Cacau Protásio tem sido uma das figuras mais constantes aqui no Papo de Cinema. Esta é a sexta vez que conversamos com a atriz, e dessa vez empolgados pela estreia de Mussum: O Filmis, um dos seus primeiros trabalhos mais “sérios”, por assim dizer. Acostumada com a comédia, para viver a dona Malvina, mãe do protagonista durante a infância do garoto, precisou exercer seus músculos dramáticos, não sem antes atravessar um ou outro momento de maior insegurança. Mas o maior medo que teve ao aceitar esse papel não foi nem o de assumir esse risco, e muito menos imaginar qual seria o retorno do público, e sim um outro ainda mais inusitado: a reação da crítica. Sim, uma das campeãs de bilheteria do cinema nacional se preocupa com o que a imprensa tem a dizer – e, principalmente, com o modo como é dito – sobre sua performance. Essa e outras curiosidades ela revela no bate-papo leve e descontraído que você confere a seguir:
Cacau, prazer falar contigo. Você é uma artista com enorme comunicação com o público, e Mussum: O Filmis é também voltado para o espectador, certo?
Estou fazendo um show de humor chamado 100% Cacau, e todo dia, no meu espetáculo, tem uma parte que converso com as pessoas na audiência. É quando peço licença para convidá-las a voltar às salas de cinema. Dois anos atrás, infelizmente, tivemos a pandemia e era quando não podíamos ir aos cinemas. A única solução era assistir aos filmes nos streamings. Só que agora, graças a Deus, isso acabou. A pandemia foi embora. Então, a gente precisa voltar a encher as salas de cinemas. Porque deu uma baixa, e são milhões de pessoas que vivem disso. Figurinista, cabeleireiro, maquinista, diretor, produtor… é uma indústria. Tem que ser visto.
Sim, acho importante discutir isso e ver o cinema também como um negócio.
Veja só, acabou de estrear o filme da Barbie (2023), que é uma produção internacional, e as pessoas foram em massa aos cinemas assistir. Então, a gente sabe que pode voltar a lotar. Temos filmes estupendos aqui no Brasil, que só depende da gente ir atrás e descobri-los.
O Mussum foi um cara que, agora resgatado, pode motivar esse processo de volta?
O Mussum tá na nossa saudade. Ele tá na nossa infância. A minha geração, a da minha mãe, até a da minha avó, que não tá mais aqui, mas tenho idosos da minha família que permanecem conosco, quando for assistir ao Mussum: O Filmis, vai lembrar. Tem esse saudosismo. Fora a galera mais nova, que vai assistir e vai gostar. Os meus afilhados, por exemplo, vou levá-los e explicar quem era o Mussum. Quem foram os Trapalhões. Que era um enorme sucesso, que foi uma pessoa maravilhosa. Lembro que, quando criança, só ir dormir após assistir aos Trapalhões. Eu e milhões de brasileiros.
A cena do filme, com a vinheta dos Trapalhões e as crianças correndo para a sala, era eu e os meus primos.
Todo mundo! Não existia quem não estivesse ligado. Assistir aos Trapalhões era algo que mexia tanto com as pessoas como o final da novela Avenida Brasil (2012). O maior sucesso da época. Não tinha outra coisa, nem outro programa, que mexesse tanto com o público.
Interessante você fazer essa relação. Porque, na Avenida Brasil, você aparecia como uma empregada, que era o nicho da atriz negra que estava começando. E você deu a volta e foi além desse estereótipo. Assim como o Mussum.
São poucas as figuras negras que conseguem fazer isso que você menciona. Ainda mais no Brasil. Eles não deixam a gente contar nossas histórias, aparecer de verdade. Quando isso acontece, e dão a oportunidade da gente se destacar, na maioria das vezes incomodamos. Querem rapidamente fechar essa porta, mas daí estamos atentos e não vamos deixar.
Você é um dos melhores exemplos desse processo de mudança hoje no Brasil.
Eu to indo, to caminhando ainda. Estou aqui no meu cantinho, mas indo adiante.
Cacau, a gente sabe tudo que você vem conquistando. Mas dentro de um nicho, basicamente, que é a comédia. E no Mussum: O Filmis você foi desafiada a fazer algo diferente.
Recebi esse convite e me disseram apenas que queriam que eu fosse a mãe do Mussum. Ah, bacana, fiz a festa e topei. Só que ter esse chamado é uma coisa, e ir fazer é outra bem diferente. É quando a ficha cai e nos damos conta que é real. É quando assinamos o contrato e chegamos no set que a gente percebe a responsabilidade. Agora vou fazer um drama! Deu todos os medos que você possa imaginar. Medo do público nem tanto, mas da mídia foi enorme. Dos jornalistas, da crítica. São essas pessoas que dão medo na gente. São profissionais maravilhosos e essenciais, mas, às vezes, a forma como se expressam, as palavras utilizadas podem ser muito cruéis. A pessoa tem todo o direito de não gostar, mas não acho que exista a crítica construtiva. Existe a crítica delicada. Posso dizer que não gostei, mas de uma forma educada. A crítica não desconstrói. Todo mundo pode não gostar, achar ruim, mas tenho que saber me colocar, como me posicionar. Tenho medo é dessas pessoas. Do público também, mas é mais ok.
Por isso que esse papel foi tão desafiador?
Bom estava fazendo a mãe do Mussum, a dona Malvina, mulher que ninguém da minha geração, ou mesmo do grande público, chegou a conhecer. Entende? Ninguém viu, ninguém sabe como era essa mulher. To fazendo a mãe do Mussum através de histórias, de fotos, de relatos de pessoas que a conheceram. Então tá, vamos aí. E pelo que estou recebendo de feedback, parece que ficou bom, que era isso mesmo. Tá crível.
Você está acostumada a ser uma artista que as coisas acontecem ao teu redor, os teus filmes existem por tua causa. Mas aqui foi diferente, foi é mais uma a somar no todo.
Não tenho isso, sabe? Nunca me coloco no lugar de estrela maior. Até porque não consigo fazer nada sozinha. Mesmo quando acha que é a protagonista, nunca é de verdade. Porque depende dos outros que estão ali contigo. Por mais que eu vá contar uma história, vou precisar de um colega pra me ajudar. Estamos sempre segurando a mão um do outro. Pra mim, portanto, é tranquilo.
Essa personagem, aliás, você a divide com a Neusa Borges. Como se deu essa parceria?
A Neusa é que foi gentil de me deixar fazer essa participação. Ela que é a grande mãe. E a verdadeira dona da história. Fui só uma pontinha do cometa pra dar esse pontapé inicial. É ela quem dá o ‘grand finale’. Não é fácil você começar uma história que depois será assumida por uma grande atriz, com uma bagagem enorme e um retrospecto de respeito, com um peso do tamanho do dela. O Silvio Guindane, nosso diretor, trabalhava assim: eu ensaiava a parte dela, e ela fazia a minha. Ele tava sempre presente, falando pra uma o que a outra fazia e vice-versa. Um detalhe da mão, o jeito de colocar o lenço, tudo. Além do pessoal do figurino, da maquiagem, todo mundo se ajudando e colaborando no mesmo sentido.
Você tem um núcleo à parte no filme. Não chega a contracenar com o Ailton Graça, por exemplo, mas se faz muito presente com o Yuri Marçal e com o Thawan Lucas, as versões jovem e criança do Mussum.
Foi maravilhoso. Todo mundo muito carinhoso um com o outro. Somos todos comediantes. Então, estávamos na corda bamba, com muito medo (risos). Mas tínhamos que ir adiante, então precisávamos nos ajudar. Vamos juntos, rir e chorar um abraçado no outro. Veja só, não tenho filhos, mas com muitos sobrinhos e afilhados. Minha casa é agregadora, sempre cheia. Por outro lado, não sei o que é ser mãe, gerar uma criança. Só que o Yuri tem uma mãe. E sei como é dar esse carinho. Tentava, portanto, trazer esse carinho materno, e ele assumia essa postura de filho, e assim se dava a troca entre nós. Abraçava e beijava todo mundo, o tempo todo.
Qual o momento mais difícil dessa personagem?
A cena mais complicada para mim foi aquela de ler e escrever. Ali foi muito emocionante. Mas resultou em momento lindo entre mãe e filho.
Você tem uma personalidade expansiva. A dona Malvina, no entanto, é bastante contida. Imagino que essa diferença tenha representado um grande esforço.
Nossa, enorme. Ainda mais com o Silvinho, com quem trabalhei, como ator, no Vai Que Cola (2013-), por anos. Ele me conhece bem. Veja só: não me chama de Cacau, é só Claudia. Então, chegava em mim e dizia: “Claudia, diminui”. Parecia a minha mãe falando comigo (risos). Às vezes dizia “pode ir que tá bom”, e eu, na dúvida, questionava “mas não tá muito televisivo?”, e ele só respondia “confia”. Teve uma vez que me disse “quero esse grito, mas aqui embaixo, não lá em cima”. Jesus, como ia fazer isso? Como vou alcançar o que tá me pedindo? “Você consegue, lembra que é uma mãe preta”. E era isso, porque conhecia essa mulher. Era a minha mãe, as nossas tias. Toda família tem uma.
Mussum: O Filmis foi o grande vencedor do Festival de Gramado. Porém, como você mesmo disse, o elenco é quase todo de comediantes. Há espaço para fazer rir em festivais de cinema?
Tem que ter espaço para todo mundo. Às vezes fico pensando “por que a comédia é tão discriminada? Por que não concorremos a prêmios como todo mundo?”. E fazer rir é tão difícil quanto fazer chorar, se não mais. O Fábio Porchat, em uma sacada brilhante, criou o Prêmio do Humor, para celebrar a comédia no teatro nacional. A gente precisa de mais iniciativas como essa. Vamos levar comédias para Gramado e para todos os festivais. Vamos ser premiados, celebrados como qualquer outro artista. A gente fica feliz, trabalhamos também para isso.
Você tem sido uma presença constante no cinema. Depois do Mussum: O Filmis, que mais vem por aí?
Antigamente, quando alguém fazia essa pergunta e o artista respondia “ah, tenho alguns projetos, mas ainda não posso falar”, me dava um ódio que nem te conto (risos)! Porque era mentira, se tivesse mesmo já teria espalhado para todo mundo. Só fala isso pra não dizer que não tem trabalho. Mas eu tô cheia de coisa e, mesmo assim, não posso falar (mais risos). Esse ano teve já O Porteiro (2023), mais adiante vai estrear Os Farofeiros 2 (2024), ou seja, sempre tem algo novo. E com todos esses kikitos do Mussum: O Filmis, estou super arrogante, ninguém mais vai me reconhecer (novos risos). Mentira, não coloca isso na entrevista! Vai que alguém leva a sério? Mas olha, já estou preparando meu modelito pra Cannes, me aguarde!
Entrevista feita em Gramado em agosto de 2023
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