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Gloria Pires é, indiscutivelmente, uma das maiores atrizes do Brasil. Estrela de filme indicado ao Oscar, sucessos populares e de reconhecimentos internacionais, ela já foi premiada nos festivais de Brasília, Porto, Tóquio e Havana, possui duas vitórias no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e outras duas no Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro. E agora, alcançou sua oitava indicação ao Guarani, a maior premiação da crítica cinematográfica brasileira, por seu desempenho como protagonista de Nise: O Coração da Loucura (2016), de Roberto Berliner. Grande homenageada do Festival de Cinema de Punta Del Este, no Uruguai, Gloria Pires arrumou um tempo também para conversar com o Papo de Cinema sobre esse trabalho, alguns dos seus personagens mais marcantes na tela grande e também para revelar alguns dos seus segredos de atuação. Confira!

 

A Nise é uma personagem muito forte, assim como a Lota, do Flores Raras (2013). É isso que você busca a cada novo trabalho, ser desafiada?
Ah, com certeza. O desafio é que move. Principalmente quando há uma história que merece ser contada. Este também é um estímulo, tornar conhecido algo que as pessoas não sabem, ou conhecem apenas uma parte. Veja o caso da Lota: era uma personagem totalmente desconhecida, seja pelos cariocas ou mesmo pelos brasileiros em geral, à despeito de toda a obra que ela realizou. Acho muito bonito o que aconteceu com o Flores Raras, que foi um filme bastante assistido, das pessoas comentarem sobre os postes, o parque que ela criou. Eu morei naquela mesma região, no Rio de Janeiro, no início dos anos 1970, e lembro dessa polêmica dos postes. A lâmpada era caríssima, a instalação era complicada, eram horrorosos… todo tipo de comentários ruins sobre aquilo. E, depois, tanto tempo já passado, como aquilo fez eco na cabeça das pessoas. Hoje, quem passa por lá olha aqueles postes e agradece por eles estarem ali.

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Gloria Pires, sendo dirigida por Bruno Barreto, no set de Flores Raras

Ou seja, filmes como esses contam um pedaço da nossa história.
Quando estamos em Nova Iorque, por exemplo, e passeamos pelo Central Park, a gente reconhece aquele lugar por todos os filmes e canções que se passaram por ali. Poder contar a nossa história é um prazer incrível. Já no caso da Nise, só ter a oportunidade de divulgar o Museu do Inconsciente, aquela joia escondida no Engenho de Dentro, e trazer isso a público, fazer com que as pessoas pesquisem, conheçam a respeito, dá uma grande satisfação. A Nise não queria comercializar aquelas artes, queria transformar tudo em fonte de pesquisa, de estudos.

 

Vocês tiveram um mês de ensaios antes das filmagens de Nise. Como foi o trabalho do elenco para criar aquele mundo de médicos e clientes, como ela chamava os internos?
Os atores que fazem os clientes tinham um tipo específico de preparação. Havia um preparador só para eles, e faziam todo tipo de experimentos, de improvisações. Nem sei direito, porque não cheguei a participar. Mas era um trabalho distinto. Depois é que começamos a ensaiar as sequências do filme, todas escritas de um modo muito interessante, bastante aberto aos improvisos e às sugestões. Tanto que, no filme, a câmera é um outro personagem. Não é um enquadramento formal, talvez com exceção da parte dos médicos. Eu e o Fernando Eiras, que faz o meu marido, também ensaiamos juntos como seria a casa dela, um mundo distante daquela realidade.

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Gloria Pires (ao centro), como Nise da Silveira, ao lado dos seus “clientes”, em Nise: O Coração da Loucura

O marido é um personagem que desperta muita curiosidade, pois ficamos sabendo pouco sobre ele…
Na verdade, esse casal merecia um filme à parte, só sobre a relação deles. As pessoas que privaram do convívio com eles, da intimidade deles – afinal, os grupos de estudos aconteciam na casa dela, com os gatos e tudo mais – nos ajudaram muito a criar essa imagem. A casa era dividida em dois apartamentos. O de cima era dela, com os livros e os gatos, e embaixo era do casal, de fato. O marido, estava sempre distante, ainda que também próximo.

 

Outro personagem que chama atenção é o do Augusto Madeira, primeiro tão contrário às mudanças que ela vai propondo, para depois se tornar um dos seus aliados.
A proximidade com ela o humanizou. Através do contato com ela, ele começou a ver esses clientes de uma maneira diferente. Como seres humanos, afinal. Antes, só usufruía do que eles poderiam oferecer, sem se preocupar com nada além disso.

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Tony Ramos e Gloria Pires em cena de Se Eu Fosse Você

Glória, além de personagens tão marcantes como esses dois, você também é uma das nossas atrizes mais populares. Deixa perguntar: o Se Eu Fosse Você 3 está confirmado?
(risos) Isso é um enigma! Não sei dizer. Vira e mexe surge uma nova notícia, alguém liga dizendo “agora vai”, para logo em seguida mudarem os planos. Então, não sei dizer. Mas posso afirmar: no momento, não há nada certo a respeito, nem roteiro, nem nada. Só uma vontade. Quem sabe um dia se concretiza?

 

Bom, há pouco você esteve também no Linda de Morrer (2015), que foi outro sucesso de bilheteria.
Não é uma coisa racional, fazer um filme para o público ou para a crítica. É algo que não tem como saber ou escolher. Embora pareça simples, não tem como. Na verdade, acontece que a cada dois anos eu faço uma novela. Quando acaba e me vejo livre, uso essas “férias” para realizar um destes projetos. Às vezes dá certo, outras não. E o lançamento destes filmes acaba sendo muito errático, também. O Nise, por exemplo, foi filmado antes do Flores Raras, mas estreou bem depois.

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Gloria Pires e a filha Antonia Morais no set de Linda de Morrer

Nise: O Coração da Loucura foi premiado como Melhor Atriz no Festival de Tóquio. Você esperava por esse reconhecimento?
Achei muito bacana. Infelizmente, não tive como ir até Tóquio. O Roberto Berliner, nosso diretor, é que foi. E ele mandava notícias, do tipo “as pessoas do festival só falam de você”. É claro que isso nos deixa feliz. O filme foi muito bem recebido por lá. Na véspera da premiação, me avisaram que talvez fosse preciso gravar um depoimento, caso fosse premiada. Mas não voltaram no assunto, e também não fui atrás. Sabe, estava tranquila, pois importante, mesmo, foi ter mostrado o filme. Prêmio é uma coisa secundária, é bom quando acontece, mas não dá pra ficar pensando só nisso. Tinha 16 anos que um filme brasileiro não participava desse festival, veja só! Então, tínhamos cumprido nosso papel. Só que fui dormir e, no outro dia, por causa do fuso horário, quando acordei meu telefone estava cheio de mensagens! Era todo mundo querendo falar comigo! “Ganhamos, ganhamos, você ganhou como melhor atriz!”, me diziam. Foi muito emocionante. Depois, o filme passou por outros festivais, e também saiu premiado, inclusive na escolha do público. O que mais podemos pedir?

 

Como você tem visto o atual momento do cinema brasileiro?
O Brasil tem feito coisas incríveis nos últimos anos. Filmes realmente maravilhosos. Tantos bons resultados, e ao mesmo tempo, é muito motivador. No entanto, acho que, de um modo geral, enfrentamos um problema crônico que é a necessidade de destruir as coisas que já existem para que possam surgir outras novas. Isso é a nossa falta de memória. Não reverenciar, e não usar o que já foi feito. É muito doido, quase doentio. É preciso destruir, não se pode acrescentar, mesclar com o que já existe. Essa é uma mentalidade que precisa mudar. Nise é um filme, por exemplo, que não tem como competir com as comédias. Mas precisa ter seu lugar, precisa ser visto. O público tem que saber que ele existe, não pode ficar privado. A quantidade de filmes que só são exibidos em festivais, e acabam nunca chegando ao circuito exibidor, é imensa. E é assim no cinema, na música, nas artes plásticas… por tudo!

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Gloria Pires em cena de Nise: O Coração da Loucura

Você foi indicada como Melhor Atriz ao Prêmio Guarani por sua performance em Nise: O Coração da Loucura. São mais de 50 críticos de cinema de todo o país votando. Você sabia que já ganhou em duas ocasiões anteriores?
Pois então, eu soube. Fiquei surpresa, e também muito feliz. Estava navegando pela internet, procurando as datas de alguns filmes mais antigos que fiz, quando entrei no Papo de Cinema e fiquei sabendo do Guarani. Gente, é fantástico o que vocês fazem. Fiquei encantada. Até passei para o pessoal que faz o meu site, para incluírem essas informações no meu currículo. Os dois filmes pelos quais fui premiada, o A Partilha (2001) e o É Proibido Fumar (2009), foram experiências maravilhosas. Muito bacana, mesmo. Adorei! Parabéns, pelo site, me deixou muito feliz!

(Entrevista feita ao vivo em Punta Del Este, Uruguai)

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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