20240823 leonardo lacca papo de cinema

Chega ao fim nesta sexta-feira, 23, a primeira edição do Noronha2B: Film Commission Forum, um espaço que já nasce essencial, entre outras coisas, para a discussão da interseção entre cinema e turismo no Brasil. Realizado no arquipélago de Fernando de Noronha, um dos principais destinos turísticos da América Latina, o evento contou com a presença ilustre de diversas autoridades e contemplou exibições, homenagens, mesas de debate e tutoria de projetos previamente selecionados. E um dos tutores escolhidos para as trocas com os proponentes foi o cineasta e preparador de elenco Leonardo Lacca. Conversamos remotamente com ele, numa ponte Rio de Janeiro/Fernando de Noronha, para saber como foi essa primeira edição, quais as expectativas e os resultados que ele percebeu nas conversas, nas atividades de formação e na troca com todos os participantes. Esse Papo você confere com exclusidade abaixo.

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Como foi esse convite para ser tutor do Noronha2b, evento que tem tudo para se consolidar no calendário brasileiro?
Pois é, espero muito que se consolide. Bom, o Zeca Brito conversou comigo. Exibi meu filme Seu Cavalcanti (2023) no Festival Internacional de Cinema da Fronteira (nota da edição: do qual Zeca é diretor artístico), e de lá para cá mantivemos contato. Ele falou do evento e aceitei imediatamente quando  me convidou para ser tutor dos projetos selecionados. Eu tinha um problema de data, pois estava em São Paulo com a preparação de elenco de O Agente Secreto, o próximo filme de Kleber Mendonça Filho, mas no fim deu tudo certo. Cheguei já me encantando com o lugar. Já tinha adiantado a leitura dos projetos, mas aí voltei a eles e os encontros foram muito legais.

Na condição de tutor, como você avalia, em linhas gerais, os projetos que chegaram até você no Noronha2B?
Na minha mão chegaram quatro projetos muito interessantes, diferentes narrativa e tematicamente. Acredito que o encontro com as pessoas do projeto é para colocar o meu ponto de vista, estabelecer uma troca de igual para igual. Não há a verdade à qual chegar, e como já estive do outro lado, compreendo a dinâmica como uma troca. Faço exatamente o que gostaria que fizessem se eu fosse o autor do projeto, ou seja, tenho atenção, mergulho de modo atento e carinhoso. Tratam-se de trabalhos em construção. É fundamental estar atento a essa troca.

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Qual o balanço que você faz dessa primeira edição do Noronha2B?
Logo quando cheguei, vi um show de Lia de Itamaracá num pôr-do-sol belíssimo (risos). Conversei com Marcelo Freixo, Jandira Feghali. Sou de Recife, mas não conhecia Fernando de Noronha. É um lugar com pessoas muito interessantes e a interação com a comunidade local é uma coisa que me marca bastante. De certa forma, o evento conecta os moradores com a ilha. Fernando de Noronha é um lugar difícil de chegar, mas também difícil de sair, então é importante os moradores da ilha vivenciarem isso, terem esse intercâmbio. Fiquei sabendo que por aqui vai ter cinema. Quero voltar aqui no ano que vem a fim de conhecer esse cinema. O que faz o evento são as pessoas e aqui vejo uma galera muito mobilizada e instigada, viabilizando coisas difíceis. A programação é extensa, diversa e profunda. Conhecer os projetos e os autores nos encontros oficiais e não oficiais nos permitem uma convivência massa.

Como um profissional integrado ao mercado, como avalia esse tipo de evento, os laboratórios e as film commissions?
O cenário tem melhorado bastante nos últimos anos. Lembro de um episódio que aconteceu no Recife. Marcelo GomesKarim Aïnouz reuniram gente de maneira aberta para exibir um filme deles em progresso. Achei bonito, pois isso é se colocar num lugar vulnerável, exposto. E estamos falando de dois grandes artistas. Na época o filme se chamava Sertão de Acrílico Azul Piscina. depois foi batizado como Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo (2009). Atualmente no Brasil temos alguns espaços para esse tipo de discussão. É fundamental escutar os outos durante a finalização, o processo de fechamento é feitos de escolhas, coisas que não têm volta. Escutei muito de alguns participantes aqui que dialogar sobre os projetos é se reaproximar dele. A partir do outro você se reconhece. Não acredito em formação no sentido de formatação, mas no sentido de potencializar o que as pessoas têm de único.

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O Noronha2B foi prestigiado por autoridades, entre elas figuras proeminentes da política. Como você vê o mercado audiovisual brasileiro dialogando com essa classe tão importante para a definição de políticas públicas essenciais?
É algo que tenho visto em discussão em muitos festivais. Atualmente se debate a regulamentação do streaming e isso se trata da soberania nacional. É importante que esse mercado seja como uma massa de pão, crescendo, fermentando e se retroalimentando, algo que se potencialize e gere independência. Foi ótimo dialogar com a deputada Jandira Feghali, por exemplo, parlamentar que esteve à frente de tantas conquistas. Quando a conheci fiz questão de agradecer. Depois de um pesadelo estamos voltando ao momento de normalidade, mas não podemos relaxar, pois o pesadelo pode voltar. É preciso fortalecer processos democráticos. Não penso tanto assim no turismo como realizador ou mesmo como tutor, mas acho massa existirem agentes promovendo essa conexão tão importante. Quando penso em turismo, penso em cultura, pois além das paisagens existem as pessoas reproduzindo cultura e tradição. É o que valorizo nos filmes.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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