Ele é dono de um Oscar. Precisa dizer mais? Bom, então vamos lá. Grant Heslov é também produtor de mais de vinte filmes e séries, ator com uma filmografia de mais de 70 créditos, dirigiu um longa estrelado pelos vencedores do Oscar Jeff Bridges e Kevin Spacey (Os Homens que Encaravam Cabras, 2009) e tem como melhor amigo, desde a juventude, ninguém menos do que George Clooney! Agora tá mais do que suficiente como apresentação, certo? Pois bem, os dois são sócios na produtora Smoke House, e após terem assinado juntos sucessos como Boa Noite e Boa Sorte (2005) – indicado a 6 Oscars – Argo (2012) – premiado como Melhor Filme – e a série Catch-22 (2019) – indicada ao Globo de Ouro, Emmy e Bafta – estão mais uma vez reunidos em O Céu da Meia-Noite (2020), o primeiro trabalho da dupla com a Netflix. O longa, já disponível aos assinantes da plataforma de streaming em todo o mundo, se passa em um futuro não muito distante, e fala sobre arrependimentos e novas esperanças, tanto na Terra como no espaço. E foi para saber mais sobre esse projeto que a gente conversou com exclusividade com Heslov, em um bate-papo exclusivo pelo zoom. Confira!
Olá, Grant. Você e George Clooney, diretor e protagonista de O Céu da Meia-Noite, são parceiros há um bom tempo. Como você definiria a relação de vocês?
Bom… longa? (risos) Nós já éramos melhores amigos um do outro muito antes de termos virado sócios. Nos conhecemos quando eu tinha 19 anos, e ele 21. Cursávamos a mesma escola de atuação. Éramos apenas dois atores que estavam começando, mais ou menos na mesma época. Então, faz mesmo muito tempo, com certeza. Foi antes de qualquer um de nós ter qualquer experiência profissional. Por tudo isso, posso dizer que a nossa parceria é baseada, antes de qualquer coisa, nessa forte amizade que nos une. Temos gostos parecidos, e nossa forma de trabalhar também é similar. Posso dizer que nos consideramos mais irmãos do que qualquer outra coisa.
É verdade que essa amizade começou com um pedido de empréstimo?
(risos) Mais ou menos. Não começou com um empréstimo, mas realmente, naqueles momentos difíceis que enfrentávamos, cheguei a emprestar algum dinheiro para que ele conseguisse tirar umas fotos de si mesmo e enviar aos agentes em busca de trabalho. O que deve ter funcionado, né? Pelo que sei, ele usa essas mesmas fotos até hoje!
Quem teve primeiro a ideia sobre O Céu da Meia-Noite: você ou Clooney?
Na verdade, esse filme não foi uma ideia nem minha, nem dele. Alguém mandou o roteiro como sugestão para a nossa produtora. Então, o que aconteceu foi que lemos o texto ao mesmo tempo. E o que geralmente acontece nesses casos, é que a todo instante um liga para o outro, no meio da leitura, pra fazer comentários a respeito e saber o que estamos achando. “Tá gostando?” “Sim, muito. E você?” “Ah, eu também”. E assim por diante. Quando terminamos, nos reunimos e falamos o que havíamos achado. E a decisão foi: vamos fazer, vamos tornar isso realidade.
O que você achou no seu primeiro contato com essa história?
Eu adorei. Pensei: “nossa, isso é incrível”. Na verdade, foi o que me chamou atenção, o quão bonito era isso que havia acabado de ler. Não fiquei pensando se seria difícil ou não fazer esse filme, entende? O fundamental é se você se conecta ou não com o material. Se há essa ligação, todo o resto termina por se encaixar. E foi o que aconteceu nesse caso. Claro que quando é você que escreve a história, o processo é diferente. Mas, aqui, foi exatamente assim: nos conectamos. Só focamos nas razões pelas quais o filme deve ser feito. Eu, ao menos, nunca me preocupo com os motivos pelos quais ele não deve ser realizado.
O Céu da Meia-Noite é praticamente dois filmes em um. O que isso representou em termos de desafio de produção?
Bom, você tem toda a razão. Então, o desafio maior foi justamente esse: ter que filmar dois filmes em separado. Fizemos primeiro toda a parte com Clooney. Começamos na Islândia, registrando as externas. Depois fomos para Londres, onde filmamos no estúdio, apenas com os dois, George e a garota. Quando terminamos essas sequências, já era Natal, e uma parada foi feita. Ao voltarmos, era a vez das cenas no espaço. Foi a melhor maneira de se fazer. Afinal, um dos maiores desafios, para todos nós, é que George, além de ser o diretor, também é um dos protagonistas. Isso exige uma dinâmica particular. Sem falar, é claro, que filmar no gelo, sob as condições que você pode ver, é sempre complicado. Estávamos, literalmente, sob um glacial, no meio do nada, a seis horas de distância de Reykjavik. A cidade mais próxima tinha apenas dois restaurantes, se tanto. Ou seja, foram algumas das dificuldades que enfrentamos, como pode imaginar.
Que tipo de produtor é você? Costuma ficar mais no escritório, gerenciando tudo, ou prefere estar no set, acompanhando de perto?
Eu estou sempre no set. Principalmente quando George está atuando. Não que tenha que dirigi-lo, mas apenas para garantir que todo o resto está funcionando. Clooney é o tipo de cineasta que não gosta de passar mais tempo nas suas sequências do que passaria nas de qualquer outro ator, entende? Mas, às vezes, é preciso, até que se encontre a tomada certa. Então, é bom poder contar com uma opinião extra – no caso, a minha.
Você ganhou o Oscar de Melhor Filme por Argo (2012), ao lado de Clooney e Ben Affleck. Como essa vitória modificou a sua posição em Hollywood?
Não sei se mudou alguma coisa. Confesso que estou ainda esperando pra ver se as coisas irão mudar ou não (risos). Estou no aguardo para ver se ficarão mais fáceis, mas o que percebo é que segue no mesmo ritmo. Acho que Argo tem uma qualidade, algo que só percebemos depois que já estava pronto, que se tratava de uma história universal. Fala sobre esperança, é divertido. Tem de tudo um pouco.
Qual o segredo de realizar um longa vencedor do prêmio da Academia?
Não há segredo algum! Aliás, o segredo é continuar fazendo. Seguir contando as histórias que você gosta, e torcer para que os outros gostem do que você fez. No final do dia, é pura sorte. Você pode fazer um filme que ama, e depois descobrir que todo mundo odiou. Mas a verdade é que adoraria que existisse um segredo e alguém me contasse, pois se soubesse, teria feito outros filmes vencedores do Oscar! Mas não é assim. Todo filme é um novo começo.
Em O Céu da Meia-Noite, há ainda outros artistas indicados ao Oscar, como Felicity Jones e Demian Bichir. Como foi reunir todos esses talentos?
O que chama atenção é que, nesse filme, o elenco é muito pequeno. E, felizmente, todo mundo se deu muito bem. Acho que todos estavam realmente felizes por fazer parte desse projeto. Havia muita coisa técnica envolvendo os atores, é fato, e isso às vezes pode ser chato, por causa dos fios, da tela verde, questões da pós-produção. Mas também foi divertido. A Felicity, por exemplo, estava grávida durante as filmagens! Ou seja, tudo que contava com a participação dela exigia o dobro do cuidado. Felizmente, deu tudo certo. Estamos satisfeitos por participar de um filme que acreditamos. Além disso, passamos muito tempo reunidos, íamos jantar todos juntos. Nem sempre é assim, preciso dizer. Mas, nesse caso, foi perfeito.
Você acredita que é sempre o roteiro que faz a diferença, ou, na hora de convidar esse ou aquele ator para determinado projeto, basta dizer que “é o Grant Heslov que está chamado”?
A gente sempre mostra o roteiro. Afinal, quer ter certeza de que não haverá nenhuma surpresa depois que todos estiverem à bordo. Claro, houve ocasiões em que liguei para alguém e disse: “venha até aqui, quero você nesse filme”, e foi suficiente, justamente porque havia muita confiança entre nós. Mas são raras as situações assim. Afinal, o roteiro é a base de tudo. Você nunca irá fazer um bom filme, se não tiver um bom roteiro.
O Céu da Meia-Noite conta com 5 produtores diferentes, certo? Você, Clooney, Bard Dorros, Keith Redmon e Cliff Roberts. Como se deu a divisão de trabalho entre vocês?
Para sermos justos, quando George e eu fazemos um filme, nós não nos preocupamos muito em dividir as responsabilidades. Todo mundo acaba participando. O que acontece com frequência é que os demais produtores nem sempre estão disponíveis para estarem no set conosco. Então, acabam ficando responsáveis por outras coisas que acontecem nos bastidores, e que também precisam ser resolvidas. Por causa da natureza da nossa relação, esta é a maneira que encontramos e que melhor funciona para nós. Colabora para isso também o fato de que gostamos de manter um set mínimo, sem muita interferência. Algo calmo e descontraído. Sem muita gente reunida, somente quem é, de fato, essencial para cada cena.
Grant, além de produtor, você também costuma atuar como roteirista, diretor e até intérprete. Alguma dessas áreas te dá mais prazer? Você pensa em retornar a essas outras atividades no futuro?
Todas essas atividades me dão prazer. Mas são experiências singulares, e cada uma delas exige algo diferente de mim. Há pouco tempo fizemos a minissérie Catch-22, e participei também dirigindo e atuando. Foi maravilhoso. Agora mesmo, George e eu estamos começando a escrever algo que tem tudo para ser incrível. Ou seja, vou continuar fazendo de tudo um pouco. Acho que a produção é o meu “trabalho do dia”, digamos, minha atividade principal, pois ocupa grande parte do meu tempo. Tentamos fazer ao menos um filme por ano, mas nem sempre é possível. Não sonho mais em atuar da maneira que fazia quando era jovem, mas quando essas oportunidades se apresentam, são sempre fantásticas.
O Céu da Meia-Noite é também o teu primeiro longa que não será exibido nos cinemas, sendo lançado diretamente pela Netflix. O que uma mudança como essa representa em termos de negócio e de alcance de público?
A verdade é que esse filme foi feito para ser exibido nos cinemas, ao menos nos Estados Unidos. Era parte do nosso acordo, primeiro na tela grande, depois na Netflix. A estreia era para ter acontecido em novembro. Então, pensávamos: “ok, vamos ter o melhor dos dois mundos, certo?”. Mas aconteceu a pandemia, e tudo mudou. A verdade, no entanto, é que provavelmente mais pessoas verão esse filme do que qualquer outro que a gente já tenha feito. O alcance do streaming é muito vasto. Isso é fantástico. Mas, ao mesmo tempo, é uma experiência diferente. Quando entrávamos em cartaz nos cinemas, costumava viajar até outras cidades só para entrar numa sala, no meio da sessão, e ficar lá no fundo acompanhando as reações da plateia. Adoro fazer isso. Esse vai ser o primeiro de todos os filmes que já fizemos que não vamos ter o prazer de assisti-lo ao lado dos demais espectadores. Tem ganhos, é claro, mas também há coisas que se perdem pelo caminho.
(Entrevista feita por zoom em dezembro de 2020)