Montador, diretor e produtor paulista, Paulo Sacramento estreou como realizador há mais de uma década com o documentário O Prisioneiro da Grade de Ferro (2002), vencedor do É Tudo Verdade, premiado no Festival de Gramado e selecionado para o Festival de Veneza. Mas não se estava falando de um novato, e sim de um profissional com longa carreira na edição de longas de sucesso, como Cronicamente Inviável (2000) e Amarelo Manga (2002), entre outros. Depois de alguns curtas e de outras importantes parcerias também como produtor, Sacramento está de volta às telas com o drama Riocorrente (2013), premiado no Festival de Brasília e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, ambos no ano passado. Confira aqui esse bate-papo exclusivo com o cineasta durante o lançamento desse seu mais recente trabalho.
Riocorrente é o seu segundo longa como diretor, o primeiro em ficção. De onde surgiu a inspiração para este trabalho?
Foi logo depois de O Prisioneiro da Grade de Ferro, filme que foi um divisor de águas na minha vida. Um mergulho que não acabava mais, quase sete anos envolvido, em busca de recursos, os melhores momentos para as filmagens, como montar todo o material captado, onde mostrar o que tínhamos em mãos. Mas apesar deste ter sido um documentário, sempre tive muita ligação com a ficção, todos os meus curtas eram ficcionais, por exemplo. E acontece que saí um pouco traumatizado do Prisioneiro! Por isso decidi, imediatamente, escrever um roteiro para o meu primeiro longa de ficção, porque era isso que queria fazer em seguida. Mas isso foi há quase dez anos, e naquela época não queria dirigir, me achava cru ainda para encarar uma obra desse porte. Achava que tinha que trabalhar mais com ficção antes de dirigir. Quando vi, o tempo tava passando muito rápido, e por isso retomei o projeto. A primeira versão me passou uma energia muito bacana. Ao invés de aparar as arestas, decidi afiar, assumir a radicalidade e não tentar transformá-lo em algo comercial, mais normal. O que me interessou é a coisa sensorial, um clima, e não tanto uma história. Vamos fazer o filme o mais sensorial, e não falar com o lado racional!
Como foi desenvolvida a estrutura do roteiro que foi filmado?
Um pouco de cada coisa, era inevitável não assumir esse olhar quase documental sobre essa história que estávamos contando. Quem fotografou foi o Aloysio Raulino, que foi um cara sempre muito ligado ao documentário. Queria que o Riocorrente mexesse muito com o real, com cenários reais, pessoas reais, que frequentavam, mesmo, aqueles ambientes. Não queria câmera na mão, por exemplo. O filme seria mais forte se a câmera fosse rigorosa, com o enquadramento bem estudado, rígido. Isso potencializava o que estava dentro da tela. A gente foi descobrindo essas coisas enquanto íamos trabalhando, mas eu sabia desde o início que queria alguém que trabalhasse mais leve, com a cidade em movimento. Todo filme é um pouco assim, um pouco antes e um pouco depois.
Você foi montador de alguns dos mais badalados longas brasileiros dos últimos tempos. Qual a importância da montagem para o sucesso de um filme?
Acho que é total (risos)! Como montador, antes de dirigir meu primeiro filme já havia montado mais de 10 longas, e de pessoas muito diferentes. A gente percebe quanto um filme muda e pode atingir um potencial através da montagem. Precisamos buscar aquele potencial no material disponível. Às vezes temos que buscar algo que estava no roteiro, e mesmo que isso se perca no processo, é importante resgatá-lo. E muitas vezes surgem coisas nas filmagens que o montador tem que ter esse olhar. A montagem é o grande momento. Faço questão de trabalhar sempre a montagem com outra pessoa, com uma visão de fora, naquele jogo de perder/escondido.
A grande diferença para quem trabalha com ficção, além do roteiro, é poder trabalhar com atores. Como foi a escolha do elenco?
Foi a primeira vez que trabalhei com atores. Nos meus curtas anteriores havia trabalhado com não-atores, o que também é interessante, mas não era o que queria para o Riocorrente. Desta vez busquei atores experientes, mas não muito conhecidos. Tinham que sair da própria cidade, como se fossem mais um elemento do cenário. Então fui buscar no teatro. Esse é um filme que desde o início sabia que tinha que ser muito sujo. Parte de sua credibilidade vinha do anonimato. Isso era importante, mas ao mesmo tempo eram pessoas acostumadas com o tempo do trabalho diferente. Cinema e televisão é mais imediato, o teatro é que tem ensaio, muito exercício. E queria isso. Ensaiei com os atores muitas vezes nas próprias locações. Ensaios e escolhas, foi esse grupo que fez o filme ser diferente, muito centrado nos quatro personagens. Só tinha uma mulher, por exemplo, e a carga nela era muito forte. Isso não era deliberado quando escrevi o roteiro, só descobri fazendo.
Riocorrente foi exibido e premiado no Festival de Brasília do ano passado. Como foi essa passagem pelo mais antigo festival de cinema do Brasil?
Brasília foi um festival muito importante pra mim, lá passei o primeiro curta, vinte anos atrás. E é onde conheci muitos cineastas, voltei várias vezes. Por isso queria muito que o filme começasse por lá. Mas acho que não estourou lá como poderia ter acontecido. Até levantou um interesse bacana, mas foi acontecer mesmo na Mostra de SP. A ressonância muito maior veio depois. É um filme muito paulista, apesar de ter elementos que podem ser vistos por qualquer pessoa. É uma qualidade dele, imagino. Quando vou ver um filme indiano, quero que seja o mais indiano possível! Mas é universal, tempero local com sentimentos universais.
Muito se fala da distância entre público e crítica. Riocorrente ganhou o prêmio de Melhor Filme pelo Júri da Crítica na Mostra de São Paulo. Como o filme fará para se comunicar também com o espectador comum?
Tenho certeza que o espectador que entrar na sala de cinema vai se surpreender e encontrar uma coisa nova, vai reagir bem, vai reagir muito fortemente… não vai abandonar, é acessível a qualquer público. Meu medo, no entanto, é que as pessoas não cheguem a entrar na sala de cinema! É um momento muito difícil, com a Copa do Mundo, tudo acontecendo ao mesmo tempo. Tem que trazer o espectador, pois a partir daí a comunicação irá acontecer. O filme provoca de uma maneira, não é extremamente racionalizado, não tem o clichê do cinema de arte, tem um ritmo muito intenso, acontece muitas coisas, flerta com o cinema comercial, há efeitos especiais, uma pirotecnia interessante. Esse é o nosso desafio!
(Entrevista feita ao vivo, por telefone, direto de São Paulo, no dia 27 de maio de 2014)
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