Dono de oito indicações ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro – o Oscar nacional – e de outras oito ao Prêmio Guarani – a mais importante premiação da crítica no país – Lázaro Ramos foi premiado em ambos, e mais de uma vez. Ele também coleciona troféus nos festivais de Gramado, Ceará, Lisboa, Havana, Recife, Cartagena, Huelva, Lima e São Paulo. Já fez drama e comédia, animação e romance. O que faltava? Encarar um clássico. E foi justamente o que o levou a aceitar o convite para ser o protagonista da nova versão de O Beijo no Asfalto, peça de Nelson Rodrigues que volta agora às telas sob o comando de Murilo Benício, que com esse projeto estreia como realizador. Aproveitando a ocasião, fomos conversar com o astro, que falou sobre como foi lidar com esse desafio, do nervosismo de atuar ao lado da grande Fernanda Montenegro e o quão atual esse texto continua, mesmo mais de cinquenta anos após a sua primeira montagem. Confira!
Como surgiu a oportunidade de ser o protagonista de O Beijo no Asfalto?
Convite do Murilo Benício. Foi engraçado, pois tenho o costume de ir atrás de personagens que, normalmente, não me convidariam. E esse me surpreendeu, pois foi uma ideia totalmente dele. Já conhecia a obra, e quando ele me chamou para conversar e fez o convite, fiquei animadíssimo. Foi uma oportunidade, primeiro, de fazer Nelson Rodrigues, algo que nunca tinha feito, apesar de já ter lido muito. Conheço bastante a obra dele por causa de um período de estudos que tive na Bahia. E, também, porque era um desafio. Além de ter pela frente esse arquétipo de personagem que era novo para mim, tinha também esse lance de falar na cadência do texto, de entender o que significa cada reticência do Nelson, pois o projeto pedia isso. O Murilo quis fazer esse filme como uma homenagem à qualidade do texto do Nelson Rodrigues. Por tudo isso, posso dizer que foi uma grande alegria ter participado desse projeto, que depois de tanto tempo de carreira me desafiou em um outro nível.
Nesse filme, você está vivendo um personagem que foi interpretado por Ney Latorraca e Reginaldo Faria nas versões anteriores. Como é estar ao lado desses caras?
Ah, não dá pra ficar pensando nas comparações. Assisti ao O Beijo no Asfalto (1981), do Bruno Barreto, e estudei o texto do Nelson. Não cheguei a ver o primeiro filme. E me apoiei muito no Amir Haddad, que tá no filme e também ajudou com a nossa preparação. O que foi um grande privilégio. E estudei, um pouco, com Vera Freitas, que é uma atriz, colega de profissão, e é também uma estudiosa da obra do Nelson. Foi super gostoso, pois fomos nas palavras, no texto, nos livros que falavam sobre a peça. Foi um trabalho quase como de teatro.
Num momento como o atual que o Brasil está enfrentando, qual a importância de levar às telas um filme como O Beijo no Asfalto?
Mais uma vez a obra de arte ajudando a gente a refletir, a pensar se não estamos andando em círculos, se não estamos repetindo os mesmos erros. E esse texto, em particular, é impressionante como continua atual. Não sei se isso é bom ou ruim. Mas é um retrato nosso. E acho que a função da obra de arte também é essa, fazer com que a gente se enxergue um pouquinho e possa corrigir os passos errados.
Além do Murilo Benício atrás das câmeras, o elenco também chama muita atenção. Como foi fazer parte desse time?
Nossa, no dia em que a dona Fernanda foi gravar, fiquei muito nervoso. Confesso que tava meio fragilizado pela responsabilidade, tanto do texto do Nelson Rodrigues como do personagem, e por estar ali com ela, que é uma atriz que admiro. E o mais engraçado é que estava, na mesma época, fazendo o Mister Brau (2015-2018), também com ela. Mas o ambiente, aqui nesse filme, me trouxe um nervosismo que não tenho na televisão. Foi muito doido. E era muito lindo, pois era uma celebração ao teatro, com ela ali, ao nosso lado, contando as histórias dela com Nelson Rodrigues, todos nós sentamos numa mesa de ensaios, e fiquei, literalmente, babando. Foi muito bom sentir isso, quando você admira uma pessoa e tem essa oportunidade de estar perto dela, apesar de estar trabalhando com ela novamente na semana posterior, em outra coisa. Foi lindo. Sabe o que é? É o princípio da nossa profissão, esse trabalho artesanal que nem sempre conseguimos exercer. Foi isso que senti. Como se estivesse no Teatro Vila Velha, na Bahia, voltando aos meus estudos de teatro, ouvindo um grande mestre, entendendo a história daquela peça, daquela obra, da relação dela com o autor. E aí deu um frissonzinho adolescente (risos).
Cauã Reymond filmou há pouco com Fernanda Montenegro o longa Piedade (2018), ainda inédito, e comentou que, apesar dessa reverência, basta dizer ‘ação’ no set para que ela se torne apenas mais uma entre todos. É assim mesmo?
Eu já trabalhei muito com ela. E o que posso dizer é que, nesse filme, foi diferente. Acho que por causa da aura e da celebração à obra e ao teatro. E tinha, também, uma reverência muito forte ao texto e à toda aquela situação que não me permitiu sentir essa tranquilidade. Não foi a mesma coisa das outras vezes. Foi especial.
Como você espera que o público receba essa nova versão de O Beijo no Asfalto?
Acho que o Nelson Rodrigues é um provocador. Tanto das nossas feridas como das nossas dúvidas. E sempre com um texto de grande qualidade. O que espero que aconteça é que as pessoas, primeiro, percebam a qualidade da escrita desse autor, pois é uma carpintaria única, é um autor que tem uma qualidade que precisaria ser estudada mundialmente. Então, antes de mais nada, torço para que tenha esse reconhecimento. E a segunda parte é que a gente consiga se enxergar ali e ver onde estão as nossas miudezas, porque o filme fala disso também.
E como foi trabalhar ao lado do Murilo Benício como diretor?
Um grande colega de trabalho. Sempre muito respeitoso com todos nós. Ouvindo bastante, mas com uma clareza da obra que ele queria fazer. Foi um processo muito bonito.
E dá vontade de dirigir também?
Vou dirigir. Daqui a pouco. Me aguarde. Estou preparando o meu primeiro filme. Com fé em Deus, vai sair logo.
(Entrevista feita ao vivo em São Paulo)
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