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O Anjo :: Entrevista exclusiva com Chino Darín

Publicado por
Robledo Milani

Ainda que, em muitos casos, o mesmo sobrenome não seja garantia de talentos semelhantes, aqui a herança se faz presente com plena força: Chino Darín vem, a passos largos, revelando-se um ator tão versátil e competente quanto o pai, o grande Ricardo Darín. Nascido na capital portenha no final do anos 1980, o rapaz de trinta anos vem se destacando em produções tanto no cinema, quanto na televisão. Após ser premiado internacionalmente pelo desempenho apresentado no thriller Morte em Buenos Aires (2014), seu primeiro como protagonista, e de fazer uma participação no seriado brasileiro O Hipnotizador (2015-2017), voltou a chamar a atenção em História de un Clan (2015), minissérie inspirada em um trágico episódio real – e que seria recontado na tela grande no drama O Clã (2015). Depois de atuar ao lado de Carolina Dieckmann em O Silêncio do Céu (2016), de Penélope Cruz em A Rainha da Espanha (2016), e de Adriana Ugarte em Durante a Tormenta (2018), ele agora é um dos destaques do elenco de O Anjo (2018), também baseado em um episódio verídico. E aproveitando esse último trabalho, que foi o representante oficial da Argentina no Oscar 2019, nós conversamos com o astro, que falou também sobre o pai e futuros projetos. Confira!

 

Olá, Chino. Como você recebeu o convite para viver o Ramón de O Anjo?
Somos amigos, eu e o diretor Luis Ortega, e isso sempre ajuda. Havia feito, há alguns anos, uma série para a televisão com ele, chamada Historia de un Clan (2015), que foi uma ótima experiência. Foi quando nos conhecemos e nos aproximamos. Foi também a primeira vez que comentou comigo sobre O Anjo, quando terminamos de filmar o programa. Ele me contou que estava pensando em adaptar a história de Carlos Robledo Puch, que é um caso que até hoje todo mundo na Argentina conhece, de tão marcante que foi. Naquela época não tinha nada pronto, ainda. Só comentou comigo, e ficou por isso mesmo. Um ano depois, no entanto, me escreveu com a primeira versão do roteiro. E dizendo que havia pensado em mim para o Ramon, que escrevera o personagem comigo em mente. Quando algo assim acontece, ainda mais vindo de alguém que você conhece e admira, é impossível dizer ‘não’.

A história de O Anjo é inspirada em um episódio real. Você chegou a fazer algum tipo de pesquisa? Teve contato com o verdadeiro Ramón?
Não fiz absolutamente nada, nenhum movimento nesse sentido, e simplesmente porque não foi preciso. Tudo o que você vê na tela, ao menos em relação a mim e a minha atuação, foi baseado no roteiro que o Ortega me entregou. Até porque, ele próprio havia se baseado num livro, O Anjo Negro, do Rodolfo Palacios. Ou seja, havia um trabalho de investigação prévio. Esse romance documental é muito completo, repleto de detalhes, e para mim foi mais do que suficiente. Toda a história real estava ali, reunida, em primeira mão. No entanto, quando você se dispõe a criar uma versão ficcional dos fatos, é importante esquecer o que aconteceu na realidade, para, a partir daí, criar a nossa própria verossimilhança. E penso que foi isso que fizemos.

 

Como os pais de Ramón lidam com ele é determinante para o comportamento que o rapaz exibe. Como foi atuar ao lado de Mercedes Morán e Daniel Fanego e como vocês criaram esse ambiente familiar tão fora dos padrões?
Mercedes e Daniel são dois fenômenos, grandes nomes na Argentina, pessoas que sempre admirei. Curiosamente, não havia trabalhado com nenhum deles antes, o que aumentou ainda mais as minhas expectativas. E o resultado foi isso que se vê em cena, um grande prazer. Só a oportunidade de estar junto deles era muito inspiradora. Parte da construção desse ambiente familiar, no entanto, foi um pouco ideia minha. Tivemos ensaios, e através deles nos foi possível chegar, juntos, a um acordo tácito que consideramos que Carlitos, o protagonista, era um gato, enquanto que essa família era formada por cachorros. Eles atuam como tais, com o mesmo tipo de confiança física. Carlitos, por outro lado, era diferente. Nele havia sutileza e segurança.

Chino Darín e Lorenzo Ferro

Vocês ensaiaram por quanto tempo antes do início das filmagens?
Tivemos tempos distintos de ensaios. Lorenzo Ferro, que além de ser o personagem principal, estava também estreando no cinema, precisou se dedicar mais. Foram meses só com ele, não apenas para aprender a interpretar, mas também a dançar, conduzir motos, tudo o mais que o Carlitos precisa fazer. Cheguei dois meses, um e meio antes do início das filmagens, quando já estavam bem entrosados. Cada projeto, cada diretor e grupo de atores, há um funcionamento interno muito específico. No meu caso, gosto que seja assim, pois sempre é uma novidade. Haviam áreas muito claras, que estavam explícitas para todos no elenco. Outras, no entanto, eram melhor nem tocar, pois seria preciso garantir o frescor da descoberta.

 

Vamos falar, então, do novato Lorenzo Ferro. Como foi trabalhar com ele?
A dinâmica entre nós foi muito boa. Tive essa sensação de entrar em um projeto já em marcha, como expliquei antes. Ele estava ensaiando há mais tempo, então foi curioso. Ele poderia ser o novato, mas estava mergulhado naquele universo há mais tempo que eu. Senti que estava em funcionamento o que ele e o diretor haviam planejado. E a mim, o que sobrava era a certeza de que queria fazer parte dessa engrenagem. Tivemos muito para crescer, para criar esse vínculo entre nós dois. Como eles se relacionavam, a tensão sexual que não podia ser negada. Seguimos acordos entre nós, como gatos e cachorros. Encontrar a verdade de cada um só é possível quando verdadeiramente nos sentimos na pele do personagem. Foi uma experiência muito enriquecedora. Posso afirmar, sem medo, que me devolveu o entusiasmo de ser ator. Ainda mais por estar ao lado de um garoto tão jovem, a quem tudo era tão inédito. Foi inspirador.

 

Fale um pouco mais sobre a tensão sexual que existe entre os dois personagens.
Luis, o diretor, nos fez construir isso desde o roteiro. Foi algo detonante desse momento em que jovens se transformam em homens, e descobrem suas sexualidades, em paralelo com a amizade que vai se formando entre eles. É um misto de admiração, também, como a que se sente por um amigo, um parente. Mas, junto a isso, há uma forte carga erótica. Sempre foi construído dessa forma. A linha é tênue, afinal, não se sabe se há ou não tesão entre eles. Se é sexo, ou apenas admiração. Ou mesmo confronto, de dois machos num mesmo terreno. O que se passa ali? Pode ser interessante pensar sobre isso, pois as possibilidades são muitas.

Chino Darín, Pedro Almodóvar, Luis Ortega, Lorenzo Ferro e Mercedes Morán

Pedro Almodóvar é um dos produtores do filme. Você teve algum contato com ele? Qual foi a influência dele no projeto?
Não estou muito seguro de qual foi a influência de Almodóvar no resultado final. Quer dizer, só por ser um dos produtores, por ter confiado no projeto, um cara com a história que ele tem, já diz muita coisa, não é mesmo? No entanto, considero que seja um filme 100% oriundo do universo criativo de Luis Ortega. Almodóvar produz o que acredita, mas não sei se chegou a se envolver diretamente na realização deste filme. Não sei se seria possível identificar a influência dele em algum ponto específico. Quanto ao meu trabalho, posso afirmar que não tive nenhum contato com ele. Almodóvar não participou das filmagens, não esteve no set, nada disso.

 

O Anjo foi escolhido para representar a Argentina no Oscar 2019. E a recepção do público, quando exibido nos cinemas por aí, como foi?
Foi o filme argentino mais visto do ano passado no nosso país, com grande diferença em relação ao segundo colocado. Quase o dobro, para se ter uma ideia. Muito difícil, no entanto, saber o por quê de todo esse sucesso. Não se pode dizer que exista um gênero preferido para o público argentino em relação ao nosso cinema nacional. O Segredo dos seus Olhos (2009), O Clã (2015), ambos são dramas pesados, e também foram sucessos de público. Ou seja, não há um padrão. Não há uma comparação, pois comédias também costumam ser bem recebidas. Tudo depende do momento, das histórias, de um monte de fatores.

Com Adriana Ugarte, em cena de Durante a Tormenta

Com filmes como O Silêncio do Céu (2016) e Uma Noite de 12 Anos (2018), você tem sido uma presença constante no Brasil. Tem vontade de seguir com uma carreira internacional? Hollywood é uma meta?
Não necessariamente. Particular, não é algo que me move. Meu único interesse está em fazer filmes cada vez melhores. E diferentes entre si. Todos os filmes que tenho participado, e esses que você citou em particular, foram experiências parecidas, sob determinado aspecto, mas também distintas, por outro olhar. Foram filmes feitos em países diferentes, por exemplo, e cada lugar tem seu jeito próprio de ser. Uma grande parte de fazer um filme é construir uma família. Afinal, são 60 ou 100 pessoas que irão conviver por meses num mesmo projeto. Há uma configuração social, e você precisa estar integrado. As equipes técnicas do Brasil são diferentes das da Argentina, que não são iguais às espanholas. O processo de construção é parecido, no entanto. Há pontos em comum, e outros muito particulares. E tudo isso me mantém motivado.

 

Gostaria de falar sobre um longa seu recente, Durante a Tormenta (2018), feito na Espanha e que estreou recentemente na Netflix. Como foi o seu envolvimento?
Estava na Espanha, por acaso, quando me chamaram para uma reunião com o diretor Oriol Paulo, que é um artista especialista no gênero de thriller e suspense. Gosto muito do Um Contratempo (2016), o longa anterior dele, e fiquei curioso para saber o que tinham para me propor. Me chamaram especificamente para esse personagem, o inspetor Leyra. Questões pessoais haviam me levado à Europa. E era o projeto ideal para continuar por lá por mais algum tempo. Ao ler o roteiro, fiquei alucinado. Não conseguia imaginar como ele iria fazer tudo aquilo dar certo, e o melhor é que funcionou maravilhosamente. Fiquei encantado com o resultado. Me chamou atenção também o trabalho dele com o elenco, é um grande diretor. Evidentemente, sua formação principal é de roteirista, e isso se nota no filme. Havia uma construção narrativa muito interessante, e só por fazer parte já foi um presente.

Ricardo e Chino Darín

Para encerrarmos, teu pai é um fenômeno de público no Brasil. O cinema que ele faz é um exemplo para você? Já pensaram em atuar juntos?
Vamos estrear um filme juntos ainda neste ano. E, sim, como pai e filho. Vai ser nossa primeira vez, ainda que o último longa dele, o drama romântico Um Amor Inesperado (2018), eu tenha participado como produtor. Então, já trabalhamos juntos, ainda que não na mesma tela. Agora, ele enquanto ator, depende muito. Vou te contar uma história: outro dia, estava num avião, e fui ver os filmes disponíveis para assistir durante a viagem. E lá havia: comédia, drama, terror, e ‘filmes do Ricardo Darín’. Dei risada, pois me pareceu bastante ridículo. Para mim, os gêneros são diversos, e o “cinema de Ricardo Darin” não é um só. Alguns que ele fez gosto, outros não tanto. Aura (2005) continua sendo o meu favorito. É um grande filme, e a melhor atuação dele. Agora, enquanto pai, somos muito próximos, claro. Ele é o meu maior exemplo e inspiração.

(Entrevista feita por telefone na conexão Porto Alegre / Buenos Aires em abril de 2019)

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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