Murilo Benício é um dos grandes atores brasileiros de sua geração. Com vinte e cinco anos de carreira – estreou na novela Fera Ferida (1993), na Rede Globo – fez sua primeira aparição na tela grande pouco tempo depois, no drama histórico O Monge e a Filha do Carrasco (1996), de Walter Lima Jr., em que interpretava, justamente, um dos dois personagens-título. A ascensão foi rápida, tanto junto à crítica como também com o público, e se a popularidade conquistada o levou a estrelar cada vez mais projetos na telinha, ao mesmo tempo foi se afastando gradualmente do universo cinéfilo. Mas essa era uma paixão antiga, que poderia estar guardada, porém nunca esquecida. Indicado duas vezes ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, vencedor de um Prêmio Guarani e premiado nos festivais de Miami e Rio de Janeiro, ele não iria, de qualquer forma, ficar muito tempo afastado. E esse retorno começou no ano passado, com a comédia Divórcio (2017), que foi um dos maiores sucessos de bilheteria do cinema nacional naquela temporada. Mas a vontade de seguir fazendo coisas diferentes ainda estava em alta, e depois do thriller O Animal Cordial (2017), que entrou em cartaz no início de 2018, ele agora está de volta ao circuito, mas assumindo um novo desafio: a direção de O Beijo no Asfalto, terceira versão cinematográfica para a peça clássica de Nelson Rodrigues. E nós aproveitamos essa oportunidade para conversar com o astro sobre todos esses projetos. Confira!
Depois de tanto tempo afastado do cinema, você esteve neste ano como protagonista de O Animal Cordial e agora estreia como diretor com O Beijo no Asfalto. É caso pensado ou mera coincidência?
É acaso, mesmo. Houve um momento na minha carreira, lembro bem, que as pessoas começaram a me chamar pra fazer no cinema as mesmas coisas que eu já fazia na televisão. Foi quando pensei: “não, isso já to fazendo lá, aqui quero coisas diferentes”. Então meio que dei uma parada. E como, naturalmente, já trabalho muito, não foi uma coisa que me fizesse falta. É claro que a gente sente por causa desse lado mais artístico, pois sempre quis fazer cinema. Mas, ao mesmo tempo, não queria estar envolvido com qualquer coisa. Mesmo quando faço uma comédia pastelão, como foi o Divórcio, no ano passado, tem todo um motivo pra fazer aquilo, um interesse meu, que começa lá na leitura do roteiro. Não era algo que bateu na minha casa e simplesmente fiz. Existe uma escolha realmente.
Tempos atrás conversei com a Camila Morgado, e ela falou muito sobre essa parceria contigo…
Pois é, viramos amigos. Fizemos primeiro a novela Avenida Brasil (2012), e lá a gente nem se encontrava, pois eram dois núcleos bem diferentes, e também porque ainda não a conhecia direito. Depois, quando fizemos O Animal Cordial, é que ficamos mais próximos – mas não muito, também, pois ela morre logo no começo do filme. Então ainda não foi daquela vez que conseguimos ficar íntimos um do outro. Mas daí, de repente, veio o Divórcio, e por causa dele moramos dois meses em Ribeirão Preto. Foi quando viramos amigos de verdade.
Você disse que não queria se repetir. O Animal Cordial é uma mudança bem radical na tua carreira.
O Animal Cordial, acho, era um filme importante para ter na minha carreira. Mais do que qualquer premiação que esse trabalho tenha gerado, o resultado, por si só, foi incrível. A coragem da Gabriela Amaral Almeida, nossa diretora, em fazer um filme tão autoral, era justamente o que estávamos precisando. Estamos vivendo uma época em que o cinema, de uma certa forma, tem vivido uma mesmice. É um povo querendo agradar, só fazendo aquilo que pensa que o espectador vai gostar. E acho que isso é o caminho mais rápido para fracassar. Você tem que fazer o que realmente acredita de coração. E daí, sim, esperar que as pessoas também gostem. Só assim você estará sendo honesto com você mesmo.
E O Beijo no Asfalto é o que você está acreditando nesse momento?
Nossa Senhora! O Beijo no Asfalto, fico falando pra todo mundo, é lindo, e isso porque já nem acho que é meu. A gente fez tão junto, tive tanta sorte com as pessoas que acabaram envolvidas. Dona Fernandona, que é responsável por esse texto existir. Aí o Stênio Garcia resolve fazer o filme comigo. De repente entra o Amir Haddad, que é uma assumidade no teatro, um patrimônio que a gente tem, pra falar sobre Nelson Rodrigues. E isso sem falar na atuação brilhante de todo o elenco, que tiro o chapéu. Eles estão incríveis. Pra finalizar, ainda vem o Ney Matogrosso e canta para mim. Não mereço tudo isso!
Dar teu primeiro passo como diretor já adaptando uma obra clássica do cenário cultural brasileiro. De onde veio essa coragem?
Acho que não é exatamente uma questão de coragem, porque estamos falando de uma outra coisa. Não tive medo de comparações, por exemplo. Queria fazer uma homenagem aos atores e à nossa profissão. Uma homenagem ao teatro. Ao processo do ator, ao cinema, ao cinema antigo, ao preto e branco. Então, acho que ele difere demais das duas versões anteriores. Não dá pra comparar. Não porque é melhor ou pior, mas porque é muito diferente o que a gente fez.
(Entrevista feita ao vivo em São Paulo)
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