dramas sociais, ou biografias históricas, tudo muito sério, contundente. Podia não ter visto ele fazer algo assim antes, mas sabia da capacidade dele como diretor.
Motorrad é um filme na linha ‘ame ou odeie’. Enquanto vocês estavam filmando já esperavam por isso?
Acho que sim. E isso porque, na verdade, ele lida com uma questão que é muito difícil de ser desenvolvida, ao menos do Brasil, que é a narrativa. Temos uma tendência muito novelesca, acredito. Essa coisa de querer e ficar esperando que a narrativa se explique, de tudo ter que ter um sentido, e precisar ser algo concreto, não alegórico. Sempre pensei no Motorrad como um filme que, ao menos no Brasil, iria se deparar com um público que não estaria preparado para vê-lo. Questão de costume, sabe? E não só pelo gênero, mas também pela história que nos propomos contar. Mas tenho me surpreendido positivamente. E isso é muito bom.
Você diria que o Hugo é um cara mais de ações ou de reações? Como ele é afetado pelo que acontece em Motorrad?
Interessante essa sua pergunta. Confesso que é algo que ainda não havia pensado a respeito. Na real, penso que, durante o filme, esse aspecto do caráter dele vai se modificando. Ele é uma pessoa de ação, na sua essência, ou ao menos é isso que somos levados a pensar pelo início do filme. É um cara que vai atrás do que quer, e deixa isso claro na primeira cena, quando rouba o equipamento que precisa para sua moto. Mas o filme fala também de um processo de amadurecimento, de crescimento pessoal, e ainda que ele sofra muito com tudo que acontece, no final ele se vê sendo mais ativo do que reativo. Talvez, respondendo a tudo que acontece, ele não tenha outra opção a não ser reagir a estes eventos. Mas precisa dessa trajetória para se tornar o homem que ele é depois de toda essa tempestade.
Após Confissões de um Adolescente e O Último Virgem, Motorrad representa também um amadurecimento profissional para você?
Completamente. Com certeza, disso não tenho a menor dúvida. Acho que o Motorrad – e não sei ainda em questões de futuro, nem entro nesse aspecto – ao menos na minha concepção como ator, tendo em vista tudo o que aconteceu até hoje na minha carreira, é um verdadeiro divisor de águas. É o filme mais importante que já fiz, para mim será sempre antes e depois de Motorrad.
Onde foram feitas as filmagens? Quanto tempo vocês passaram por lá?
Filmamos no interior de Minas Gerais, na Serra da Canastra, na cidade de Passos. Eu fui umas semanas antes do início das filmagens, até para participar de uma preparação, já ir me acostumando, junto com o resto do elenco. Ao todo ficamos uns 45 dias isolados naquele cenário incrível. E estar numa locação por tanto tempo, com as mesmas pessoas, em um ambiente tão peculiar, foi muito importante para o resultado que estávamos buscando.
O que foi o mais difícil e o mais prazeroso desse processo?
Complementando a resposta anterior, Motorrad é tão importante por tudo que vivi no cinema. O primeiro era um personagem dentro da narrativa das meninas, foi um começo tímido, digamos. Depois, foi a minha primeira oportunidade como protagonista. E ser um protagonista, ainda mais no cinema, te coloca como um ser pertencente ao filme. É diferente de uma participação especial, que é quase um estrangeiro. A equipe já está lá, e você chega só para sua parte. Então, O Último Virgem tinha me trazido isso, já tinha essa experiência. Mas o Motorrad, além de ter que estar lá, foi possível também essa imersão. Estive vivendo tudo aquilo, dormindo, acordando, comendo. A sensação era de estar em uma grande brincadeira com amigos. Sabe quando o todo toma conta, e passa a ser uma grande família, experimentando fazer cinema? Estava todo mundo comprometido em contar uma história a partir de uma linguagem capitaneada pelo roteiro, pelas orientações do diretor, mas movidos por esse sentimento de pertencimento, pelo domínio de tudo que estava acontecendo ao nosso redor. O filme passa a ser um pouco seu, também. O Motorrad trouxe muito isso para mim.
Motorrad é um filme que não se encaixa em definições pré-definidas. Vocês criaram algo novo. Seria possível expandir esse universo?
As possibilidades estão surgindo e acontecendo. Obviamente, passam por questões acima da nossa alçada como ator. Agora, independente de se vai acontecer ou não – apesar de eu achar que existe, sim, a possibilidade – é tudo muito emocionante. O Motorrad criou um universo que permite esse tipo de pensamento. Agora, é o público que vai criar ou não esses desdobramentos. Com esse filme tive a possibilidade de construir um universo, e não apenas contar uma história. A partir do que elaboramos aqui, poderemos fazer outros filmes, bonecos, histórias em quadrinhos. Há um mundo de possibilidades.
Você tem acompanhado as exibições de Motorrad? Como tem percebido as reações do público?
A pré-estreia é um momento um pouco complicado, pois vão muito amigos. Ou seja, recebemos como retorno uma opinião afetiva, né? Não dá pra avaliar direito. Mas, ao mesmo tempo, tem fundamento. E o que chegou muito pra mim foi justamente esse caráter inovador do filme, e como isso pode refletir numa possível revolução mercadológica. Temos em mãos um filme que mostra que o Brasil é capaz de fazer outros nessa mesma linha, superando toda e qualquer dificuldade técnica. Como não temos os mesmos recursos de Hollywood, por exemplo, esbarramos em diversas complicações. Os grandes produtores, as distribuidoras e até mesmo os editais, eles não favorecem a realização de novos filmes de gênero. Não há esse costume de apostar em coisas novas. Agora, se o Motorrad tiver uma boa aceitação interna, se o nosso público responder indo aos cinemas, assim como tem sido no exterior, isso tudo pode mudar. O sucesso internacional que estamos alcançando é uma prova da nossa capacidade. Só isso pode estimular outras produções similares. Como podem afirmar que não há público para esse tipo de filme no Brasil? Só fazendo é que vamos saber. E fazendo mais, as bilheterias, consequentemente, irão aumentar. Existe demanda, ela só precisa ser atendida.
Como vocês estão avaliando a repercussão do Motorrad no exterior?
Não fui lá pra fora, então não tenho como avaliar cada caso. Mas posso dizer que tudo que tem chegado até nós é muito estimulante. Depois do Brasil, para se ter ideia, o primeiro país onde o filme será exibido é o Japão, já a partir do dia 23 deste mês. Se estamos aguardando a resposta do mercado doméstico, no exterior ele já foi vendido para 15 países diferentes, e estamos negociando com outros. Em todas as partes do mundo vai ter Motorrad. China, Coreia do Sul, Europa, EUA… é um sucesso nesse sentido, no âmbito comercial. Só o fato de ter ido para Toronto, de ter sido selecionado para a mostra principal, já revela esse caráter universal. Não é um filme só de nicho, mas para um grande público. Essa é a abrangência que o filme tem.
Teu próximo filme, Amor Assombrado, segue essa mesma linha, de cinema de gênero? O que pode nos adiantar sobre ele?
Segue, de alguma forma, sim. É um filme do Wagner de Assis, o mesmo que fez Nosso Lar (2010), que foi um grande sucesso de público. E esse novo projeto continua um pouco uma pesquisa pessoal dele, que bebe no espiritismo, da não materialidade da vida, que investiga o que acontece fora do plano material. Mas, diferente dos longas anteriores dele, não depende dessa leitura para acontecer. Tem uma perspectiva mais sobre o sobrenatural, aliás. É um suspense, e acaba que o espiritismo é apenas uma das leituras possíveis para a história. Por ter esse caráter, acaba podendo se enquadrar não como um filme de gênero, como o Motorrad, que é, para mim, o exemplo clássico, pois bebe nos clichês, mas tem uma inovação. Fora o fato de ter sido filmado em apenas seis dias, praticamente só com planos-sequência. Foi uma loucura. Deve ficar pronto entre setembro e outubro deste ano, e será lançado em 2019.
(Entrevista feita na conexão São Paulo / Porto Alegre em março de 2018)