Diretor e roteirista carioca, Vinícius Reis dirigiu o documentário A Cobra Fumou (1999), selecionado para a mostra competitiva do Festival de Gramado, e o longa ficcional Praça Saens Peña (2008), que recebeu 5 prêmio no Cine PE – Festival do Audiovisual, inclusive o de Melhor Direção. Desde 1996 coordena o núcleo de cinema do grupo Nós do Morro, no bairro do Vidigal, Rio de Janeiro. Durante o 45° Festival de Brasília apresentou seu mais recente trabalho, Noites de Reis, sobre uma família que se separa após a morte do filho caçula. Foi sobre esse novo longa, sobre seu relacionamento com os atores e sobre sua participação nos mais importantes festivais de cinema brasileiros que o Papo de Cinema conversou com o realizador, num bate papo inédito e exclusivo. Confira!
Qual foi a sua inspiração para realizar Noites de Reis?
Noites de Reis é um roteiro da Rita Toledo. Foi a primeira vez em que trabalhei com um roteiro que não era meu. Ela que foi atrás do Jorge Durán e da produtora dele, a El Desierto Filmes. Esse roteiro já havia passado por várias consultorias internacionais em encontros de roteiristas, oficinas e tal. Era um texto que havia sido muito trabalhado, e chegou o momento em que ela queria ver o filme nas telas. O Durán leu, gostou, e como havia curtido bastante meu longa anterior, o Praça Saens Peña (2008), me chamou pra ver se me interessava em dirigir, porque estava muito envolvido com o próximo filme dele, o Romance Policial. Quando li, a primeira coisa que pensei é que ali havia um filmaço.
No roteiro já estava determinado que a ação se passaria numa cidade litorânea?
O roteiro apontava para uma cidade colonial do interior à beira do mar. Essa questão da água é muito forte, pois é no mar onde estão as cinzas do menino. E é também um elemento de união. Todos os personagens, em um momento ou outro, vão mergulhar no mar. Vão todos encontrar o Lucas, o garoto que morreu. Quando a família vai pra praia, quando o Jorge mergulha, os vários mergulhos da Dora, todos são encontros. A postura da Dora, personagem da Bianca Byington, em relação ao mar, sempre pensei como algo quase incestuoso, da mãe com o filho. Tem até uma sensualidade naqueles mergulhos. Nós pensamos e conversamos muito sobre essas questões.
Como foi a seleção do elenco? Bianca Byington e Enrique Diaz não parecem ser os nomes mais óbvios para estes personagens…
Pois então. A Bianca é muito ligada em comédia, o Enrique tem vários projetos de direção. E é bom fugir do óbvio. Engraçado, quando li o roteiro pensei direto na Bianca. Uma das poucas rubricas que o roteiro trazia era em relação a essa mulher, que deveria ser dos seus quarenta e poucos anos, branca, bonita… na hora pensei “Bianca Byington”! Eu a conheço do teatro. Dos filmes que fez nos anos 1980, alguns bem importantes, como Garota Dourada (1984), ou mesmo o pequeno personagem que fez no do Ruy Guerra, o Estorvo (2000), nada disso me servia. Mas quando a via no palco, fazendo comédia, pensava: “essa mulher é poderosa, ela sabe fazer”. Ela sabe. Mais do que fazer rir, é uma atriz com muito material pra trabalhar, com muita técnica, com muita consciência das próprias capacidades, é muito envolvida. Nunca tive dúvida de que seria perfeita para fazer a Dora, porque mais do que uma comediante, é uma grande atriz.
Quais foram suas orientações para o elenco?
A gente descobriu junto. Não teve uma principal orientação, até porque não sabia exatamente para onde queria ir. A gente descobriu aos poucos. Aguardava muito o encontro do elenco com o roteiro, para que a gente pudesse pensar juntos. Esse caminho surgiu de forma coletiva.
Outra atuação muito elogiada é a da menina, a Raquel Bonfante. Como chegaste até ela?
Sou amigo do Eduardo Nunes, que fez o filme Sudoeste, com a Simone Spoladore e que tinha também no elenco a Raquel. Uma vez estávamos almoçando juntos, durante a preparação para o meu filme, e comentei que ainda não havia escolhido a menina para o papel da filha. Foi quando ele me chamou para ver uma cópia do filme, que havia ficado pronto recentemente, pois segundo ele ali estava a garota que procurava. A Raquel é também atriz de musicais, mesmo tão nova já fez vários no Rio e em São Paulo, e uma outra amiga minha a tinha visto e também, quase que ao mesmo tempo, veio até mim para indicá-la. Claro que a referência “atriz de musicais” não foi tão forte, especialmente para o filme que a gente queria fazer, mas quando veio a segunda indicação e depois de ter visto o Sudoeste, pensei que ali talvez tinha algo que, sim, me interessaria. E quase não foram precisos testes, falamos com menos de cinco candidatas para esse papel, a Raquel se impôs desde o nosso primeiro encontro. Ela é muito inteligente, conversamos muito sobre o personagem dela. Ela que me disse que esse seria um filme mais “contemplativo”, por exemplo.
E como você chegou até o Flávio Bauraqui? Qual a função do personagem dele no filme?
Sempre pensei no Noites de Reis como se fosse um filme com um lado na tristeza, na tentativa de sair do luto. O personagem da Dora, o do Jorge, são muito isso. E tem também aqueles personagens que são o contrário, que são a afirmação da vida. A Júlia, personagem da Raquel, tem muito disso, ela chama a mãe, diz “olha pra cá, vamos lá, aprende a brincar, nós estamos vivas”. É muito forte isso na filha. E o Bauraqui é esse cara que está do outro lado do muro, que a desperta para o namoro, para o sexo, para a beleza. Esse é um filme sobre a reconciliação com a vida. A Dora, mais do que o Jorge, tá nessa etapa de começar a olhar para a vida de novo. O Bauraqui é o primeiro cara que surge no caminho dela.
Seus filmes anteriores também participaram de festivais. O que significa pra você estas competições?
A Cobra Fumou (1999), o A Praça Saens Peña (2008) e o Noites de Reis são todos filmes independentes. Então é fundamental ter essa visibilidade que os festivais oferecem. A gente não vai ter um milhão de reais para lançar o filme nos cinemas, entende? Não vamos ter quatrocentas salas, não vamos estar na primeira página do Segundo Caderno. Então essa oportunidade das pessoas verem, do debate, de encontrar o público, de gostarem ou não do que fizemos, é tudo muito importante. Quando a gente conversa sobre ele, o filme começa a existir. Ele começa a acontecer, gera um boca a boca, passa a existir no cinema brasileiro.
(Entrevista realizada no dia 23 de setembro em Brasília)
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