Marc Turtletaub é um novato com a experiência de um veterano. Nosso Amigo Extraordinário é o terceiro longa que dirige em uma carreira como realizador que está completando, em 2023, uma década (sua estreia foi com Gods Behaving Badly, de 2013). No entanto, sua presença em Hollywood tem sido consistente desde a virada do século, tendo atuado como produtor de mais de trinta títulos. Por estes trabalhos, foi indicado ao Oscar por Pequena Miss Sunshine (2006) e ganhou o Film Independent Spirit Awards com A Despedida (2019), foi premiado no Sindicato dos Produtores (PGA) por Loving: Uma História de Amor (2016) e foi responsável por um dos trabalhos mais comoventes da carreira de Tom Hanks em Um Lindo Dia na Vizinhança (2019) – também indicado ao Oscar! Entre tantos trabalhos de destaque, parece difícil chamar atenção com um filme bem mais discreto como Nosso Amigo Extraordinário, que chegou há pouco aos cinemas nacionais, mas basta os primeiros minutos de projeção para se deixar envolver por essa história, no mínimo, fora do comum. Aproveitando esse lançamento, o cineasta conversou com exclusividade com o Papo de Cinema, e revelou o que o motiva a contar cada nova história. Confira!

 

Olá, Marc. Prazer falar contigo. Bom, vamos falar sobre Nosso Amigo Extraordinário. Você sabia que esse é o título no Brasil para Jules (o nome original)?
Ah, ok, vamos lá. Bom, quando ouvi pela primeira vez que estavam considerando esse novo título para o lançamento do filme no Brasil, confesso que fiquei surpreso, pois foi uma mudança e tanto. Mas minha primeira reação foi perguntar ao pessoal daí se este seria um bom nome, e todos foram uníssonos em me afirmar que seria a melhor escolha. E você sabe, eu não falo português (Nota no editor: essa entrevista se deu toda em inglês), então tive que confiar neles (risos). O que poderia fazer, não é mesmo?

Marc Turtletaub (diretor), ao lado de Harriet Harris, Jade Quon, Ben Kingsley, Zoe Winters e do diretor artístico Carl Spence no Sonoma International Film Festival em 22 de março de 2023, na California. (Photo by Miikka Skaffari/Getty Images)

É de fato um bom nome, bastante universal, diria. Quem não quer ter ‘um amigo extraordinário’, não é mesmo?
Um amigo que é o melhor ouvinte que você já teve? Nossa, eu seria o primeiro da fila!

 

Como o filme Nosso Amigo Extraordinário chegou até você e o que o motivou a contar essa história?
O único dos meus filmes que também assinei o roteiro foi Gods Behaving Badly, também minha primeira direção – além de alguns curtas – e prometi a mim mesmo não passar por isso novamente (risos). Penso que é mais tranquilo dividir as tarefas, pois são mais profissionais envolvidos, mais ideias contribuindo para o resultado final, entende? Nosso Amigo Extraordinário, por sua vez, chegou até mim por meio de uma dupla de produtores com quem já havia trabalhado em ocasiões anteriores. Quando o li, a impressão imediata que tive foi que nunca leria nada igual pelos próximos dez anos! O que procuro ao ler um roteiro, independente se vou dirigir ou produzir, são três coisas: primeiro, busco por algo completamente único, que nunca tenha visto ou ouvido falar antes; depois, quero algo que seja sobre alguma coisa especial, que tenha algum significado relevante, para que as pessoas possam falar a respeito ao sair da sala de cinema; e por fim, tem que ser capaz de entreter, pois se não envolver, ninguém irá assisti-lo. E quando li esse texto, me dei conta que possuía essas três qualidades.

 

Você declarou que o alienígena seria um catalisador, um motivo para aquelas pessoas enfim se abrirem e revelarem seus anseios e sonhos. Por que combinar dramas tão pessoais com esse elemento da ficção científica?
Esse foi o maior desafio para mim, Robledo. Levei aproximadamente dez meses e meio para editar o filme, após às filmagens. Nunca passei tanto tempo na sala de edição em toda a minha carreira, mesmo antes, quando atuava apenas como produtor. E isso se deu por causa dessas diferentes camadas que a história proporciona. Sim, é um conto sobre um homem já de uma certa idade, que está envelhecendo e perdendo algumas das suas faculdades, mas não é melancólico. Há emoções, mas não é depressivo. Geralmente, filmes sobre pessoas mais velhas envolvem alguém morrendo, são muito tristes, e essa não tem nada disso. O senso de humor está presente por todo a narrativa, além da ficção científica – e estes são elementos que geralmente parecem não combinar uns com os outros. Poderia ser um filme sobre amigos – afinal, são três idosos que descobrem a amizade a partir desse acontecimento especial – mas há um alienígena de um metro e meio entre eles! Confesso que tive essa dúvida: “será que tudo isso irá se encaixar?”. Mas, ao mesmo tempo, sabia que precisava tentar.

Processo de maquiagem nos bastidores de “Nosso Amigo Extraordinário” – Linda Kallerus/Bleecker Street

Enquanto assistia ao filme, tive a impressão de ver duas possíveis leituras distintas: ou aquilo estava, de fato, acontecendo, ou era tudo fruto da imaginação do protagonista. Você concorda com isso?
Com certeza. Por muito tempo, enquanto estávamos trabalhando no roteiro, ainda antes das filmagens, tive a mesma impressão. Será que tudo isso está apenas na cabeça dele? Mesmo no final, na última cena, até ali você segue pensando: “hum, isso tudo pode ser só uma fantasia”. Acho que é o poder do filme. Funciona como fábula, mas também como algo que pode acontecer a qualquer um de nós – é claro, se acreditarmos em vida extraterrestre (risos). No mínimo, pode gerar um bom debate após uma sessão entre amigos.

 

Bom, vamos falar do elenco. Como conseguiu Sir Ben Kingsley para ser o protagonista?
Nós tivemos muita sorte! Quando li o roteiro, ele foi o primeiro nome que me veio à mente: “adoraria ter sir Ben Kingsley no papel do Milton”! Pra começo de conversa, não estamos habituados a vê-lo com cabelo, não é mesmo (risos)? Ele participou ao longo dos anos de algumas comédias bem tresloucadas, mas, ao mesmo tempo, sabia que, se dissesse “sim” ao nosso convite, nos daria esse “pé no chão” que tanto precisávamos. Não iria interpretar como se fosse apenas uma piada. Faria como se fosse verdade, e era isso que queria. Todos agiriam com plena crença no que estava acontecendo. O senso de humor dele é bastante maluco, pode acreditar, mas, em cena, age com a maior naturalidade, como se fosse real. Então, enviei o roteiro até ele, que felizmente percebeu essas mesmas qualidades que também vi, e adorou! Em apenas cinco dias nos deu uma resposta positiva e começamos a trabalhar juntos!

Ben Kingsley nos bastidores de “Nosso Amigo Extraordinário”

Adoro como ele leva tudo na maneira mais natural possível, seja no caixa do supermercado, ou mesmo nas conversas com a filha.
Exatamente. Simplesmente diz o que está acontecendo: “pois é, veja só, tem um alienígena no meu quintal”. Todo mundo que o escuta falando desse jeito fica surpreso, acha que está enlouquecendo, mas para ele é até banal, só mais um dia igual a tantos outros. Ele se preocupa com coisas simples, como “ah, ele só come maçãs? Então preciso comprar mais”, e trivialidades desse tipo. É tão verdadeiro que não consegue ver razões para esconder ou mesmo tornar aquela visita em algo especial.

 

Harriet Harris e Jane Curtin são aquelas atrizes que todo mundo conhece, mas talvez não lembre exatamente de onde. Aqui, no entanto, ganham mais destaque. Como foi trabalhar com elas?
Elas são maravilhosas. Amo as duas profundamente. Harriet Harris, como você disse, é o tipo de atriz que todo mundo tem a impressão de já ter visto antes, mas não lembra de qual filme ou série. Cada vez que trabalha, simplesmente desaparece no personagem, é como se fosse uma criação inédita. É impressionante! Não dá pra dizer se faz melhor comédia, ou drama, ou horror, pois faz de tudo. É uma ótima atriz de teatro também. Jane Curtin, por sua vez, é uma das maiores comediantes dos Estados Unidos. Fui afortunado por ter conseguido reunir esses atores comigo. Outra grande surpresa foi Jade Quon, que interpreta Jules, nosso alienígena.

Jane Curtin, Harriet Harris, Sir Ben Kingsley e Jade Quon em cena de “Nosso Amigo Extraordinário”

Trata-se de uma atriz, não é mesmo?
Entrevistei oito diferentes atores para esse papel, e ela foi a primeira a fazer o teste comigo. Como Jules não fala, nem mesmo pisca os olhos, apenas fica observando e é levado de um lado para outro, tinha uma ideia muito específica de como deveria ser. Imaginava alguém ainda menor, e por isso que, quando Jade apareceu, mesmo sendo tão perfeita no modo de agir e se comportar, agradeci ter ido nos ver e continuei chamando por outros intérpretes. Mas cada um que entrava, automaticamente ficava comparando com o que Jade havia feito, até que me dei conta: “o que estou pensando? A primeira foi perfeita, qual o sentido dessas outras entrevistas?”. Estava em Los Angeles e, uma hora e meia depois do nosso primeiro contato, ligamos novamente para ela: “você pode voltar?”. E, felizmente, veio e deu tudo certo.

 

Antes de dirigir, você já atuava como produtor de sucesso, em filmes como Pequena Miss Sunshine e A Despedida. O que move o teu olhar para decidir apostar em um projeto?
Você disse a palavra certa: “o que me move”. Essa é a questão. Quando você lê um roteiro, o importante é ter esse feeling, esse sentimento de que há algo especial naquele material. Às vezes, pode acontecer de todo mundo ao seu redor lhe dizer: “pois é, não senti a mesma coisa”, e tudo bem, o que importa é se você está com esse pressentimento ou não. Isso é que fará a diferença. Pra mim, portanto, tudo se resume a essa sensação. Como disse antes, procuro por histórias que são únicas, nunca vistas antes. Muitas vezes trabalhei com roteiristas que nunca tiveram um filme realizado, pois trazem consigo um frescor e uma vontade de fazer diferente que é o que me interessa. Exatamente o que aconteceu com Nosso Amigo Extraordinário.

 

Você já esteve no Brasil?
Sim, estive apenas uma vez, muitos anos atrás. Infelizmente, foi uma passagem muito rápida. Preciso voltar.

Ben Kingsley e o diretor Marc Turtletaub nos bastidores de “Nosso Amigo Extraordinário”

Como espera que o público brasileiro receba Nosso Amigo Extraordinário?
Bom, isso é algo que eu deveria perguntar a você (risos). Quero dizer, espero que recebam de braços abertos. Sendo o mais sincero possível, acredito que a mensagem desse filme seja universal. Que é sobre essa capacidade que precisamos exercer de ouvir, de escutar quem está ao seu lado. Esse alienígena, que não diz uma única palavra, consegue ajudar todas essas pessoas a encontrar suas vozes. Isso é uma verdade em qualquer idioma. Em todos os países. Este é um filme sobre a capacidade de conexão que todos nós temos. Então, o que espero, é que possam se conectar a história que estamos contando.

Entrevista feita via zoom entre Brasil e Estados Unidos em agosto de 2023

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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