Durante o último Festival de Gramado, Caco Ciocler era uma das figuras mais presentes em todas as rodas. Afinal, estava presente em nada menos do que em dois longas concorrentes. E ainda que seu personagem na cinebiografia Simonal (2018) fosse coadjuvante, em O Banquete sua participação era maior, estando em cena por quase todo o filme. No entanto, no dia seguinte à exibição do primeiro destes títulos, um boato começou a circular – a diretora Daniela Thomas estaria inclinada a retirar O Banquete do festival, cancelando a exibição, devido à morte do jornalista Otávio Frias Filho. Segundo declaração da própria, “o momento era inoportuno para o encontro da ficção com a realidade e as possíveis interpretações equivocadas que a ficção pode suscitar”. Caco, por outro lado, parece não concordar muito com o ponto de vista da cineasta. E mesmo com o filme fora da mostra, o debate prosseguiu: a decisão teria sido, de fato, a mais acertada? Bom, com a estreia programada para este dia 13 de setembro, chegou o momento de cada espectador tirar as suas próprias conclusões. Nesse meio tempo, conversamos com o ator, que falou um pouco sobre o seu personagem e como foi essa experiência. Confira!
Fale um pouco sobre o teu personagem em O Banquete. Quem é esse cara?
O meu personagem em O Banquete passa o tempo todo bêbado. Ele é um advogado, cujo cliente está em uma situação limite, que envolve um contexto político muito grande, e ele não tem o que fazer. É meio que um jantar de despedida. Na manhã seguinte, não seremos mais os mesmos, quiçá estaremos mortos ou presos. Ele é um fraco, afinal. Um cara machista, que tá enchendo a cara porque não aguenta mais.
O filme inteiro se passa em uma noite. Como foi filmá-lo?
Exatamente. Nossa, foi uma loucura. Eu já chego bêbado em cena. Chego tonto para esse jantar, e dali em diante só piora. A ideia inicial da Daniela Thomas, nossa diretora, era fazer um plano-sequência. Com apenas um ou dois cortes. No final acabou não sendo possível, mas o conceito era incrível. Seria algo meio Festim Diabólico (1948), do Hitchcock. Mesmo assim, a trama continua sendo o tempo real de um jantar. Foi filmado, portanto, quase como uma peça de teatro. Durante as duas ou três semanas de filmagens, a gente reproduzia o jantar por inteiro. Não era apenas aquela cena, sabe? Fazíamos tudo de novo. E isso com muita improvisação, a câmera solta ao nosso redor.
Ela deixou vocês todos muito livres, pelo jeito.
Com certeza. E é inacreditável que tenha saído assim. A gente fez de tudo. Não sei como essa câmera é algo doente, não dá pra entender como ela conseguiu. A mesa principal, por exemplo, tem um espelho gigante atrás – e a câmera não aparece! É inacreditável!
É um filme de elenco. Como foi estabelecer essas parcerias com os demais atores?
Foi maravilhoso. Sempre fui muito fã da Daniela. E não apenas como cineasta, afinal ela fez dois cenários de peças que participei. Então, a admirava como artista, como pensadora. Quando veio esse convite dela, era irrecusável. E isso só se reforçou quando fiquei sabendo do elenco que ela estava reunindo. Era como se eu fosse um jogador de futebol e tivesse sido convocado para o Real Madrid.
O Banquete estava selecionado para o Festival de Gramado, mas acabou se retirando e não foi exibido. O que você achou disso?
Acho que a Daniela não deveria ter retirado o filme. Falam que foi em respeito à morte do Otávio Frias Filho, mas o filme não é sobre ele. Acho que, retirando, ela meio que assume que fez uma cinebiografia sobre o Otávio, algo que não é. Acabou vestindo um chapéu que não era dela. Há referências a ele? Sim, elas existem. Mas há também ao Gerald Thomas, ao pai dela, a todos os homens que passaram pela vida dela. Ela fez uma grande mistura nesse personagem, esse que dizem que seria o Otávio. Tem ele ali, sim, mas tem outras pessoas também. Não é uma biografia dele, no entanto. Ela apenas usou esse mote, de algo que aconteceu com ele, quase como uma desculpa esfarrapada, para criar uma tensão maior. O filme é sobre isso, sobre o que passam esses personagens em volta desse assunto.
Algumas semanas antes do lançamento nos cinemas de O Banquete, a Daniela Thomas publicou um prefácio para o filme, meio que se antecipando às discussões que o filme poderia gerar. Que tipo de debate você imagina que pode se originar a partir desta história?
Olha, se eu soubesse, com certeza te diria. Estamos todos muito curiosos quanto a isso. Nós, que fizemos o filme, estamos munidos de histórias pessoais da Dani. Sem falar que se trata de uma trama de época, se passa nos anos 1980. Isso foi antes de muita coisa que estamos vivendo hoje. Antes do movimento feminista, por exemplo. O Banquete é um filme super machista. Mas é sobre o machismo que imperava naquela década. Fala de abuso de poder, de abuso de relações humanas. Há nele um erotismo absolutamente masculino, inserido em um universo em que os homens achavam que as mulheres curtiam esse tipo de coisa, mesmo que não fosse bem assim. A Dani viveu muito isso, e ela quis falar sobre esses assuntos. Vendo hoje, pode soar extremamente machista, por isso que é importante ter sempre em mente em que período a ação está se passando. Tudo isso muito antes desse grande movimento que está acontecendo agora de libertação e de questionamento violento dessa lógica machista do erotismo e do poder, de quem manda nessa mesa.
Você é um dos atores mais populares do Brasil. Já esteve em diversas novelas e peças de teatro. Mas estaria errado em dizer que é um ‘bicho de cinema’?
Acho que sim. Quando comecei a assumir que seria ator na minha vida, o cinema nem existia. Tava recém começando a voltar, uma coisa ou outra. Era a época do Terra Estrangeira (1995), por exemplo. Lembro de ter lido uma matéria a respeito e pensado: “nossa, o Fernando Alves Pinto fez um filme!”. Era uma coisa muito rara, isso de fazer cinema, pois brincava muito com o nosso imaginário. Foi só nos anos 2000 que o cinema me descobriu. Foram dez anos que fiz de tudo, das maiores porcarias aos maiores êxitos. Não tinha escola de cinema, aprendi fazendo. Hoje em dia, no entanto, acho que deu uma acalmada. Sou, sim, um bicho de cinema. Então, pensando melhor, você tem mesmo razão. Sou de cinema, quase tanto quanto de teatro. Não se passa um ano que eu não faça ao menos um filme.
(Entrevista feita ao vivo em Gramado em agosto de 2018)
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